quarta-feira, junho 30, 2010

Pina Baush: um ano depois


"Quando saímos, se está a nevar e tudo se pôs branco, ficamos sós, sentimo-nos sós. Se o sol estiver a brilhar, talvez não. Mas nada garante que aquilo que o outro sente seja equivalente ao que nós próprios sentimos. Quanto à mensagem, não sei... Não há mensagem. A melhor coisa é deixar a intuição e a imaginação agirem. É verdade que eu quero dizer com força qualquer coisa difícil de formular, qualquer coisa de escondido; mas são os espectadores que têm de o descobrir, senão tudo seria tosco e grosseiro (...). Frente a certos valores, é preciso, acima de tudo, sensibilidade."
Pina Baush in Falem-me de amor

[O Teatro São Luiz, em Lisboa, recorda hoje Pina Baush. João Salaviza estreia o filme "Hotel Muller"; Claudia Galhós apresenta o livro "Pina Baush - Sentir Mais".]

terça-feira, junho 29, 2010

O casaco verde II

[Howard Schatz]


Conheceram-se em Janeiro. Ela só sabia porque ele sabia. Ele sabia porque foi um dia frio. Ela não se lembrava porque a capital era recreio e ressaca, não era sala solene com advogado dentro a ensaiar-lhe uma defesa que não pedira. A sua inocência era tão óbvia que ser o defensor o primeiro a duvidar dela não era só ofensivo, era uma subversão idiota. Tão idiota como ele haveria de ser. Nunca se tinham visto. Mas já tinham falado as vezes suficientes para ela nutrir por ele um ódio suculento. Aquela voz grave e firme ao telefone a puni-la por ter deixado passar a fase de instrução, reduzindo as possibilidades de absolvição, fora a gota de água. "Como podia alguém flanar tão inocente sobre o real? Como podia alguém pairar tão indiferente sobre o mundo do problema?", inquietava-se ele. Era um homem zangado, seguramente com ela, mas provavelmente também com o mundo. Deveria ter uns 60 anos, talvez mais, e tratava a classe que deveria defender como um bando de mentecaptos irresponsáveis. Sim, odiava-o. E estava decidida a ignorá-lo, a ele e ao processo, em doses iguais. Ela queria ir a julgamento; ele queria evitá-lo. Como poderiam entender-se?!

Naquele dia, sob intimação dele, encontraram-se. Ela ia metida dentro de um casaco verde comprido. Comprado talvez numa loja romântica de Berlim ou Nova Iorque, efabulou ele. Enfiada nuns óculos escuros para não se lhe tocar, pensou ele outra vez, decidido a ajuízar e a etiquetar todos os sinais da arguida a quem, desde o início, decidira retirar o direito à presunção de inocência. Mas quando a porta se abriu e os olhares se cruzaram, ambos sentiram o choque do embate. Ambos pensaram estar diante da pessoa errada. Ele não tinha 60 anos, teria sequer 30?! Tinha ar de menino a brincar aos crescidos no escritório da família, a gravata a condizer com a camisa, os olhos azuis ou verdes, claros como o cabelo, parecia uma figura de Miguel Ângelo acabada de cair do tecto da Capela Paulina. Um Saulo imberbe em busca da luz da verdade. Ela teve de morder a boca para não rir, teve que pensar em coisas trágicas para conseguir levá-lo a sério e, mesmo assim, perguntou-lhe se poderia abolir o Dr. no trato. Ele assentiu. Mas afundou os olhos no chão, nos papéis, olhava para ela como quem espreita pela porta da fechadura. A tranquilidade dela, que ele leu como atroz irresponsabilidade e desprezo pelo empenho dele, era exactamente a mesma. Mas daquele homem velho e ressabiado nem sombra. Voltou a estragar tudo quando disse que apresentaria um requerimento para não irem a jogo. Ela discordou, queria mesmo ir a julgamento; ele continuava a tentar evitá-lo. Tinha medo do que dizia ser a franqueza das palavras delas a entrar no mundo dúbio dos homens, naquele ringue torto e falso que ela desconhecia. Talvez desconhecesse, mas conhecia a verdade e não tinha medo. Por que raio haveria ele de ter?

