quarta-feira, junho 01, 2011

Anton Tchékov: O Duelo


As ciências humanas de que fala apenas irão satisfazer o pensamento humano quando, no seu movimento, se encontrarem com as ciências exactas e seguirem a par delas. Se se vão encontrar nas lamelas do microscópio, ou nos monólogos de um novo Hamlet, ou numa nova religião, isso não sei, mas acho que a Terra se cobrirá de uma casca de gelo antes de isso acontecer. O mais resistente e sobrevivente de todos os conhecimentos humanos é, sem dúvida, a doutrina de Cristo, mas veja que é variado o entendimento até desta doutrina! Alguns pegam que amemos o próximo, mas excluem desse amor os soldados, os criminosos e os loucos: aos primeiros é permitido matá-los na guerra, aos segundos isolá-los ou executá-los, aos terceiros é proibido casar-se. Outros intérpretes ensinam a amar sem discriminação, sem se olhar para as qualidades ou defeitos de cada qual. De acordo com estes, se chegar a nossa casa um tísico ou um assassino, ou um epiléptico, e se pedir a nossa filha em casamento, deve-se dar-lha; se os cretinos moverem guerra contra as pessoas física e mentalmente saudáveis, estas devem expor-lhes as cabeças. Esta prédica do amor pelo amor, como da arte pela arte, se singrasse acabaria por levar a humanidade à extinção completa, e assim se consumaria o mais grandioso de todos os crimes alguma vez existentes à face da Terra. Há muitíssimas interpretações, mas, por muitas que sejam, o pensamento sério não se satisfaz com nenhuma delas e apressa-se a acrescentar às numerosas interpretações a sua própria. Por isso, nunca coloque um problema na base filosófica ou na base dita cristã, porque dessa maneira ainda fica mais longe da solução do problema.

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