terça-feira, janeiro 23, 2007

Triplex

Saio de casa como um homem para um encontro de homens que vejo, no máximo, duas vezes por ano. Quando chego, os homens estão a ter uma discussão de mulheres. Usurpo-lhes o tempo de antena. Despejo em catadupa dois ou três assuntos pendentes como quem deposita casacos e carteiras em cima de uma mesa anoréctica, roubando espaço para copos e tabaco. Os interlocutores sorriem, fingem agradecer a aparição súbita. No momento certo para abortar a discussão, disfarçam. Mas quando termino, voltam ferozmente a ela. E já não conseguem sair dali. Não é futebol, nem política, nem a profissão, nem propriamente gajas. É só a versão de uma história que não encaixa. Uma história com bolor ressuscitada numa sala sem aquecimento do Triplex, vá lá saber-se porquê. "Tu sabes que querias que eu contasse"; "Tu sabes que não era para contar"; "Afinal não te conheço como julgava"; "É melhor ficarmos por aqui"; "Mais uma cerveja? Não, estou cansado, quero dormir"; "Fica tu"; "Não, ok, vamos todos".
E fomos. Eu, muda, também. Eu, que nem sequer paguei bilhete para assistir à peça, aceitei desligar os Band of Horses com a St Augustine em repit [we're dancing on the poison in their graves, at the end of the night, we'd all seen better days] e abandonar o calor cansado da lareira só para, por eles, mergulhar no nevoeiro orvalhado da cidade. Encomendei uma daquelas conversas de pessoas que nunca se vêem; serviram-me uma discussão por-pouco-mais-do-que-quase-nada. Ter-me-ía enganado no sítio? Não consegui evitar sentir-me uma criança na cama de um casal, com o olhar em incessante e incrédulo pingue-pongue. Impôs-se o clássico silêncio, sim, matrimonial. Entrecortado a espaços. "Está frio, não está?".
Foi mais comovente do que parece. São amigos de verdade. O telemóvel não precisava tocar. Não passaram dez minutos desde que entrei no táxi. "É só para te dizer que já fizemos as pazes. Vai um copo?"

1 comentário:

  1. Os dois que só vês, no máximo, duas vezes ao ano, são uns malcriados da pior espécie [eu Brutus, me confesso]. No entanto, a vontade de flutuar por esta cidade com essa dama de palavras de algodão doce é genuína. Perdoa-nos, senhora, que nós não sabemos o que fazemos. Liga-nos quando quiseres. A compensação vem a caminho.

    R&J

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