Tenho usado as palavras para tudo quanto me falta. Sei que, por muita ilusão, me convenci a vida inteira de que aludir às coisas era já um pouco possuí-las e pertencer-lhes, como um modo de sonhar acordado que, para mim, funcionou e me permitiu sempre alguma felicidade.
Os textos, por isso, foram-me reiteradamente úteis, entre seres capazes de inventar as maiores fantasias como de explicarem também a mais evidente realidade. Em certas alturas, os textos foram tudo, tiveram o ofício de ser tudo, sobretudo exterminando uma solidão para que me remetiam a timidez e um desajeitado modo de ser. Isso, por si só, haverá sempre de fazer de mim o mais grato dos homens a isto que é ler e escrever. Ficarei sempre grato aos livros.
Sou eminentemente outro após um livro, um que escreva ou um que leia. Procuro nas palavras aquilo que me acrescente, por me faltar, que proponha o que nunca lera, a que nunca pensara e assim me elucide melhor, me suscite a questão e incentive à procura de uma resposta. A aventura dos livros é toda essa. A contínua descoberta da infinitude dos assuntos, da infinitude do pensamento, que deve ensinar-nos a aceitação, essa coisa que por outra palavra muitos chamam de tolerância.
A leitura é toda ela um exercício de contacto com o outrora desconhecido e pretende, acima de todas as coisas, a partilha, um reconhecimento de lugar, como um respeito mútuo. A aceitação. Ler é praticar a sociedade. Ler é efectivar a sociedade. É receber o mais depurado dos pensamentos de que alguém foi capaz e ponderar, ainda que tantas vezes ludicamente, como a vida foi, como é, e como poderia ser melhor. Ler é ter passado e fazer futuro.
(...) Que se juntem, pois, os que sabem que a partir dos textos se pensa melhor, se faz melhor, se é melhor. Com o tempo, ler faz amigos. Para que ler signifique verdadeiramente não estar sozinho e ter voz.
[Este texto é do sempre brilhante valter hugo mãe, escrito para um prospecto da Fnac, que agora criou um clube de leitura. Mas é demasiado bom para ficar perdido num dos mil suplementos publicitários que se atropelam e se ignoram no meio dos jornais. Está aqui tudo sobre o que significa essa coisa de ler e escrever.]
Sem comentários:
Enviar um comentário