quarta-feira, março 06, 2013

José Eduardo Martins: Obrigado Itália?



As eleições em Itália até podem forçar uma mudança de rumo na política europeia mas foram, para já e sobretudo, o sinal mais expressivo do exaspero das pessoas com os partidos políticos tradicionais que, lá como cá, esperavam viver apenas do manso rotativismo da falta de alternativa.

Era bom perceber este aviso e fazer dele alguma coisa antes que as manifestações substituam as eleições.

Parece que a Europa e o euro vão soçobrar porque o povo italiano não "sabe" votar. Não será por termos eleito a casta competente e previdente que nos trouxe aqui. Foi porque os italianos elegeram "palhaços", na elegante expressão do SPD e da capa da Economist...

Sucede, parece-me, que ocorreu só a antecipação de algo que se repetirá bastas vezes, agora que a história não acabou e a democracia liberal ainda nos autoriza a decisão. Afinal, como dizia recentemente o Sr. Kerry, ter o direito à estupidez é melhor que o não ter.

Se a política e os partidos tradicionais não oferecem credibilidade, se cada vez mais os protagonistas nos entusiasmam cada vez menos, se cada vez mais é fácil adivinhar a vacuidade que se segue, se o jargão é cada vez mais igual e cada vez menos o nosso, então os italianos fizeram muito em responder na mesma moeda. E outros se seguirão.Tanto se fala em reformas, uma das primeiras, a essencial, quando já anda gente na rua a dizer que as eleições são "uma das formas" (sic!) de expressar a vontade popular, é da reforma da representação que precisamos antes que isto descambe e a democracia seja, afinal, tão pouco resistente como o bem-estar que nos escapa por entre os dedos.

Para que as grandes ideias não consumam ou adiem objectivos mais fáceis, duas sugestões com o mesmo objectivo: estarmos mais próximos, mais representados, mais tranquilos com os que elegemos.A primeira trata de fazer os partidos escolherem melhor o que nos apresentam, a segunda de nos fazer participar também nas escolhas dos partidos.Há uns anos, imaginámos que podíamos melhorar com um modelo popular de eleições directas de liderança partidária. O resultado está à vista: organizações mais fechadas sobre si próprias, mais desiguais na representação do todo nacional e desinteressantes para uma enorme maioria de pessoas que não se revê, nem consegue participar nesta lógica de aparelho.

O resultado é que para parecer que avaliamos melhor os líderes, deixámos de conhecer o resto, as equipas e as ideias, como se a política não fosse um exercício colectivo que devesse atrair a sociedade à participação. E os líderes ficaram, afinal, cada vez menos diferentes... Se queremos envolver outras pessoas na vida pública, precisamos de partidos permeáveis à sociedade. Que discutem e elegem em assembleia e onde não seja, pelo menos, tão acintoso o divórcio entre os eleitores e os militantes, como acabou de se constatar no PS.Por outro lado, a propósito do sistema eleitoral, discutimos muito a redução do número de deputados e a criação de círculos uninominais como se, depois de tantas maiorias, fosse mesmo a falta de estabilidade o mal de que padecemos.

Novamente, é discussão ao lado: com mais ou menos acerto na dimensão dos círculos eleitorais, temos sistema que assegura representatividade adequada e estabilidade quanto baste. O que talvez pudesse, na mesma linha, fazer a diferença seriam listas em que pudéssemos mexer. A democracia faz-se com os partidos e nada os substitui. Mas a possibilidade de ordenar as listas que decidem seria porventura um bom estímulo à participação. Em breve, ou nos envolvem ou nos perdem. A escolha parece fácil, a vida não o demonstra.

[Hoje, Jornal de Negócios]

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