Depois de tanto entrecosto em jantares comício e visitas a mercados e bandeiras a bater-lhe na cara, ele estava cada vez mais próximo. Tinha-se preparado ao longo dos anos, apertara a mão gosmenta de colegas de partido que, se pudessem, o punham a trabalhar numa portagem. Costumava dizer que a política é a arte de escapar das facas e, desde que iniciara a carreira na juventude partidária, mostrara-se mais esguio que uma enguia nas mãos de um doente de Alzheimer. Era detentor dessa capacidade de sobrevivência que vale muito mais que um canivete suíço: estava quase sempre no lado daqueles que venciam. Colava-se, amigava-se, dobrava-se em vénias. Não estava sozinho, passara por empresas, universidades e distritais do partido onde reconheceu os seus iguais, sósias que pareciam ventosas, gente agarrada com unhas e subserviência à sombra do líder, os campeões da espinha maleável e do sim senhor. E agora estava mais perto que nunca.
Um dia, desabafando com a mulher, confessou que se pusessem uma piscina de trampa entre si e o seu objectivo iria buscar as braçadeiras do filho e lançar-se-ia de cabeça. Mas passavam-se os dias e o telefone não tocava. Depois houve aquela confusão com os votos dos emigrantes no Brasil. Ligou ao pai, como fazia todos os dias, para explicar que havia procedimentos legais a cumprir, mas que já estaria no governo quando começassem as festas de Verão lá na terra. O número do líder nunca chegou a aparecer no seu telemóvel. Teve de ligar ao pai: "Não sou secretário de Estado." Nesse verão não apareceu nas festas da aldeia.
[Hoje, no i]
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