Não será o exercício mais simples: pegar em “Hamlet”, clássico maior de Shakespeare, usar o seu significado mas não o seu texto, antecipar a história antes da história que se conhece e não exactamente transportá-la para a actualidade, mas demonstrar que a máquina do tempo avariou na Idade Média. Que a sociedade de uma Europa supostamente de vanguarda, nos seus costumes, nas suas ambições, no seu modo de socialização e individualização continua tão enfranquecida, tão próxima da ruptura como antes. E, no entanto, o resultado de “European House”, trabalho iminentemente poético do catalão Alex Rigola, que abriu anteontem o trigésimo FITEI no Teatro Nacional S. João, no Porto, não poderia ser mais conseguido.
É um teatro sem palavras, lento e silente, real retrato da doméstica condição humana que se espia pela porta da fechadura. Cúmulo do voyeurismo. Nada se ouve, mas tudo se vê naquela casa, que já não é um imponente castelo medieval, mas um apartamento moderno da alta burguesia: três andares e nove assoalhadas literalmente quebradas ao meio para que as possamos vigiar. Numa plataforma que vai acendendo e apagando vê-se o nu menos gratuito da história do teatro e percebem-se as personagens todas de Hamlet manobradas como marionetas por fios que são dúvidas, tentações, pecadilhos invisíveis.
Todas, desde o príncipe, à mãe Gertude, ao tio Claudios, ao melhor amigo Horácio, à amada Ofélia encontram no reino da Dinamarca o seu alter-ego. E têm naquela casa o seu lugar, que não dominam – cada um vive, incomunicante, dentro da sua bolha de oxigénio –, mas ao qual sabem pertencer. Apesar disso, das semelhanças e sugestões, “European House” irá muito mais ao fundo do que Hamlet. Os residentes estão todos mortos, embora respirem. Estão mortos e não sabem ressuscitar.
Este turbulento labirinto interior é construído por Rigola numa peça cheia de subtilezas, num cenário soberbo, com irrepreensível direcção de actores, que representam de forma completamente sincronizada embora não se vejam uns aos outros – também não vêem o público, porque a casa está cortada por um vidro que é espelhado por dentro. E, mesmo sem recurso às palavras, aguentaria mais tempo. No entanto, poderia ter terminado quando os Radiohead começaram a cantar a fatalidade em “No surprises”. No fim, ficamos todos sozinhos. O que haveria a acrescentar à não-felicidade?
É um teatro sem palavras, lento e silente, real retrato da doméstica condição humana que se espia pela porta da fechadura. Cúmulo do voyeurismo. Nada se ouve, mas tudo se vê naquela casa, que já não é um imponente castelo medieval, mas um apartamento moderno da alta burguesia: três andares e nove assoalhadas literalmente quebradas ao meio para que as possamos vigiar. Numa plataforma que vai acendendo e apagando vê-se o nu menos gratuito da história do teatro e percebem-se as personagens todas de Hamlet manobradas como marionetas por fios que são dúvidas, tentações, pecadilhos invisíveis.
Todas, desde o príncipe, à mãe Gertude, ao tio Claudios, ao melhor amigo Horácio, à amada Ofélia encontram no reino da Dinamarca o seu alter-ego. E têm naquela casa o seu lugar, que não dominam – cada um vive, incomunicante, dentro da sua bolha de oxigénio –, mas ao qual sabem pertencer. Apesar disso, das semelhanças e sugestões, “European House” irá muito mais ao fundo do que Hamlet. Os residentes estão todos mortos, embora respirem. Estão mortos e não sabem ressuscitar.
Este turbulento labirinto interior é construído por Rigola numa peça cheia de subtilezas, num cenário soberbo, com irrepreensível direcção de actores, que representam de forma completamente sincronizada embora não se vejam uns aos outros – também não vêem o público, porque a casa está cortada por um vidro que é espelhado por dentro. E, mesmo sem recurso às palavras, aguentaria mais tempo. No entanto, poderia ter terminado quando os Radiohead começaram a cantar a fatalidade em “No surprises”. No fim, ficamos todos sozinhos. O que haveria a acrescentar à não-felicidade?
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