quarta-feira, julho 28, 2010

O que realmente comove...


Começou de rompante ao início da tarde de anteontem, ceifando a freguesia de Ermidão, derrubando árvores, ameaçando casas, espalhando o pânico. Incêndio em Sever do Vouga, no distrito de Aveiro, a acender e a apagar. Apagou uma casa, quase apagou a segunda. A casa de Alice e Celestino, casal de meia idade, eles ali cercados no meio de três fogos e ninguém para os ajudar, eles sozinhos com o medo de perderem tudo o que terão levado uma vida inteira de trabalho a construir. O povo foge, grita. Dona Alice, já na antecâmara dos 70, enche-se de coragem, começa a correr em sentido contrário, de frente para as chamas, é tão fácil imaginar-lhe, o rosto, o suor, "não queria por nada desta vida perder a casa", corre mais, deixa o calçado para trás, trepa ao telhado como gato. E fica lá em cima a atirar baldes, uns atrás dos outros, um balde leva tão pouco, talvez muitos, muitos seguidos, a ajudem, a salvem. Fica lá em cima a dar aos braços, a tentar sossegar as chamas, a tentar respirar um bocadinho, horas seguidas e o alívio que não chega. Cá em baixo, Celestino, o marido de 66 anos, teme pela casa, teme mais ainda pela sua Alice. Sem saúde, tenta ser o copiloto perfeito. Corre, também ele, o mais que pode, para trás e para a frente, para o tanque e para a casa a encher os baldes. "Quanto mais o fogo crescia, mais acreditava que o venceria", contou depois dona Alice, mulher destemida, abençoada, à agência Lusa. E venceu. E ainda teve a destreza de ir lá baixo à pocilga, lá baixo desfiando as labaredas e contrariando o marido, que tinha medo que ela lá ficasse, libertar o porco. E o animal não morreu queimado. Só não conseguiu salvar as três ovelhas. "Mas salvei a casa". As lágrimas correm-lhe agora pela cara. Emoção, muito cansaço, tantas horas sem saber se conseguiria. Ergue os braços dona Alice, agradece a Deus a força. E a sorte. "Tivemos mais sorte que o vizinho, fechou-se dentro de casa e não queria de lá sair". O fogo continua.  

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