[Gustav Klimt, Mada Primavesi]
Depois de uma verdadeira caça ao tesouro para encontrarmos uma nova empregada, a sexta ou sétima tentativa!, já perdemos a conta (as anteriores renderam-se quase todas ao RSI e nunca perceberam o conceito do brio profissional), talvez a dispensemos e voltemos a passar as folgas agarrados à limpeza e as noites agrafados ao ferro de engomar. Talvez voltemos a adiar a matrícula na universidade, que as propinas são caras, e estudar só pelo prazer de continuar a estudar é um prazer que o actual contexto não permite ter. Talvez deixemos cair para sempre o workshop milionário do senhor Storm. A tese de mestrado, segundo round de mais umas centenas de euros, ficará também provavelmente para as calendas. Talvez deixemos de pensar em engravidar por tempo indeterminado e de pensar em adoptar pelo dobro da indeterminação do tempo.
No próximo ano, talvez deixemos de comprar livros todas as semanas. E jornais. E revistas. E cremes a torto e a direito. Talvez deixemos de ser visita assídua do dentista, do ginecologista e do dermatologista, três companheiros de pelo menos uma década e, num caso, de muitas lutas, mas que no futuro próximo nos desequilibrariam um orçamento que ainda nem sabemos qual vai ser, mas que seguramente não irá engordar. Cinema no cinema já não vemos há muito tempo; teatro e concertos será luxo para dosear. Carro não temos, nem carro nem carta: a mota não tem preço. Vamos, claro, deixar de andar de táxi. Alentejo emagrecido de três vezes por ano para de vez em quando, quando calhar; viagens pelo mundo só a fazer de conta.
Está decretado o nosso plano de austeridade. Mas não podemos deixar de nos questionar se era a isto, a esta vida, que chamam viver acima das possibilidades. Era?! Uma pessoa estuda quase 20 anos com afinco, doze de ensino secundário, mais cinco de superior, mais um de pós-graduação - dá 18. Fora as formações avulsas, os cursos e os cursinhos disto e daquilo, aqui e acolá. Duas décadas para pouco mais do que nada. Não dá direito a expectativas, a ambições, muito menos a liberdade. Só ao dever de manter as pequenas prisões do quotidiano que inelutavelmente se criam. É fraquinho. É pobrezinho, e nem sequer dá direito ao apoio de uma qualquer legião da boa vontade. Não é carência alimentar, não é realmente. Deveríamos sentir-nos felizes?!
Se há dez anos nos perguntassem, a nós, provenientes desse jackpot que é ser do campo, do interior e do norte do país, onde estaríamos com dez anos de trabalho acumulado, teríamos dito qualquer coisa menos a coisa que aconteceu: a estagnação no início do jogo sem qualquer perspectiva de passar para o round seguinte. No imaginário de uma vida em linha recta, estaríamos hoje a devolver a quem tem menos o tanto que teríamos recebido. Um sonho infantil. Ingénuo. Irrealizado.
Em 2011, o lema é portanto saltar borda fora! Em nome da liberdade, de uma vida sem medo de falar, de respirar. De perder. De voltar a erguer. De dar a mão. Dizem-nos a cada passo que devíamos ir para a Austrália, para o el dorado angolano, para Moçambique. Equacionámos as três durante este ano. Ficámos. Porque o maior privilégio da vida é também o maior travão: as três melhores pessoas que conhecemos vivem as três na mesma casa. Não é coisa para se ignorar. Ficar tem um preço, profissionalmente altíssimo; partir teria um preço muito maior para quem acha que a vida inteira será sempre muito curta para viver tão perto quanto possível de um clã cuja generosidade não cabe em palavras.
Pensamos no que nos sobra ficando; no que não é susceptível de inflação nem de cortes. O essencial da vida é de graça. É o lado espantoso disto tudo.
you did it again
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