Ouro na pele queimada, gula no coração sedento de terapia musical, concertos como nuvens brancas. Território, para nós virgem, o Meco. Primeiro dia. Beach House na golden hour. A francesa Victoria Legrand, estacionada nos anos 80, blazer dois tamanhos acima, dobrado nas mangas, caracóis a esconderem-lhe o rosto, a voz como um íman a subir ao céu. Percebe-se rapidamente o título do último álbum, "Teen Dream". Ali somos todos adolescentes, criaturas por corromper, ainda cheias de esperança e de sonhos. Contem-nos o que quiserem, nós acreditamos. Acreditamos que a alma é de prata, que há biliões de estrelas a abrirem-nos caminho, que é possível esquecer o amor que não queríamos deixar para trás e, mesmo se falhou, recordar as noites em que tudo corria ainda bem, juntar os cacos do coração e, quem sabe, dizer amigo. Podemos só esperar pelo fim do Verão? E ficar lá dentro enquanto não acabar? Parece melancólico, não foi. Legrand podia ser a Alice e aquele palco o país das maravilhas. The Temper Trap a agitar e a render. É sempre assim: em 2009, passaram mais discretos do que seria de supor, ainda à luz do dia, por Paredes de Coura. Este ano, ali, na Herdade do Cabeço da Flauta, com o céu já a escurecer por trás, magnetizaram. E muito por mérito do vocalista, Dougy Mandagy, rapaz indonésio, emocional, contagiante, absolutamente arrasador, em qualquer sentido que se lhe queira dar. Love lost era a senha para entrar. Grizzly Bear ainda não tinham arrefecido as cadeiras dos coliseus do Porto e Lisboa, onde estiveram em Maio - em exercício de estreia e de aquecimento. Os norte-americanos entraram ali para um dos grandes concertos da noite. Ninguém não sabia cantar Would you always, maybe sometimes, make it easy? Take your time, refrão de Two weeks. Ninguém deixou de dançar. E ninguém conseguiu não se deixar levar por eles, tantos num abraço, até ao céu, lugar para onde tudo, mesmo tudo pareceu apontar naquela noite. Espécie de lavagem cerebral da realidade. E foi já despidos da vida real que entrámos, tudo a marchar, Go Weeeeest, em Pet Shop Boys. Apesar do espectáculo, disseram, ser em versão casino, aquele chorrilho de hits montado numa inatacável competência visual, até na sensualidade fake das bailarinas, foi andar de carrossel na montanha russa a rir às gargalhadas. Mas sem cinismo. Always on my mind em mirabolante viagem ao passado. Lindo! Tudo aos gritos, à moda antiga, como no tempo em que não havia vergonha nem aparências: You were always on my miiiiind... teeeeeell me, tell me that your sweet love hasn't died, giiiiiiiiive me, give one more chance to keep you satisfied... Satisfied. A vida até parece fácil! Foi a melhor segunda parte da primeira parte melhor, Cut Copy. Beijos frescos em corpos quentes, jackpot. A Austrália em grande forma no Meco. À falta de New Order, foi solstício de Verão. Dia grande, cheio, perfeito.
Segundo dia. Terreno submerso em pó, o dobro dos acólitos, temperatura a descer. Filas. E um intervalo, para quem gosta deles, o dia mais fraco, espaço para colocar a cabeça fora da janela do sonho. Ou quase. Patrick Watson de muito boa memória no Sá da Bandeira no final do ano passado, voltou a acenar-nos com o bilhete para o paraíso. Como já dissemos, há naquele rapaz canadense qualquer coisa de conto de fados, qualquer coisa de corvo branco, de baile de praça francesa, de Amelie Poulain, qualquer coisa de manto celestial, de ironia aguda, de pimenta negra, de cabatet, de experimentalidade, definitivamente. Nunca um piano de cauda coube tão bem num festival daqueles. De Vampire Weekend, nada contra, tudo a favor, desistimos, há coisas assim, que não são para explicar.
Terceiro, último e inesquecível dia. Noite. Prince a recordar que nothing compares to you, Prince em Purple Rain, Prince absoluto rei da sala a céu aberto a apontar para Deus uma e outra e outra vez, Prince, alguém imagina?, a ofuscar-se para fazer brilhar Ana Moura; Wild Beasts, até aqui segredo bem guardado, Two dancers, das melhores canções de sempre, ah, eu sinto que estive onde tu estiveste...; e, mil cerejas, National. Ah, se fosse possível ver um concerto de joelhos!...High Violet é uma promessa de felicidade, mesmo se tudo nele é tão negro. Contraditório como só a vida pode ser. E Matt Berninger, se fosse escritor, seria Henry James. Haveria tanto, mas tanto para dizer sobre esta noite...
Segundo dia. Terreno submerso em pó, o dobro dos acólitos, temperatura a descer. Filas. E um intervalo, para quem gosta deles, o dia mais fraco, espaço para colocar a cabeça fora da janela do sonho. Ou quase. Patrick Watson de muito boa memória no Sá da Bandeira no final do ano passado, voltou a acenar-nos com o bilhete para o paraíso. Como já dissemos, há naquele rapaz canadense qualquer coisa de conto de fados, qualquer coisa de corvo branco, de baile de praça francesa, de Amelie Poulain, qualquer coisa de manto celestial, de ironia aguda, de pimenta negra, de cabatet, de experimentalidade, definitivamente. Nunca um piano de cauda coube tão bem num festival daqueles. De Vampire Weekend, nada contra, tudo a favor, desistimos, há coisas assim, que não são para explicar.
Terceiro, último e inesquecível dia. Noite. Prince a recordar que nothing compares to you, Prince em Purple Rain, Prince absoluto rei da sala a céu aberto a apontar para Deus uma e outra e outra vez, Prince, alguém imagina?, a ofuscar-se para fazer brilhar Ana Moura; Wild Beasts, até aqui segredo bem guardado, Two dancers, das melhores canções de sempre, ah, eu sinto que estive onde tu estiveste...; e, mil cerejas, National. Ah, se fosse possível ver um concerto de joelhos!...High Violet é uma promessa de felicidade, mesmo se tudo nele é tão negro. Contraditório como só a vida pode ser. E Matt Berninger, se fosse escritor, seria Henry James. Haveria tanto, mas tanto para dizer sobre esta noite...
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