Podia ser Cronenberg. Parecia Cronenberg. É Garry Stewart, director do Australian Dance Theatre desde 1999, um dos coreógrafos mais conceituados na Austrália - e no mundo, por arriscar e ganhar sempre. Pela primeira vez em Portugal. Um ano depois da estreia mundial de "Be your self", apresentou a peça em Guimarães. É uma daquelas peças em que a ficha técnica não pode ficar reduzida a uma nota de rodapé. Para esta performance, Stewart, que a definiu como "um inquérito sobre a noção do eu - e a relação deste eu com o nosso corpo e a nossa cabeça", convocou os arquitectos nova-iorquinos Diller, Scofidio e Renfro (prémio Genius Award atribuído pela McArthur Foundation) para o desenho de cena (parte da magia está no cenário); o compositor Brendan Whoite para o som (gritos, robots, o mundo a ruir, onde?) e Damien Cooper para o vídeo (sangue, fantasmas, sombras, onde?). E os bailarinos, claro, que não por acaso praticam ioga e artes marciais. Tudo somado, conjugado, origina uma peça difícil de verbalizar, de descodificar. Mas é muito fácil dizer que, no campeonato da dança contemporânea, foi dos melhores momentos que tivemos na vida.
O mundo que desconhecemos, a parte de nós que não controlamos imiscuída na parte tangível, na metade racional. O corpo, a cabeça, a alma, onde começa um e acaba o outro? O corpo larga o que a cabeça agarra, a cabeça perdoa o que o espírito não esquece. A mensagem: estamos sempre sozinhos mesmo quando não estamos. E, no fim, morremos sem saber quem fomos. Todos os "eu" construídos foram precários. Não é todos os dias que a dança contemporânea nos diz isto com tanta clarividência. E brutal beleza.
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