quinta-feira, julho 29, 2010
quarta-feira, julho 28, 2010
O que realmente comove...
Começou de rompante ao início da tarde de anteontem, ceifando a freguesia de Ermidão, derrubando árvores, ameaçando casas, espalhando o pânico. Incêndio em Sever do Vouga, no distrito de Aveiro, a acender e a apagar. Apagou uma casa, quase apagou a segunda. A casa de Alice e Celestino, casal de meia idade, eles ali cercados no meio de três fogos e ninguém para os ajudar, eles sozinhos com o medo de perderem tudo o que terão levado uma vida inteira de trabalho a construir. O povo foge, grita. Dona Alice, já na antecâmara dos 70, enche-se de coragem, começa a correr em sentido contrário, de frente para as chamas, é tão fácil imaginar-lhe, o rosto, o suor, "não queria por nada desta vida perder a casa", corre mais, deixa o calçado para trás, trepa ao telhado como gato. E fica lá em cima a atirar baldes, uns atrás dos outros, um balde leva tão pouco, talvez muitos, muitos seguidos, a ajudem, a salvem. Fica lá em cima a dar aos braços, a tentar sossegar as chamas, a tentar respirar um bocadinho, horas seguidas e o alívio que não chega. Cá em baixo, Celestino, o marido de 66 anos, teme pela casa, teme mais ainda pela sua Alice. Sem saúde, tenta ser o copiloto perfeito. Corre, também ele, o mais que pode, para trás e para a frente, para o tanque e para a casa a encher os baldes. "Quanto mais o fogo crescia, mais acreditava que o venceria", contou depois dona Alice, mulher destemida, abençoada, à agência Lusa. E venceu. E ainda teve a destreza de ir lá baixo à pocilga, lá baixo desfiando as labaredas e contrariando o marido, que tinha medo que ela lá ficasse, libertar o porco. E o animal não morreu queimado. Só não conseguiu salvar as três ovelhas. "Mas salvei a casa". As lágrimas correm-lhe agora pela cara. Emoção, muito cansaço, tantas horas sem saber se conseguiria. Ergue os braços dona Alice, agradece a Deus a força. E a sorte. "Tivemos mais sorte que o vizinho, fechou-se dentro de casa e não queria de lá sair". O fogo continua.
terça-feira, julho 27, 2010
Project: runaway
Ainda falta muito? Papá, ainda falta muito para chegarmos? Sentia-se outra vez aquela menina insegura, mimalha, sentada entre os dois bancos de trás do carro a perguntar pelo fim do caminho - e de tudo quanto a impacientava. E o pai respondia-lhe naquela voz antiga, segura como tronco de árvore, de uma bondade à prova de terramoto. Está quase, amor, está quase. E antes que voltasse a questioná-lo, iludia-lhe o tempo com histórias, com jogos. O nome das terras, dos escritores que nasceram naquelas terras, das casas em que viveram, dos livros que escreveram. O tempo passava. Ainda falta muito para deixar de estar doente? Ainda falta muito para ser dia? Ainda falta muito para ser Verão? Ainda falta muito, papá? Não, amor, está quase, vais ver. E ela via, acreditava. Acontecia. Há quanto tempo já não acontece? Há quanto tempo, papá? Porque é que nunca mais passa? Porque é que nunca mais é amanhã? E isto deixa de doer? Porque é que já não há histórias que iludam o tempo e o tempo não passa? Ninguém precisa de saber, dizem-lhe, ninguém precisa de saber que, a seguir, o teu projecto é ter um espaço de observação de chuva de estrelas no Alentejo. Mas há quanto tempo não vê ela uma estrela cadente? Há quanto tempo não pede um desejo? O desejo de que o tempo passe. Observa gatos, são mestres em cuidar-se, recolhem-se à privacidade, lambem as feridas, lambem o pêlo, põem-se lindos e voltam todos lampeiros, dizem-lhe. Ela observa gatos, recolhe-se, lambe as feridas e o pêlo. Mas não acontece nada.
segunda-feira, julho 26, 2010
The Cheshire Cat
Alice: Would you tell me, please, which way I ought to go from here?
Cat: That depends a good deal on where you want to get to
Alice: I don't much care where.
Cat: Then it doesn't much matter which way you go.
Alice: …so long as I get somewhere.
Cat: Oh, you're sure to do that, if only you walk long enough.
sábado, julho 24, 2010
Retrato com sombra
[Marc Chagall, The woman with the roses]
Que morte é a sombra deste retrato,
onde eu assisto ao dobrar dos dias,
orfão de ti e de uma aventura suspensa?
Tu não eras só este perfil.
Tu não eras só este sossego aconchegado
nas mãos como num regaço.
Tu não eras apenas
este horizonte de areia com árvores distantes.
Falta aqui tudo o que amámos juntos,
o teu sorriso com as ruas dentro,
o secreto rumor das tuas veias
abrindo sulcos de palavras fundas
no rosto da noite inesperada.
Falta sobretudo à roda dos teus olhos
a pura ressonância da alegria.
Lembro-me de uma noite em que ficámos nus
para embalar um beijo ou uma lágrima,
lutando, de mãos cortadas, até romper o dia,
largo, intacto,
largo, intacto,
nas pálpebras molhadas dos lírios.
