sexta-feira, março 09, 2007

Eyes wide shut


Tive a infelicidade de experimentar pela primeira vez um resort - eufemismo para jardim zoológico -, há três anos, no Egipto. Uma experiência traumatizante que jurei, nem louca nem morta, repetir. Apaguei tudo da memória, com excepção do Massimo Ali, muçulmano de ambições europeias que, aos 16 anos, ganhava a vida a fazer tatuagens aos turistas. Um menino. Levou-nos a casa dele, um rés-do-chão despido numa rua sem luz, apresentou-nos aos pais e às não sei quantas irmãs. Ofereceu-nos chá. Em troca, só pediu umas sapatilhas de marca. E histórias do nosso país. Ficámos amigos. Volta e meia aparece no Messenger com um inglês aprendido de ouvido, que se presta a inúmeros equívocos quando escrito. Da última vez, contou que tem sete namoradas, mas que não gosta de nenhuma. Continua à espera da “special one”. Ainda faz tatoos, mas agora diz ter também uma loja de "roupa de marca". "Uen iu cam beck to Egypt?"

Esta semana, por obra do pior diabo, fui novamente parar a um resort, algures em CanCun, lugarejo odioso, ao nível do Algarve – outro lugarejo igualmente odioso. Uma lição a pagar pela ignorância. Aquilo, dizem-me depois, era uma selva até há 40 anos. Os empresários começaram a construir hotéis de massas e a apropriar-se das ruas e das praias. Não há praias públicas. Ou melhor, há, mas não há acessos a não ser pelos empreendimentos hoteleiros. Genial! Ao fim dos primeiros 15 minutos já não consigo respirar, sufocada, aturdida. E os minutos do relógio parecem cristalizados.

Olho em redor e tudo me parece um extraordinário mistério: as pessoas, casais em lua-de-mel, excursões de velhinhos, de adolescentes, de finalistas, do raio que os parta têm um ar embevecido, cheio de si, feliz. E bastante estúpido, também. Passeiam as insolações, tiram fotografias com os empregados escuros que usam redes sinistras no cabelo e com os animadores vestidos de índios, comem invariavelmente num dos cinco restaurantes de plástico ali plantados. Juram a pés juntos conhecer um lugar a partir de um hotel. De olhos bem fechados. Abrem-nos para qualquer uma das excursões que eventualmente compram e que há ali à venda aos pontapés. Olhar intermitente como os dos americanos reformados que nos deram boleia. "Um país define-sepelos seus museus". Ok.

Cada um lá saberá do que precisa e o que o faz feliz. Não faço juízos de valor. Tento, pelo menos. Mas eu não sei definitivamente ser feliz ali. Restam duas soluções: cortar os pulsos, o que não seria lá muito edificante, ou arquitectar planos de fuga. Cuba à distância de 45 minutos e 390 euros; Chiapas a 900 quilómetros com carros alugados a 100 euros ao dia mais seguro; Cidade do México a 26 horas de viagem dentro de um autocarro. Mérida, Tulum e todas as outras cidades antropológicas fora de questão. Tudo impossível para o próprio dia e para o dia seguinte também. A burocracia é talvez o serviço mais globalizado. Atascada em CanCun sem porta de saída. É pior do que um filme de terror. A última hipótese, que implica um encurtamento na viagem de quase uma semana, é regressar a casa. Pagar taxas escandalosas pela troca dos voos e esperar horas inteiras pelas ligações. Do mal o menor. Viagem abortada. Regresso à Cidade do México primeiro, e a casa depois. Não exactamente a casa, fisicamente. A casa é onde está o coração. E o coração está onde estão as pessoas de quem gostamos. Home, sweet home.

O ilustre senhor Poppe diz que "a viagem é o viajante". E é verdade. Mas é também o companheiro do viajante. O companheiro de todas as viagens, de todos os percalços, de todos os segredos, de todos os silêncios, de todos os cansaços. O companheiro que faz com que tudo seja bom, mesmo quando é mau.

2 comentários:

  1. Desculpe Helena,mas fiquei com uma dúvida! Se a fauna do resort era má, como é que a Helene se auto qualifica? Faz parte da fauna ou está numa de Atenborough?
    Boas estadias.
    J.

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  2. Cara Helena, li a sua entrada com muita atenção e gostaria que me esclarecesse uma dúvida: a senhora é parva ou mete os pés para dentro?
    Desculpe mas nunca vi tanta estupidez e tanto ego juntos.. olhe siga o meu conselho..deixe-se de blogs e tente ser feliz..

    Cumprimentos
    G Marques

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