quarta-feira, agosto 07, 2013

Pedro Santos Guerreiro: A inconsistência problemática das pensões

[Paulo Nozolino]

[Afinal, acabou mesmo o Verão]

Pronto, acabou o Verão. Acabou a festinha do "novo Governo" e o fogo-de-artifício do fim da austeridade em que, talvez um dia saibamos porquê, Portas decidiu banhar-se. Voltámos ao ponto de onde na verdade nunca saímos sem que alguma vez tenhamos entrado de forma permanente: aos cortes na despesa do Estado. Os pensionistas do Estado vão receber até menos 10%; a idade de reforma sobe para os 66 anos.

Esta é talvez a única reforma no Estado que não é ideológica. Mas não é só matemática. Porque há decisões que aumentam ou diminuem a injustiça das medidas; porque se rasgam direitos adquiridos; porque estão em jogo transferências entre gerações.

O problema começa por ser matemático. Mas o depauperamento do Estado apenas agrava a questão de fundo, a demografia. A Segurança Social portuguesa é um sistema de distribuição, não um sistema de capitalização. Ou seja, não há uma "conta individual" e virtualmente ninguém descontou para a reforma que recebe ou receberá. Dos 34,75% sobre salários que trabalhadores e empresas descontam mensalmente de taxa social única, 13,9% financiam pensões, o resto é consignado a apoios contributivos como o subsídio de desemprego ou de doença. Grosso modo, segundo dados da OCDE, quem desconte 40 anos entregou assim ao Estado menos de seis anos das suas pensões. Isto não é em si um problema - excepto quando o número de trabalhadores que desconta cai vertiginosamente.

A necessidade de reduzir o custo do sistema de pensões é inultrapassável. A questão é como. Trabalhar mais anos parece uma forma tranquila, que primeiro o PS (opcionalmente) e agora o PSD/CDS (legalmente) impõem. Não chega. Quando se fala em cortes de 4,7 mil milhões, é preciso mais. O Governo diz agora, começando pelas pensões do Estado.

É justo que as pensões do Estado sejam mais prejudicadas? Nas pensões anteriores a 2005, é. Até então os funcionários públicos reformavam-se tendo como referência o último salário (no privado era a média dos melhores 10 anos dos últimos 15), o que levava a promoções fictícias no fim de carreira. É também por isso que, hoje, as reformas do Estado são em média o triplo das do privado.

O problema é que este corte nas pensões do Estado é retroactivo e é cego. Justo seria detectar as reformas artificialmente empoladas no fim de carreira. Injusto é dizer a alguém que recebe 700 euros que receberá doravante 630 sem mais explicações. (Na verdade os cortes não são tão simples, dependem do valor da reforma, da idade do reformado e do ano em que se reformou. Está tudo explicado nesta edição.)

A retroactvidade (ou retrospectividade, como preferem chamar-lhe os juristas) pode vir a ser uma questão constitucional, mas é antes de mais uma questão social - e individual. São centenas de milhares de pessoas (supomos, pois o Governo não esclareceu ainda) que vão perder pensão e já não estão em idade activa para compensar. Complicado é também o tema geracional: quem hoje desconta não vai receber a mesma pensão do que quem hoje a recebe.

Actualmente, um reformado recebe de pensão líquida 110% do último salário líquido, mas em quarenta anos esta percentagem vai descer para 70%. Eis a "conspiração grisalha": a geração futura vai receber menos que e por causa da geração actual.

Ou a economia desata a crescer, a criar empregos e a contratar imigrantes para esses postos de trabalho, ou o corte com as pensões e o aumento da idade de reforma é impossível de contornar. Em 2013, segundo o Governo, os sistemas públicos de pensões têm um défice de 5,6 mil milhões de euros. A questão ideológica mais difícil de responder é se esse corte deve ser apenas futuro (dividindo por menos) ou também sobre o passado (traindo o contrato com os actuais pensionistas, que já não têm como encontrar novas formas de rendimento e poupança). 

Intoleráveis são as excepções. É chocante assistir às excepções para os juízes (e diplomatas), que só acontecem porque os próprios juízes julgaram em causa própria e consideraram o corte ilegal (argumentando que as suas pensões seguem a evolução dos salários no activo). É inacreditável que quem decide justiça crie excepções para si que agravam a injustiça para todos. Será para agradar aos juízes do Constitucional?

Este corte das pensões no Estado recoloca a questão que a crise política doida de Julho ludibriou. Na tormenta da austeridade virá ainda o corte de todas as pensões (públicas e privadas) da TSU aceite "excepcionalmente" pelo "irrevogável" Portas, bem como as "inconsistências problemáticas" do cúmulo de tudo isto, dos impostos e do aumento da idade de reforma. E depois virão também os despedimentos na função pública e a harmonização das tabelas salariais, eufemismo para corte de salários. Em suma, aquilo que devia ser a reforma pensada do Estado e que é, apenas, a reforma apressada do Orçamento do Estado.

[Hoje, Jornal de Negócios]

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