Tu não eras ainda este perfil
com uma rosa de cinza na mão direita.
Eu andava dentro de ti
como um pequeno raio de sol
dentro da semente,
porque nós - é preciso dizê-lo -
tínhamos nascido um dentro do outro
naquela noite.
Esse é o teu verdadeiro rosto;
aquele rosto que vou juntando ao teu retrato
como quando era pequeno:
recortando aqui,
recortando aqui,
colando ali,
até que uma fonte rasgue a tua boca
e a noite fique transbordante de água.
(Eugénio de Andrade 1923 - 2005)
sexta-feira, julho 23, 2010
Best of Rock Festival 2010. Parte II
Ouro na pele queimada, gula no coração sedento de terapia musical, concertos como nuvens brancas. Território, para nós virgem, o Meco. Primeiro dia. Beach House na golden hour. A francesa Victoria Legrand, estacionada nos anos 80, blazer dois tamanhos acima, dobrado nas mangas, caracóis a esconderem-lhe o rosto, a voz como um íman a subir ao céu. Percebe-se rapidamente o título do último álbum, "Teen Dream". Ali somos todos adolescentes, criaturas por corromper, ainda cheias de esperança e de sonhos. Contem-nos o que quiserem, nós acreditamos. Acreditamos que a alma é de prata, que há biliões de estrelas a abrirem-nos caminho, que é possível esquecer o amor que não queríamos deixar para trás e, mesmo se falhou, recordar as noites em que tudo corria ainda bem, juntar os cacos do coração e, quem sabe, dizer amigo. Podemos só esperar pelo fim do Verão? E ficar lá dentro enquanto não acabar? Parece melancólico, não foi. Legrand podia ser a Alice e aquele palco o país das maravilhas. The Temper Trap a agitar e a render. É sempre assim: em 2009, passaram mais discretos do que seria de supor, ainda à luz do dia, por Paredes de Coura. Este ano, ali, na Herdade do Cabeço da Flauta, com o céu já a escurecer por trás, magnetizaram. E muito por mérito do vocalista, Dougy Mandagy, rapaz indonésio, emocional, contagiante, absolutamente arrasador, em qualquer sentido que se lhe queira dar. Love lost era a senha para entrar. Grizzly Bear ainda não tinham arrefecido as cadeiras dos coliseus do Porto e Lisboa, onde estiveram em Maio - em exercício de estreia e de aquecimento. Os norte-americanos entraram ali para um dos grandes concertos da noite. Ninguém não sabia cantar Would you always, maybe sometimes, make it easy? Take your time, refrão de Two weeks. Ninguém deixou de dançar. E ninguém conseguiu não se deixar levar por eles, tantos num abraço, até ao céu, lugar para onde tudo, mesmo tudo pareceu apontar naquela noite. Espécie de lavagem cerebral da realidade. E foi já despidos da vida real que entrámos, tudo a marchar, Go Weeeeest, em Pet Shop Boys. Apesar do espectáculo, disseram, ser em versão casino, aquele chorrilho de hits montado numa inatacável competência visual, até na sensualidade fake das bailarinas, foi andar de carrossel na montanha russa a rir às gargalhadas. Mas sem cinismo. Always on my mind em mirabolante viagem ao passado. Lindo! Tudo aos gritos, à moda antiga, como no tempo em que não havia vergonha nem aparências: You were always on my miiiiind... teeeeeell me, tell me that your sweet love hasn't died, giiiiiiiiive me, give one more chance to keep you satisfied... Satisfied. A vida até parece fácil! Foi a melhor segunda parte da primeira parte melhor, Cut Copy. Beijos frescos em corpos quentes, jackpot. A Austrália em grande forma no Meco. À falta de New Order, foi solstício de Verão. Dia grande, cheio, perfeito.
Segundo dia. Terreno submerso em pó, o dobro dos acólitos, temperatura a descer. Filas. E um intervalo, para quem gosta deles, o dia mais fraco, espaço para colocar a cabeça fora da janela do sonho. Ou quase. Patrick Watson de muito boa memória no Sá da Bandeira no final do ano passado, voltou a acenar-nos com o bilhete para o paraíso. Como já dissemos, há naquele rapaz canadense qualquer coisa de conto de fados, qualquer coisa de corvo branco, de baile de praça francesa, de Amelie Poulain, qualquer coisa de manto celestial, de ironia aguda, de pimenta negra, de cabatet, de experimentalidade, definitivamente. Nunca um piano de cauda coube tão bem num festival daqueles. De Vampire Weekend, nada contra, tudo a favor, desistimos, há coisas assim, que não são para explicar.
Terceiro, último e inesquecível dia. Noite. Prince a recordar que nothing compares to you, Prince em Purple Rain, Prince absoluto rei da sala a céu aberto a apontar para Deus uma e outra e outra vez, Prince, alguém imagina?, a ofuscar-se para fazer brilhar Ana Moura; Wild Beasts, até aqui segredo bem guardado, Two dancers, das melhores canções de sempre, ah, eu sinto que estive onde tu estiveste...; e, mil cerejas, National. Ah, se fosse possível ver um concerto de joelhos!...High Violet é uma promessa de felicidade, mesmo se tudo nele é tão negro. Contraditório como só a vida pode ser. E Matt Berninger, se fosse escritor, seria Henry James. Haveria tanto, mas tanto para dizer sobre esta noite...
