Trata-a ainda por miúda, mesmo se ela está quase a beneficiar dos descontos culturais que o país atribui aos reformados. "É a minha miúda!", diz naquela voz rouca e quente que o caracteriza. "É a minha miúda desde os 14 anos", insiste, orgulhoso. "Vi-a e soube logo que nunca mais a largaria". Ela, tímida a enrolar os dedos finos das mãos, arrisca a provocação: "Bem tentei, mas nunca mais consegui fugir". Riem como meninos, sopram beijos por cima da mesa do Majestic, estendem os braços um ao outro.
Celebram no Porto, "cidade onde o coração arde", quarenta e sete anos de vida comum. "Não fui um marido fiel", confessa, os olhos a encherem-se de água. Ela abana a cabeça, condescendente. Sempre soube; sempre perdoou. "Não fui um marido fiel", repete. Pega-lhe na mão, afaga-lhe o anel de ouro impecavelmente pulido. "Sempre gostei de ti, sempre te amei. Mas queria amar tudo. Não te ter perdido é a maior benção que recebi na vida". "Eu sei, eu sei", responde ela, baixinho. "Não foi fácil, mas é muito bonito chegar aqui".
Quase 20 anos mais velho - mais crescido, como prefere dizer -, fisicamente demasiado idêntico a Fidel Castro, mas com um coração sem qualquer semelhança, ele é um homem do mundo. "Foge comigo", pediu-lhe quando a conheceu. Ela consentiu, mas só depois de terminar o sétimo ano. Ele esperou. No primeiro ano da universidade já eram marido e mulher. Desde então, ele serve-lhe, diariamente, o pequeno-almoço na cama com as notícias dos jornais internacionais já devidamente seleccionadas. Ela completa-lhe as frases dos episódios que a memória começa a apagar. Amor para sempre. Correram o mundo juntos: ele como embaixador; ela como professora. Regressaram há pouco mais de três anos de Israel, a última paragem. Vivem em Lisboa, "cidade onde nem os calos ardem".
"O coração arde quando vamos para lugares onde vivem pessoas de quem gostamos muito. Arde no Porto. Arde na Guarda. Arde nos sítios onde as pessoas têm o coração nos olhos, onde sabem receber o que temos para dar". Ardeu muito em África durante cinco anos. "Deus deu-me o dom de amar os outros; de os amar de verdade", diz ele que não se perdoa por ter vindo embora. "Todos os dias acordo com esse remorso. O remorso de os ter abandonado. Sei que a vida deles piorou". A vida de todos quantos passaram a fazer parte da sua casa. Da sua vida.
Um brinde para travar o galope das lágrimas. "À vida!", diz alguém. "À vida é muito pouco", interrompe ele. "Aos sonhos! Ao que é maior do que a vida!" Ele é.
Celebram no Porto, "cidade onde o coração arde", quarenta e sete anos de vida comum. "Não fui um marido fiel", confessa, os olhos a encherem-se de água. Ela abana a cabeça, condescendente. Sempre soube; sempre perdoou. "Não fui um marido fiel", repete. Pega-lhe na mão, afaga-lhe o anel de ouro impecavelmente pulido. "Sempre gostei de ti, sempre te amei. Mas queria amar tudo. Não te ter perdido é a maior benção que recebi na vida". "Eu sei, eu sei", responde ela, baixinho. "Não foi fácil, mas é muito bonito chegar aqui".
Quase 20 anos mais velho - mais crescido, como prefere dizer -, fisicamente demasiado idêntico a Fidel Castro, mas com um coração sem qualquer semelhança, ele é um homem do mundo. "Foge comigo", pediu-lhe quando a conheceu. Ela consentiu, mas só depois de terminar o sétimo ano. Ele esperou. No primeiro ano da universidade já eram marido e mulher. Desde então, ele serve-lhe, diariamente, o pequeno-almoço na cama com as notícias dos jornais internacionais já devidamente seleccionadas. Ela completa-lhe as frases dos episódios que a memória começa a apagar. Amor para sempre. Correram o mundo juntos: ele como embaixador; ela como professora. Regressaram há pouco mais de três anos de Israel, a última paragem. Vivem em Lisboa, "cidade onde nem os calos ardem".
"O coração arde quando vamos para lugares onde vivem pessoas de quem gostamos muito. Arde no Porto. Arde na Guarda. Arde nos sítios onde as pessoas têm o coração nos olhos, onde sabem receber o que temos para dar". Ardeu muito em África durante cinco anos. "Deus deu-me o dom de amar os outros; de os amar de verdade", diz ele que não se perdoa por ter vindo embora. "Todos os dias acordo com esse remorso. O remorso de os ter abandonado. Sei que a vida deles piorou". A vida de todos quantos passaram a fazer parte da sua casa. Da sua vida.
Um brinde para travar o galope das lágrimas. "À vida!", diz alguém. "À vida é muito pouco", interrompe ele. "Aos sonhos! Ao que é maior do que a vida!" Ele é.
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