O julgamento foi adiado e eles nunca mais se viram. Nem falaram. E o tempo passou. Muito. Um ano? Talvez dois. Passou sem custar. E um dia o telefone tocou. Ela viu, não atendeu. Tocou várias vezes até que decidisse atendê-lo. A insistência cheirava outra vez a crime. Que teria feito desta vez? Ainda não tinha atendido e já só se ria. Lá vinha outra vez a figura de Miguel Ângelo brincar aos crescidos. Aboliram o dr, mas ainda se tratavam por você. Ele pergunta-lhe se pode ser por tu. Pode, claro. E, pela primeira vez, o advogado parece querer realmente defendê-la, mas já não lhe parece, a ela, advogado. E já não é. Embora seja.

Voltam a encontrar-se, agora a Norte. Uma, duas, várias vezes. Ela já não leva o casaco verde, mas ainda é de casaco verde que ele a vê, que a distância cria imagens mais fortes que a realidade. Quer dizer-lhe coisas que o tempo não permite, nunca, coisas que ela intui, quase sempre. Conta-lhe histórias de encantar, dos avós, dos pais, da menina dos olhos dele, do bebé, traz-lhe relatos de golos multiplicados em jogos nocturnos, golos que fizeram dele o melhor marcador, de viagens de vespa nas manhãs de chuva do Chiado, o cheiro das oliveiras a perder de vista no calor do Alentejo. Música, a dele que é dela. Como o resto, os valores, as convicções, os ideais. Papel químico um do outro. E fá-la genuinamente rir, proeza rara. "A desculpa dos sapatos não serve. Não depois de o teu salto ter ficado preso duas vezes em 20 minutos no pavimento". A desculpa para não viver em Lisboa. "A dos transportes também não. Em Lisboa há táxis como os daí e um metro de categoria". Conversa de tolos. Riem. Se vivessem no mesmo bairro e partilhassem o dia-a-dia, seriam amigos de sangue. Mas o campeonato não é o da amizade simples. E ele só não pede respostas porque a coragem, como o tempo, não permite. Mas as perguntas estão todas lá, implícitas. E ela sabe. E queria poder dizer-lhe o quanto lhe quer bem, o quanto gostaria de nunca o perder de vista, o quanto lhe custou o dia em que os olhos dele não apareceram enxutos e como os dela também ficam assim quando o lêem - e se ele poderia ganhar a vida a escrever! E como seria incapaz de o magoar. E como, apesar disso, sabe que o faz. Porque não possui nenhuma resposta capaz de o fazer feliz nem nenhuma que não soe a chavão assassino. No corredor de um egoísmo em que se não revê, cala e eclipsa-se. E espera ser desculpada. A paixão é um purgatório cuja purificação raras vezes dá acesso ao céu. Ele sabe. Ela também.

Bone lonely

Paulo Nozolino recebe hoje, na Sociedade Nacional de Belas Artes, em Lisboa, o Prémio anual da Associação Internacional de Críticos de Arte/Ministério da Cultura 2009, pelo trabalho Bone Lonely.