Segundo dia. Terreno submerso em pó, o dobro dos acólitos, temperatura a descer. Filas. E um intervalo, para quem gosta deles, o dia mais fraco, espaço para colocar a cabeça fora da janela do sonho. Ou quase. Patrick Watson de muito boa memória no Sá da Bandeira no final do ano passado, voltou a acenar-nos com o bilhete para o paraíso. Como já dissemos, há naquele rapaz canadense qualquer coisa de conto de fados, qualquer coisa de corvo branco, de baile de praça francesa, de Amelie Poulain, qualquer coisa de manto celestial, de ironia aguda, de pimenta negra, de cabatet, de experimentalidade, definitivamente. Nunca um piano de cauda coube tão bem num festival daqueles. De Vampire Weekend, nada contra, tudo a favor, desistimos, há coisas assim, que não são para explicar.
Terceiro, último e inesquecível dia. Noite. Prince a recordar que nothing compares to you, Prince em Purple Rain, Prince absoluto rei da sala a céu aberto a apontar para Deus uma e outra e outra vez, Prince, alguém imagina?, a ofuscar-se para fazer brilhar Ana Moura; Wild Beasts, até aqui segredo bem guardado, Two dancers, das melhores canções de sempre, ah, eu sinto que estive onde tu estiveste...; e, mil cerejas, National. Ah, se fosse possível ver um concerto de joelhos!...High Violet é uma promessa de felicidade, mesmo se tudo nele é tão negro. Contraditório como só a vida pode ser. E Matt Berninger, se fosse escritor, seria Henry James. Haveria tanto, mas tanto para dizer sobre esta noite...
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After eight,
Can you live twice?,
National
Prince
It's been seven hours and fifteen days since you took your love away. I go out every night and sleep all day since you took your love away. Since you've been gone i can do whatever i want, i can see whomever i choose, i can eat my dinner in a fancy restaurant. But nothing, i said nothing can take away these blues. Cause nothing compares to you
It's been so lonely without you here, like a bird without a song. Nothing can stop these lonely tears from falling. Tell me, baby, where did I go wrong? I could put my arms around every boy i see, but they'd only remind me of you. I went to the doctor and guess what he told me? He said: girl, you better try to have fun, no matter what you do. But he's a fool, cause nothing compares to you.
All the flowers that you planted in the backyard, all died when you went away. I know that living with you was sometimes hard, but I'm willing to give it another try. Nothing compares to you.
quinta-feira, julho 22, 2010
quarta-feira, julho 21, 2010
Best of Rock Festival 2010. Parte I
Porque um palco pode ser um altar. Porque percorrer festivais de Norte a Sul pode ser uma peregrinação de fé. Porque há concertos que são milagres. Porque Deus pode ser plural - e profano. Porque há promessas que se cumprem com os ouvidos. Porque às vezes não é preciso mais nada para chegarmos ao céu. Sãos, salvos e felizes. Porque no ano em que decidimos pendurar as botas de festivaleiros, assistimos numa só semana à maior concentração de música com capacidade para nos ressuscitar e fazer acordar com o pé direito noutra rota. Banda sonora para "dar de beber à dor" e mudar de vida. O enorme, gigante abrigo dos XX, que à terceira foi de vez. "Talvez eu tenha dito alguma coisa errada, mas eu sou capaz de fazer melhor com a luz acesa". Três britânicos no Alive e uma multidão compacta a cantar as canções todas de cor durante aqueles 40 minutos que pareceram 40 segundos. "Isto nunca me aconteceu", exclamou, incrédulo, Romy Madley Croft. A nós também não. Um doce regresso ao passado com Manic Street Preachers, revisitada adolescência a trautear Motorcycle Emptiness com a fúria de quem ainda acredita que no fim os maus são eliminados e ganham os bons. "Tudo o que nós queremos de vocês são os pontapés que vocês nos deram. A vida é um suicídio lento...". A brutal apoteose com Pearl Jam, milhares de braços no ar, vozes afinadas a cantar Betterman, a espinha a arrepiar-se de comoção. "Ela mente e diz que o ama, que não pode encontrar homem melhor, ela sonha em cores, sonha em vermelho, não pode encontrar homem melhor." Eddie Vedder avisou logo no início: "Aproveitem bem esta noite, não sabemos quem estará cá amanhã." Saiu com o país ajoelhado aos pés e a bandeira de Portugal às costas. É coisa para nunca mais se esquecer. E ainda houve lugar para uma deliciosa surpresa, Florence & The Machine. A britânica Welch diz que é tímida, mas ali, ela e o seu longo vestido branco foram oração solene. "Às vezes, ergo as minhas mãos no ar, eu sei que posso contar contigo. Às vezes, apetece-me dizer: «Senhor, eu não me importo.» Mas eu sei que tu tens o amor de que eu preciso para me conhecer. Às vezes, parece que é tudo tão duro e que tudo corre mal, faça eu o que fizer. Agora e depois, parece que a vida não é suficiente, mas eu sei que tu tens o amor de que eu preciso para me conhecer."
terça-feira, julho 20, 2010
I understand that every life must end...
