[Carlos Pinto Coelho, na Vidigueira]
Aconteceu de forma inesperada. Carlos Pinto Coelho, lisboeta de 66 anos, sucumbiu ontem a problemas cardíacos. O autor do "Acontece", o telejornal cultural que maior longevidade conheceu na televisão do Estado, faleceu depois de uma intervenção cirúrgica à aorta, no Hospital de Santa Marta, em Lisboa. Era tratado pelo nome do programa, era o “Senhor Acontece”.
“Morreu um libertino numa altura em que cada vez temos menos liberdades”. Se o magazine cultural “Acontece” ainda estivesse no ar no dia em que morreu o polémico escritor Luiz Pacheco, Carlos Pinto Coelho tê-lo-ia anunciado desta forma. Mas em Janeiro de 2008, o “Acontece” já não acontecia diariamente na RTP 2 há cinco anos. Para “luto intenso, mas não prolongado” do seu autor e apresentador. O epitáfio que escolheria para o autor de “Textos malditos” cabe na perfeição no comunicador que era também jornalista que era também fotógrafo.
Pinto Coelho não era um libertino no sentido estrito do termo ou de Pacheco; era libertino num sentido mais lato, eventualmente mais poético, no sentido de eleger o belo como fonte de prazer. Foi isto que fez a vida toda ao defender, como poucos, a cultura em Portugal. Ao defender, fazendo. Coisa ainda mais rara.
O “senhor Acontece” tem uma longa história antes do programa que o mediatizou – no Diário de Notícias, como repórter; no Jornal Novo, como co-fundador; na RTP, onde desempenhou vários cargos, desde director de informação a director de programas – e uma história igualmente longa, longe dos holofotes, depois de o terem afastado televisão, onde trabalhou durante 23 anos. O “Acontece” continuou a ser emitido todas as semanas em 92 rádios nacionais. E os livros adiados começaram, nos últimos anos, a ver a luz do dia. No ano passado, encabeçou também a candidatura para o quinto canal de televisão. O Telecinco SA, como se apresentava, era constituído, entre outros, por Ana Paula Rangel, filha de Emídio Rangel, e pelo jornalista David Borges.
Mas não era o ecrã da televisão que lhe fazia falta – “Não me faz falta nenhuma. Aquela ideia que se tem de que quem apareceu todas as noites na televisão fica muito triste, comigo não aconteceu”, afirmou em 2008 numa entrevista ao JN –; o que lhe fazia falta, o que realmente o preenchia, era o ecrã da máquina fotográfica. “A esse não resisto dia nenhum”, confessou. “Não há dia nenhum que chegue à minha varanda do Alentejo e olhe para o céu – e o céu todos os dias está diferente – em que não tenha de ir procurar a minha câmara fotográfica, porque desta vez", riu ao dizer isto, "desta vez é que estas nuvens são as melhores de sempre”.
Pinto Coelho deixou forte impressão digital em África, onde cresceu, e definitivamente a mãe África nele. Mas quando lhe perguntámos se era lá que estava o seu coração, negou. “Sou um homem sem pátria, sem terra, sem raiz, sem sítio, um homem do tempo, do dia, do momento. Corri mundo, conheci muita gente e muita coisa que me enriqueceu. Não é aqui, onde estou de passagem, que tenho o meu coração. Tenho-o no sítio onde estou, no momento em que estou. E não sei qual será o último e onde estarei quando morrer.”
Sem comentários:
Enviar um comentário