Volta e meia, vem-me esta imagem à cabeça: um primeiro-ministro, jovem, bem-falante, elegante e poderoso, fazendo um discurso no parlamento do seu país. Os gestos são estudados, mas adquiriram com o tempo uma certa naturalidade - o que significa que estamos perante um político muito profissional, que sabe distinguir-se da massa dos políticos meramente profissionais. As palavras saem bem articuladas, as frases aparecem moduladas, os parágrafos terminam enfáticos - e tudo isto aparece como se fosse convicção. Ele é um político de sucesso e sabe que o é. Tem o partido e o país na mão, graças a uma fórmula que foi afinando ao longo da vida, combinando carisma, oratória e sobretudo lealdades disciplinadas.
Ele termina o seu discurso elevando a voz e sincopando as últimas palavras e, depois - silêncio. Acontece nada. Na plateia ninguém aplaude. Não apenas a oposição, que não aplaude, mas também não apupa, não vaia, não protesta - nada. Mas acima de tudo a maioria, o partido de governo, com os fiéis correligionários do chefe, não levanta as mãos para o aplaudir. A única coisa que se segue ao discurso do chefe é silêncio, e a seguir a esse silêncio, mais silêncio.
No meu sonho não ficam claras as razões para este fenómeno. Talvez se tenham distraído todos. Talvez se tenham aborrecido. Talvez cada um dos seguidores do chefe tenha achado que, naquele dia, se poderia dar ao luxo de não aplaudir porque certamente todos os seus colegas o fariam. Talvez, sem sequer considerar o fundo e a forma do discurso, tenham sentido que aplaudir era apenas uma obrigação de trabalho, como picar o ponto, ou de cortesia - e, de repente, não lhes tenha apetecido fazê-lo, como quem decide ligar para o emprego e inventar uma doença para ficar o dia de pijama. E agora já é tarde. Ninguém bateu palmas e o silêncio durou já uma semibreve a mais, e agora ninguém se atreve a ser o primeiro, nem consegue aliás levantar os braços, porque estão todos hipnotizados pelo sucedido.
O que acontece de imediato não sei. A imagem seguinte que tenho é somente a do chefe de governo chegando a casa, tirando os sapatos, e ficando pensativo sentado no sofá. Ele sabe que está acabado. Todos sabem que ele está acabado. Mas - se é que alguém falou desde que aconteceu o que não aconteceu - não sabem dizer com precisão porquê.
Não tendo aqui o meu Plutarco, não sei onde ele - se é que foi ele - inventa um diálogo com um homem importante. Pergunta-lhe: mas afinal porque és tu importante? E o homem importante diz-lhe: porque todos me prestam atenção. E Plutarco - ou o perguntador - responde: mas não prestamos todos atenção a um cão raivoso? E o homem importante retorque: não é isso; a mim, toda a gente tem de ouvir o que digo. E Plutarco - ou a outra personagem do diálogo - responde: mas não acontece isso com os loucos nos mercados, e com aquelas pessoas que nos agarram no braço até acabarem de contar a sua estória?
E o homem importante: mas não quererás tu entender, ó impertinente? Eu sou importante porque aquilo que eu faço tem consequências. Sim, responde Plutarco: e não terá também consequências um púcaro com leite que está prestes a ferver? Implicitamente, o que o homem importante pretende é dizer o seguinte: eu sou importante porque tenho poder. E a pergunta de Plutarco é: e esse tal poder, de onde vem?
(Enquanto eu te responder com uma pergunta, nunca o receberás.)
[Hoje, no Público]
Do melhor que já li. De uma potência inigualável
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