Despediram-se como Eddie Vedder, não para sempre, mas por muito tempo. Se pudessem escolher, teria sido em Just Breathe. Foi. Havia demasiado pó. E uma estrela de olhos verdes que nunca o ganhará. We've got tonight, have fun! We don´t know who lives tomorrow! Vedder dixit. Nunca é como nos filmes. E o concerto continuou. Inesquecível.
segunda-feira, julho 19, 2010
Gilles Lipovetsky: A cultura-Mundo. Resposta a uma sociedade desorientada
"A destabilização que a sociedade de hiperconsumo provoca [...] afecta a própria identidade das pessoas excluídas do paraíso mercantil. Num mundo invadido pelo mercado, a pobreza ganha um novo rosto, até por terem desaparecido as antigas culturas da pobreza. A maioria actual foi educada num universo de bem-estar e todos aspiram a fruir o consumo, os lazeres e as marcas. Cada indivíduo, pelo menos em espírito, é um hiperconsumidor. Os que foram educados num cosmos consumista e não podem beneficiar dele vivem a sua condição com um sentimento de frustração, de desvalorização de si e de fracasso pessoal. Numa época de consumo excrescente, o subconsumo é portador de exclusão, de vergonha de si, de auto-estigmatização: pedir ajuda social, poupar no essencial, estar atento a todas as despesas, privar-se de tudo, não poder limitar as despesas ao rendimento anual. Nos nossos países, embora o capitalismo de hiperconsumo tenha feito desaparecer a miséria absoluta, faz agora aumentar a miséria interior e o ressentimento dos que não podem ter acesso à felicidade consumista prometida a todos, por viverem uma "subexistência".
domingo, julho 18, 2010
Sudden light
I have been here before,
But when or how I cannot tell:
I know the grass beyond the door,
The sweet keen smell,
The sighing sound, the lights around the shore.
You have been mine before,
How long ago I may not know:
But just when at that swallow's soar
Your neck turned so,
Some veil did fall,—I knew it all of yore.
Has this been thus before?
And shall not thus time's eddying flight
Still with our lives our love restore
In death's despite,
And day and night yield one delight once more?
Dante Gabriel Rossetti (1828-1882)
sexta-feira, julho 16, 2010
segunda-feira, julho 12, 2010
domingo, julho 11, 2010
Words
Be careful of words,
even the miraculous ones.
For the miraculous we do our best,
sometimes they swarm like insects
and leave not a sting but a kiss.
They can be as good as fingers.
They can be as trusty as the rock
you stick your bottom on.
But they can be both daisies and bruises.
Yet I am in love with words.
They are doves falling out of the ceiling.
They are six holy oranges sitting in my lap.
They are the trees, the legs of summer,
and the sun, its passionate face.
Yet often they fail me.
I have so much I want to say,
so many stories, images, proverbs, etc.
But the words aren't good enough,
the wrong ones kiss me.
Sometimes I fly like an eagle
but with the wings of a wren.
But I try to take care
and be gentle to them.
Words and eggs must be handled with care.
Once broken they are impossible
things to repair.
Anne Sexton (1928 - 1974)
sábado, julho 10, 2010
Rodrigo Guedes de Carvalho: Canário
"Acontece também. Dói tanto sermos prescindíveis, não sermos únicos, sermos trocados, agora prefiro esta e não a ti, que uma defesa plausível é recusarmos acreditar nesse absoluto gelo do outro. Para não enfrentarmos que o seu amor por nós simplesmente secou, e tudo seca, não nos enganemos, torna-se mais fácil culparmo-nos. Fica a ideia de que teria havido uma hipótese. Fui eu, foi por minha causa, afastei-o. Acabei por me deitar na cama que fui fazendo. Essa estranha forma de desculparmos ainda quem nos rebenta. Essa forma absurda, tão naturalmente absurda, de amar ainda. Haverá por aí, alguém conhece, coisa menos inteligente do que o amor?"
sexta-feira, julho 09, 2010
Aldina Duarte por Olga Roriz
Em Maio de 2009, Olga Roriz escrevia: “Que escrever sobre o que ainda nada se sabe, sobre o que a tão longa distância apenas parece uma estranheza, um louco desafio, uma impossibilidade?” Era então que o projecto começava a tomar forma, um projecto sui generis. Para Aldina Duarte, “a alma está directamente associada ao fado. Mas o corpo é tão importante como a alma.” E é este o pressuposto de um concerto dirigido por Olga Roriz, que quebrará as barreiras do fado e que levará as duas mulheres, as duas criadoras, à mútua descoberta.
São 12 fados e alguns instrumentos supostamente distantes do imaginário do fado - a harpa, o piano, a percussão - que vão permitir a descoberta de novas sonoridades.
[Hoje e amanhã, 16 e 17 de Julho, às 21h, no Teatro S. Luiz, em Lisboa]
quinta-feira, julho 08, 2010
quarta-feira, julho 07, 2010
Um dia dancei SÓ dancei um dia
"Partir do amor – tema sobre o qual todos temos inúmeras referências – para escrever cartas. Ler cartas. Rever cartas. Descobrir cartas. As actrizes em cena são o ponto de convergência da pesquisa desenvolvida ao longo do processo, de onde resultará um vídeo documental, onde diversas mulheres lêem cartas de amor. As suas cartas. A falta que sentimos das pessoas, dos lugares, de nós próprios. E o amor, como forma de expressão do “eu” e como elemento preenchedor de um lugar que pertence simplesmente ao vazio, à falta. Ao escrever uma carta de amor, cada um revela a sua individualidade. O que se escreve, tal como aquilo que se ama, é sempre um lugar que se espera ver ocupado por nós próprios. Será o olhar – como as palavras - das mulheres filmadas, que dará mote à criação do espectáculo. Partir da realidade, trazê-la para cena e confrontá-la com o teatro e os seus artifícios. Partir da universalidade do amor para a singularidade da experiência individual, com as suas especificidades, o seu “grão”, o risco inerente à sua imponderabilidade. Trazê-la para o teatro."
