Saio de casa como um homem para um encontro de homens que vejo, no máximo, duas vezes por ano. Quando chego, os homens estão a ter uma discussão de mulheres. Usurpo-lhes o tempo de antena. Despejo em catadupa dois ou três assuntos pendentes como quem deposita casacos e carteiras em cima de uma mesa anoréctica, roubando espaço para copos e tabaco. Os interlocutores sorriem, fingem agradecer a aparição súbita. No momento certo para abortar a discussão, disfarçam. Mas quando termino, voltam ferozmente a ela. E já não conseguem sair dali. Não é futebol, nem política, nem a profissão, nem propriamente gajas. É só a versão de uma história que não encaixa. Uma história com bolor ressuscitada numa sala sem aquecimento do Triplex, vá lá saber-se porquê. "Tu sabes que querias que eu contasse"; "Tu sabes que não era para contar"; "Afinal não te conheço como julgava"; "É melhor ficarmos por aqui"; "Mais uma cerveja? Não, estou cansado, quero dormir"; "Fica tu"; "Não, ok, vamos todos".
E fomos. Eu, muda, também. Eu, que nem sequer paguei bilhete para assistir à peça, aceitei desligar os Band of Horses com a St Augustine em repit [we're dancing on the poison in their graves, at the end of the night, we'd all seen better days] e abandonar o calor cansado da lareira só para, por eles, mergulhar no nevoeiro orvalhado da cidade. Encomendei uma daquelas conversas de pessoas que nunca se vêem; serviram-me uma discussão por-pouco-mais-do-que-quase-nada. Ter-me-ía enganado no sítio? Não consegui evitar sentir-me uma criança na cama de um casal, com o olhar em incessante e incrédulo pingue-pongue. Impôs-se o clássico silêncio, sim, matrimonial. Entrecortado a espaços. "Está frio, não está?".
Foi mais comovente do que parece. São amigos de verdade. O telemóvel não precisava tocar. Não passaram dez minutos desde que entrei no táxi. "É só para te dizer que já fizemos as pazes. Vai um copo?"
Os dois que só vês, no máximo, duas vezes ao ano, são uns malcriados da pior espécie [eu Brutus, me confesso]. No entanto, a vontade de flutuar por esta cidade com essa dama de palavras de algodão doce é genuína. Perdoa-nos, senhora, que nós não sabemos o que fazemos. Liga-nos quando quiseres. A compensação vem a caminho.
ResponderEliminarR&J