Cold Cave
"Quando acabei de ver Iceage tinha o coração aos saltos. Não saberei dizer porquê. Se isto é o festival do amor, então Elias Bender Rønnenfelt, e Elias Bender Rønnenfelt tem 23 anos, chegou e cravou uma picareta no coração do festival. E depois rugiu. Foi o número mais poderoso do dia de Horrors e de errors: Simian Mobile é um erro low cost e de casting, paralítico e monolítico; Echo foi desoladamente fraco, como se Ian McCulloch fosse uma cover de si mesmo, entorpecido e fotocopiado, a assassinar ao vivo a 'Killing moon' , que só me pareceu uma versão piano-bar na bruma. É post-punk em rigor mortis, já não traz estrago ou urgência e saí sem querer pensar na desilusão.
Fiquei o resto da noite com Elias Bender Rønnenfelt na cabeça e com o coração de pedra Iceage (mesmo quando já estava nos Delorean, subitamente a saltar por haver ali instrumentos e músicos vivos no fim da noite). Iceage cerca como uma parede de som de filigrana e de cascalho, é simultaneamente rude e requintado. Punk, muito punk, noise e hardcore, canções curtas que soam como um vespeiro e um voo de pedras em fricção. Elias é o centro daquilo e caminha como se o chão desmoronasse ou como se tivesse membros de pesos diferentes, debaixo da chuva metálica do baixo, guitarra e bateria, o fio do microfone a subir-lhe pelas costas da camisa negra como uma corda e ele pendura-a à volta do pescoço quando canta e quando nos fita e vocifera. Transido, Elias, é mudo entre as canções e sai sem falar, mas olha-nos. Ruge e depois fica a olhar para nós, lívido e dinamarquês, com supremo desinteresse ou a fingir supremo ar de desinteresse por nós, a olhar-nos como se fosse uma cobra que cambaleia, a caminhar entre as colunas negras e para ele lunares, e ruge novamente durante 2, 3 minutos, o tempo das canções. Houve mosh, fez-se o anel da luta nos da frente e muitos surfaram debaixo da luz amarela negra (e mais do que os de Omaro), a voar nas mãos, as pernas despenhadas entre os braços, a nuvem de luz e o pó. Aquilo é abrasivo, parece perigoso, é perigoso. Saí de coração aos saltos."
Sem comentários:
Enviar um comentário