Criação / direcção artística: Daniel Gorjão
Interpretação / co-criação: Katrin Kaasa e Teresa Tavares
Apoio à dramaturgia: João Duarte Costa
Co-produção TNDM II e Rosa74 Teatro, em co-apresentação com Festival de Almada
7 a 9 Julho 19H 10 Julho 16H 11 Julho 15H 14 a 18 Julho 21H30
Interpretação / co-criação: Katrin Kaasa e Teresa Tavares
Apoio à dramaturgia: João Duarte Costa
Co-produção TNDM II e Rosa74 Teatro, em co-apresentação com Festival de Almada
7 a 9 Julho 19H 10 Julho 16H 11 Julho 15H 14 a 18 Julho 21H30
terça-feira, julho 06, 2010
Oscar Wilde: A alma do homem sob o socialismo
"O mundo moderno tem esquemas. Propõe-se destruir a pobreza e o sofrimento. Deseja livrar-se da dor e do sofrimento que a dor provoca. Confia no socialismo e na ciência como métodos ideias para isso. O que pretende é um individualismo que se exprima através da alegria. Esse individualismo será maior, mais completo, mais encantador do que o individualismo alguma vez foi. A dor não é a forma última da perfeição. É meramente temporária e é um protesto. Tem referências com o erro, a falta de saúde, as circunstâncias injustas. Quando o erro, a doença e a injustiça são removidas, já não terá mais lugar. Foi um grande trabalho, mas está quase tudo acabado. A sua esfera de acção diminui todos os dias. O homem não esquecerá isso. Porque o que o homem procura não é, na verdade, nem a dor nem o prazer mas simplesmente a Vida. O homem procura viver intensamente, completa e perfeitamente. Quando ele o puder fazer sem exercer repressão sobre os outros, sem nunca sofrer, e quando as suas actividades forem todas de grande prazer para ele, será mais são de espírito, mais saudável, mais civilizado, mais ele próprio. O prazer é o teste da Natureza, o seu sinal de aprovação. Quando o homem é feliz, ele está em harmonia consigo mesmo e com o que o rodeia. O novo individualismo, para cujo serviço o socialismo, quer ele queira ou não, está a trabalhar, será uma harmonia perfeita. Será o que os Gregos procuraram, mas não puderam, excepto em pensamento, realizar completamente porque tinham escravos e os alimentavam. Será o que o Renascimento procurou mas não pôde realizar completamente, excepto na Arte, porque havia escravos e morriam à fome. Será completo e, através dele, cada homem atingirá a sua perfeição. O novo individualismo é o novo helenismo."
segunda-feira, julho 05, 2010
Diálogos Pueris XXXI
Ele: A tua maior qualidade é o maior defeito da maioria!
Ela: Isso não soa nada bem! É o quê?
Ele: O teu radicalismo.
Ela: O meu quê?!
Ele: Ouviste bem, o teu radicalismo. És muito radical. És sempre radical. E isso é insuportável!
Ela: Porra! Ainda bem que é uma qualidade! Quem diria?!
Ele: Em ti é.
Ela: Porquê?
Ele: Porque quando dizes não é não; quando dizes nunca é nunca, quando dizes acabou, acabou mesmo. E isso faz parecer que nunca perdoas nada a ninguém.
Ela: Não é verdade que não perdoe, como tu muito bem sabes...
Ele: Pois não. Porque não, nunca e acabou são coisas que quase nunca dizes. Mas quando dizes, não voltas atrás.
Ela: Pois não. E nunca me arrependi. Só não percebo a parte da qualidade...
Ele: Tens legitimidade para ser assim. Porque o que esperas dos outros é aquilo que tu fazes. Mas depois queres que toda a gente seja como tu!
Ela: Não quero nada que toda a gente seja como eu! Só não gosto é de pessoas que dizem uma coisa e fazem outra!
Ele: Por isso é que é uma qualidade e ao mesmo tempo é insuportável. Porque nos sentimos seguros contigo. Mas depois estamos sempre com medo de falhar contigo.
Ela: Tu falhaste e eu estou aqui.
Ele: Pois, mas por isso é que te disse que nesse dia acabou a única parte pura da minha vida.
Ela: Que exagero!
Ele: A sério! Eras a única pessoa a quem nunca tinha feito mal.
Ela: Já passou. Estás a ver como não sou radical?!
Ele: Não passou, não. Mas pronto. E o teu maior defeito, queres saber?
Ela: Medo! Quero!
Ele: Com toda a crueldade que isto possa ter, é a tua tristeza.
Ela: A minha tristeza?! Qual tristeza?
Ele: A tristeza que tu escolhes. Tudo o que tu escolhes é triste.
Ela: Não é verdade!!!
