http://bukowski.net
Os admiradores do escritor Charles Bukowski (1920-1994) dispõem agora de um site integralmente dedicado ao autor de Mulheres – http://bukowski.net –, que reúne poemas dactiloscritos, cartas, entrevistas, fotografias, desenhos e muitos outros documentos relacionados com o escritor, incluindo o seu processo nos arquivos do FBI.
O site apresenta ainda uma minuciosa bio-bibliografia de Bukowski, um mapa com todos os edifícios onde morou em Los Angeles, uma lista dos muitos empregos que teve, uma base de dados com todos os seus poemas (alguns nunca editados em livro) e um fórum de discussão online.
Vinte anos após a sua morte, o “dirty old man” (em tradução livre, “velho tarado”) já não é apenas um autor de culto entre apreciadores de literatura marginal, mas um escritor amplamente consagrado, objecto de sucessivas biografias e estudos críticos e traduzido nas principais línguas do mundo.
Embora tenda a ser associado aos autores seus contemporâneos da geraçãobeatnick, como Jack Kerouac, William Burroughs ou Allen Ginsberg, Charles Bukowski nunca conviveu com eles e a sua obra é difícil de enquadrar em qualquer movimento. A ser possível encontrar-lhe antecessores, Henry Miller ou, muito antes dele, o poeta romano Gaio Valério Catulo, autor de sátiras ousadamente obscenas, são dois candidatos aceitáveis. E Bukowski admirava John Fante, autor de Pergunta ao Pó, tendo sido o grande responsável por recuperar a sua obra do injusto esquecimento a que estava votada.
Obsceno, machista, anti-social, tanto na vida como na obra, Bukowski é um dos mais genuínos candidatos, entre os autores do século XX, ao equívoco estatuto de escritor maldito. Mas se uma parte da sua vida se resume, de facto, a empregos precários, bebedeiras e mulheres de ocasião, ele próprio parece ter deliberadamente contribuído para exagerar um tanto a sua aura de alcoólico, pobre, vagabundo, dissoluto.
O certo é que escreveu uma obra que se estende por meia centena de livros de poesia, muitos deles só editados postumamente, vários volumes de contos, seis romances, e outros escritos de mais difícil arrumação. Os livros de Bukowski editados em Portugal incluem o seu romance de estreia, Correios (Post Office, 1971) – o autor foi durante alguns anos funcionário dos Correios –, o livro de contos A Sul de Nenhum Norte (South of No North, 1973) e o já citadoMulheres (Women, 1978).
A obra e a vida de Bukowski também chegaram ao cinema. Em 1981, o cineasta italiano Marco Ferreri inspirou-se nas histórias breves de Erections, Ejaculations, Exhibitions and General Tales of Ordinary Madness (1972) para realizar os seus Contos da Loucura Normal, com Ben Gazzara. E em 1987, Barber Schroeder realizou Barfly, com argumento do próprio Bukowski e Mickey Rourke no papel do alter-ego do escritor, Henry Chinaski. Mais recentemente, em 2005, Bent Hammer adaptou o romance Factotum (1975) no filme homónimo, interpretado por Matt Dillon.
Dois anos antes, em 2003, John Dullaghan estreara o documentário Charles Bukowski: Born Into This, muito bem recebido pela crítica, e para o qual recolheu depoimentos da última mulher do escritor, Linda Lee, de Marina Louise Bukowsky, filha de Charles Bukowski e de uma sua episódica namorada, a poetisa Frances Dean Smith, e ainda de amigos e admiradores do biografado, como o actor Sean Penn ou o cantor Tom Waits.
Charles Bukowski nasceu em Andernach, na Alemanha, onde o seu pai foi colocado, como sargento, após a primeira guerra mundial. Henry Bukowski era já um americano de segunda geração, mas tinha origens polacas, e casou-se com uma alemã, Katharina Fett. Charles tinha três anos quando os pais se mudaram para os Estados Unidos.
O pai ficou desempregado após o crash bolsista de 1929, e, a acreditar no testemunho do escritor, era um homem violento, que espancava regularmente o filho por motivos irrisórios. Bukowski faz estudos primários e liceais, frequenta a biblioteca local a partir dos 15 anos, inicia estudos de jornalismo e literatura que nunca concluirá, e começa a escrever histórias. Tem 20 anos quando o pai, após ter lido alguns dos seus contos, atira os manuscritos e restantes pertences do filho para a rua, o que obriga Bukowski a alugar um quarto com a ajuda da mãe.
Em 1941 sai de Los Angeles e vive durante meia dúzia de anos em Nova Orleães e Filadélfia, embora mais tarde dê a entender que, nesse período, viajara e vivera por todo o país. Em 1944, é preso pelo FBI por ter recusado apresentar-se quando é chamado para cumprir o serviço militar, mas acaba por ser considerado inapto por uma junta médica, escapando à Segunda Guerra Mundial. Voltará a ser detido mais algumas vezes, mas por provocar distúrbios em estado de embriaguez e por outras acusações menores, como a de publicar textos osbcenos.
Regressa a Los Angeles em 1947 e, a partir daí, descontadas algumas viagens nos anos 70 – visita a Europa em 1978 e participa, em França, numa mítica edição do programa televisivo Apostrophes, de Bernard Pivot –, raramente deixa a cidade californiana.
A importância da sua obra só começa a ser reconhecida na segunda metade dos anos 70. Tem 59 anos quando consegue dinheiro para comprar o primeiro carro, em 1979. Em 1985, casa-se com a última das muitas mulheres da sua vida, Linda Lee. Os seus últimos anos de vida são um combate contra sucessivas doenças: cancro de pele, tuberculose e, finalmente, leucemia. Morre no dia 9 de Março de 1994.
[Hoje, no Público, Luís Miguel Queirós]
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