Ele: É verdade, é. Tudo o que tu gostas, livros, filmes, músicas, é tudo triste.
Ela: Ui, passaste-te! Não é verdade!
Ele: É verdade verdadinha. Por isso é que escolhes quase sempre estar sozinha. Nunca tens paciência para a maioria das pessoas, para as conversas delas se não forem sobre aquilo que tu gostas. Se não as conheceres então é para esquecer. Não dás oportunidade a ninguém, é preciso andar sempre atrás de ti...
Ela: Ensandeceste!
Ele: Apostava o meu pescoço em como não tens um único amigo ou amiga que tenhas sido tu a escolher. São as pessoas que te escolhem a ti e depois tu decides se as queres ou não.
Ela: Não é verdade. Mas achas que foi isso que eu fiz contigo?
Ele: Não brinques comigo! Não acho, tenho a certeza.
Ela: Isso soa a queixa...
Ele: Mas não é. Eu só gostava de te ver rir mais vezes, rir sem motivo, dizer asneiras, palermices, qualquer coisa!
Ela: Mas eu rio-me. E rio-me muitas vezes contigo!
Ele: Porque somos amigos. Tu só ris quando tens as costas quentes!
Ela: E depois?!
Ele: E depois nada. Só que às vezes parece que só és feliz contigo. Ou melhor, que és mais feliz contigo, sozinha, metida nas tuas merdas, do que connosco!
Ela: Sim, há muitas coisas que eu gosto de fazer sozinha. Mas isso não exclui ninguém. Já estás bêbedo, não já?
Ele: Já. Há muito tempo. Mas isto não é conversa de bêbedo!
Ela: Eu sei. Vamos embora? Ou há mais alguma coisa de que me queiras acusar?
Ele: Mais uma...
Ela: Então?
Ele: Acusar-te de me teres transformado num maricas lamechas!...
Ela: Risos
Ele: ... um maricas lamechas que gosta muito de ti.
Ela: Também eu gosto muito de ti.
Ele: E vais continuar a gostar depois de hoje?
Ela: Sempre!
Ele: Pois é, tu dizes mais vezes sempre do que nunca...
Ela: Com o mesmo radicalismo?
Ele: Com o mesmo.
Ela: Isso não soa nada bem! É o quê?
Ele: O teu radicalismo.
Ela: O meu quê?!
Ele: Ouviste bem, o teu radicalismo. És muito radical. És sempre radical. E isso é insuportável!
Ela: Porra! Ainda bem que é uma qualidade! Quem diria?!
Ele: Em ti é.
Ela: Porquê?
Ele: Porque quando dizes não é não; quando dizes nunca é nunca, quando dizes acabou, acabou mesmo. E isso faz parecer que nunca perdoas nada a ninguém.
Ela: Não é verdade que não perdoe, como tu muito bem sabes...
Ele: Pois não. Porque não, nunca e acabou são coisas que quase nunca dizes. Mas quando dizes, não voltas atrás.
Ela: Pois não. E nunca me arrependi. Só não percebo a parte da qualidade...
Ele: Tens legitimidade para ser assim. Porque o que esperas dos outros é aquilo que tu fazes. Mas depois queres que toda a gente seja como tu!
Ela: Não quero nada que toda a gente seja como eu! Só não gosto é de pessoas que dizem uma coisa e fazem outra!
Ele: Por isso é que é uma qualidade e ao mesmo tempo é insuportável. Porque nos sentimos seguros contigo. Mas depois estamos sempre com medo de falhar contigo.
Ela: Tu falhaste e eu estou aqui.
Ele: Pois, mas por isso é que te disse que nesse dia acabou a única parte pura da minha vida.
Ela: Que exagero!
Ele: A sério! Eras a única pessoa a quem nunca tinha feito mal.
Ela: Já passou. Estás a ver como não sou radical?!
Ele: Não passou, não. Mas pronto. E o teu maior defeito, queres saber?
Ela: Medo! Quero!
Ele: Com toda a crueldade que isto possa ter, é a tua tristeza.
Ela: A minha tristeza?! Qual tristeza?
Ele: A tristeza que tu escolhes. Tudo o que tu escolhes é triste.
Ela: Não é verdade!!!
Ele: É verdade, é. Tudo o que tu gostas, livros, filmes, músicas, é tudo triste.
Ela: Ui, passaste-te! Não é verdade!
Ele: É verdade verdadinha. Por isso é que escolhes quase sempre estar sozinha. Nunca tens paciência para a maioria das pessoas, para as conversas delas se não forem sobre aquilo que tu gostas. Se não as conheceres então é para esquecer. Não dás oportunidade a ninguém, é preciso andar sempre atrás de ti...
Ela: Ensandeceste!
Ele: Apostava o meu pescoço em como não tens um único amigo ou amiga que tenhas sido tu a escolher. São as pessoas que te escolhem a ti e depois tu decides se as queres ou não.
Ela: Não é verdade. Mas achas que foi isso que eu fiz contigo?
Ele: Não brinques comigo! Não acho, tenho a certeza.
Ela: Isso soa a queixa...
Ele: Mas não é. Eu só gostava de te ver rir mais vezes, rir sem motivo, dizer asneiras, palermices, qualquer coisa!
Ela: Mas eu rio-me. E rio-me muitas vezes contigo!
Ele: Porque somos amigos. Tu só ris quando tens as costas quentes!
Ela: E depois?!
Ele: E depois nada. Só que às vezes parece que só és feliz contigo. Ou melhor, que és mais feliz contigo, sozinha, metida nas tuas merdas, do que connosco!
Ela: Sim, há muitas coisas que eu gosto de fazer sozinha. Mas isso não exclui ninguém. Já estás bêbedo, não já?
Ele: Já. Há muito tempo. Mas isto não é conversa de bêbedo!
Ela: Eu sei. Vamos embora? Ou há mais alguma coisa de que me queiras acusar?
Ele: Mais uma...
Ela: Então?
Ele: Acusar-te de me teres transformado num maricas lamechas!...
Ela: Risos
Ele: ... um maricas lamechas que gosta muito de ti.
Ela: Também eu gosto muito de ti.
Ele: E vais continuar a gostar depois de hoje?
Ela: Sempre!
Ele: Pois é, tu dizes mais vezes sempre do que nunca...
Ela: Com o mesmo radicalismo?
Ele: Com o mesmo.
Philip Roth: O complexo de Portnoy
O essencial da obra de Philip Roth dividia-se em duas metades: a primeira, antes de 2000, sobre a América - Pastoral Americana, Casei com um comunista e A Mancha Humana -; e a segunda, depois de 2000, sobre a velhice - Animal moribundo, Fantasma sai de cena e Indignação. O resto (com uma excepção) não conta, porque é menor. Uma nova edição da D. Quixote de O complexo de Portnoy, exposta nas livrarias como novidade, mostra que nos escapara um livro que não fazíamos a mais pequena ideia que existia, embora exista desde 1969. Sendo impossível integrá-lo em qualquer uma das duas metades anteriores, remete, no entanto, para O Teatro de Sabbath (1995), criando uma terceira parte para a literatura Rothiana: o sexo (ainda que o sexo esteja nos outros também, mas nestes está mais - e mais explicitamente). A voz de Mickey parece a de Alexander e vice-versa. A diferença é que Alexander, advogado, mais novo que Mickey - um tem 33 e o outro 64 anos -, é muito mais hilariante, tanto que nos leva para uma viagem muito anterior. Leva-nos até Adrian Mole e os seus diários secretos escritos por Sue Townsend. E só quem leu aquilo em plena adolescência pode entender a desilusão que é descobrir que Adrian Mole é uma criação de 82 e Alexandre Portnoy de 69. Porque fica sempre a dúvida da, vá lá, fonte de inspiração. Adiante.
Portnoy, tal como Sabbath, é mais do que sexo. Em ambos os casos, está um indivíduo a braços com uma crise existencial a questionar as normas e as convenções da sociedade, da família (judaica, no caso), da religião. Neste caso, sentado no divã do psiquiatra, num longo, às vezes comovente e cómico monólogo. Mas sempre cheio de links para uma verdade maior: a da hipocrisia e das vidas falsamente felizes, desenhadas a régua e esquadro para caberem na forma onde é suposto todas caberem. Não é uma proposta de libertação, é antes uma digressão de reconhecimento pelas amarras impostas desde a infância. E de como elas se perpetuam. E travam tudo. E sendo irónico, ácido, quase cruel, é uma reflexão espantosamente actual.
"Por amor? Que amor? É por acaso o amor que une todos esses casais que nós conhecemos - os que ainda se dão ao trabalho de estar unidos? Não será algo mais parecido com a fraqueza? Não será antes o comodismo, a apatia e o sentimento de culpa? Não serão antes o medo, a exaustão e a inércia, a pura e simples falta de coragem, mais, muito mais do que esse «amor» com que eternamente sonham os conselheiros matrimoniais, os cançonetistas e os psicoterapeutas? Por favor, deixemo-nos de tretas, não vale a pena andarmos a iludir-nos sobre o amor e a sua duração. E por isso eu pergunto: como é que eu posso casar com alguém que «amo», sabendo perfeitamente que dentro de cinco, seis, sete anos vou andar por aí pelas ruas à caça de carne nova - enquanto a minha esposa dedicada, que construiu para mim um lar tão acolhedor, et cetera, resiste estoicamente à solidão e ao abandono? Como é que eu poderia enfrentar as suas lágrimas terríveis? Não poderia. Como poderia enfrentar os meus filhinhos adorados? E depois o divórcio, não é? O sustento dos filhos. A pensão de alimentos. Os direitos de visita. Belas perspectivas, belíssimas."
E os finais. Sempre os finais terríveis de Roth!
Portnoy, tal como Sabbath, é mais do que sexo. Em ambos os casos, está um indivíduo a braços com uma crise existencial a questionar as normas e as convenções da sociedade, da família (judaica, no caso), da religião. Neste caso, sentado no divã do psiquiatra, num longo, às vezes comovente e cómico monólogo. Mas sempre cheio de links para uma verdade maior: a da hipocrisia e das vidas falsamente felizes, desenhadas a régua e esquadro para caberem na forma onde é suposto todas caberem. Não é uma proposta de libertação, é antes uma digressão de reconhecimento pelas amarras impostas desde a infância. E de como elas se perpetuam. E travam tudo. E sendo irónico, ácido, quase cruel, é uma reflexão espantosamente actual.
"Por amor? Que amor? É por acaso o amor que une todos esses casais que nós conhecemos - os que ainda se dão ao trabalho de estar unidos? Não será algo mais parecido com a fraqueza? Não será antes o comodismo, a apatia e o sentimento de culpa? Não serão antes o medo, a exaustão e a inércia, a pura e simples falta de coragem, mais, muito mais do que esse «amor» com que eternamente sonham os conselheiros matrimoniais, os cançonetistas e os psicoterapeutas? Por favor, deixemo-nos de tretas, não vale a pena andarmos a iludir-nos sobre o amor e a sua duração. E por isso eu pergunto: como é que eu posso casar com alguém que «amo», sabendo perfeitamente que dentro de cinco, seis, sete anos vou andar por aí pelas ruas à caça de carne nova - enquanto a minha esposa dedicada, que construiu para mim um lar tão acolhedor, et cetera, resiste estoicamente à solidão e ao abandono? Como é que eu poderia enfrentar as suas lágrimas terríveis? Não poderia. Como poderia enfrentar os meus filhinhos adorados? E depois o divórcio, não é? O sustento dos filhos. A pensão de alimentos. Os direitos de visita. Belas perspectivas, belíssimas."
E os finais. Sempre os finais terríveis de Roth!
domingo, julho 04, 2010
Ma Mère by Christophe Honoré
Um Louis Garrel, sempre maravilhoso, a fazer, como sempre, de Louis Garrel, mas aqui em nu integral, o que é obviamente um plus. A fazer dele próprio e a fazer de conta que tem 17 anos. Uma também sempre superlativa Isabelle Huppert no papel de mãe - e de puta. Ou pelo menos de ninfomaníaca. E um Nuno Lopes a fazer uma perninha como espanhol (e é impossível não gostar de Nuno Lopes, faça lá ele o que fizer). "Ma Mère" é um Christophe Honoré infalível, magnético, deliciosamente perverso e dramaticamente fundo. O filme é uma adaptação do romance homónimo (1955) do não menos controverso Georges Bataille. Em 2004, quando estreou, foi arrasado, metido na prateleira da pornografia. À segunda obra, o realizador francês era assassinado pela crítica sem dó nem piedade. Vemos o filme seis anos depois desse momento. É uma história de encesto, mãe e filho, presos num Verão nas Canárias, amam-se e desejam-se. É o conflito entre o sagrado e o profano, entre a vida vivida e vida existida. Entre as fronteiras da liberdade e do erotismo. É de uma poesia esmagadora. E é absurdamente bonito. Raios partam os críticos!
sexta-feira, julho 02, 2010
Paulo Nozolino devolve prémio AICA/MC
[Foto: João Paulo Coutinho]
"Recuso na sua totalidade o Prémio AICA/MC 2009 em repúdio pelo comportamento obsceno e de má fé que caracteriza a actuação do Estado português na efectiva atribuição do valor monetário do mesmo. O Estado, representado na figura do Ministério da Cultura (DGARTES), em vez de premiar um artista reconhecido por um júri idóneo, pune-o! Ao abrigo de “um parecer” obscuro do Ministério das Finanças, todos os prémios de teor literário, artístico e científico não sujeitos a concurso são taxados em 10% em sede de IRS, ao contrário do que acontece com todos os prémios do mesmo cariz abertos a candidaturas.
A saber: Quem concorre para ganhar um prémio está isento de impostos pelo Código de IRS. Quem, sem pedir, é premiado tem que dividir o seu valor com o Estado!
Na cerimónia de atribuição do Prémio foi-me entregue um envelope não com o esperado cheque de dez mil euros, como anunciado publicamente, mas sim com uma promessa de transferência bancária dessa mesma soma, assinada por Jorge Barreto Xavier, Director Geral das Artes. No dia seguinte, depois do espectáculo, das luzes e do social, recebo um e-mail exigindo-me que fornecesse, para que essa transferência fosse efectuada, certidões actualizadas da minha situação contributiva e tributária, bem como o preenchimento de uma nota de honorários, onde me aplicam a mencionada taxa de 10%, cuja existência é justificada pelo Director Geral das Artes como decorrendo de um pedido efectuado por aquela entidade à Direcção-Geral dos Impostos para emitir “um parecer no sentido de que, regra geral, o valor destes prémios fosse sujeito a IRS”.
Tomo o pedido de apresentação das certidões como uma acusação da parte do Estado de que não tenho a minha situação fiscal em dia e considero esse pedido uma atitude de má fé. A nota de honorários implica que prestei serviços à DGARTES. Não é verdade. Nunca poderia assinar tal documento. Se tivesse sido informado do presente envenenado em que tudo isto consiste não teria aceite passar por esta charada.
Nunca, em todos os prémios que recebi, privados ou públicos, no país ou no estrangeiro, senti esta desconfiança e mesquinhez. É a primeira vez que sinto a burocracia e a avidez da parte de quem pretende premiar Arte. Não vou permitir ser aproveitado por um Ministério da Cultura ao qual nunca pedi nada. Recuso a penhora do meu nome e obra com estas perversas condições. Devolvo o diploma à AICA, rejeito o dinheiro do Estado e exijo não constar do historial deste prémio."
Paulo Nozolino
1 de Julho de 2010
quinta-feira, julho 01, 2010
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