segunda-feira, junho 28, 2010

quarta-feira, junho 23, 2010

Roberto Bolaño: Putas assassinas

"Tú no sabes nada de pintura, Max, pero intuyo que sabes mucho de soledad. Te gustam mis Reys Católicos, te gusta la cerveza, te gusta tu patria, te gusta el respeto, te gusta tu equipo de fútbol, te gustan tus amigos o compañeros o camaradas, la banda o grupo o pandilla, el pelotón que te vio quedarte rezagado hablando con una tía buena a la que no conocías, y no te gusta la desorden, no te gusta los negros, no te gusta los maricas, no te gusta que te falten al respeto, no te gusta que te quiten el sitio. En fin, son tantas las cosas que no te gustan que en el fondo te pareces a mí. Nos acercamos, tú y yo, desde los extremos del túnel, y aunque lo único que vemos son nuestras siluetas seguimos caminando resueltamente hace nuestro encuentro. En la mitad del túnel por fin podrán nuestros brazos entrelazarse, y aunque allí la oscuridad es tan grande que no podremos contemplar nuestros rostos, sé que avanzaremos sin temor y que nos tocaremos la cara (tú lo primero que me tocarás será el culo, pero eso también es parte de tu deseo de conocer mi rosto), palparemos nuestros ojos y pronunciaremos acaso una o dos palabras de reconocimiento. Entoces me daré cuenta de que nos sabes nada de pintura, pero sí de soledad, que es casi lo mismo."

António Lobo Antunes: Memória de Elefante

"De longe em longe cabe-nos a sorte de topar com uma pessoa assim, que gosta de nós não apesar dos nossos defeitos mas com eles, num amor simultaneamente desapiedado e fraternal, pureza de cristal de rocha, aurora de Maio, vermelho de Velásquez. (...) Tu, pensou, tu escapaste sempre à derisão e à ironia em que procuro esconder a ternura de que me envergonho e o afecto que me apavora, talvez porque desde o princípio tenhas topado que sob o desafio, a agressividade, a arrogância, se ocultava um apelo aflito, um grito de cego, a mirada lancinante de um surdo que não percebe e busca em vão decifrar, nos lábios dos outros, as palavras apaziguadoras de que necessita. Vieste sempre sem que te chamasse, amparaste sempre o meu sofrimento e o meu pavor, crescemos ilharga a ilharga aprendendo um com o outro a comunhão do isolamento partilhado, como quando parti, sob a chuva, para Angola, e os teus olhos secos se despediram sem falar, pedras escuras guardando dentro como que um sumo de amor."

terça-feira, junho 22, 2010

Blankets vs Habibi

[Blankets]
[Habibi]
"Blankets era uma visão psicadélica do universo, era sobre a forma como o cristianismo nos junta e nos separa. Habibi é um conto de fadas. Humanizar a cultura islâmica pode ter sido o meu impulso inicial, devido à minha frustração em relação ao comportamento dos Estados Unidos face ao 11 de Setembro. Mas acabou por me sair mais como um conto de fadas. Utilizo detalhes da cultura islâmica e peço emprestado o seu ritmo de contar histórias, como em "As mil e uma noites". É uma história de amor entre duas crianças escravas, sexualmente abaladas, com desertos, haréns e favelas como cenário. É seco, espiritual e sexual. Já tem 700 páginas, estou quase a terminar. Deve sair no fim de 2010 ou início de 2011."
Craig Thompson

Ian McEwan: Na praia de Chesil

"Quando pensava nela, ficava pasmado por ter deixado partir aquela rapariga com o seu violino. Agora, claro, percebia que a proposta abnegada que ela lhe fizera era irrelevante. Tudo o que ela precisava era da certeza do seu amor e de que ele lhe garantisse que não havia pressa, quando tinham a vida inteira pela frente. Amor e paciência - se ao menos ele tivesse possuído os dois ao mesmo tempo - por certo tê-los-iam ajudado aos dois. E então que crianças por nascer teriam tido as suas oportunidades, que menina com uma fita no cabelo se teria tornado a sua filha adorada? É assim, não fazendo nada, que todo o curso de uma vida pode ser alterado."

segunda-feira, junho 21, 2010

Have we lost sight. Of the sacrifice it takes to save a life, if it's ours then so be it.

Best of all...all the things in this world that's worth a look. You make it hard when i'm with you. Scary sights are the things that haven't happened. But just might. Don't think it over so quickly. Look around, i'm still here. Take your time and not a year. Please, make me shine! When you are near, you are the one. You underline all the terror and the grace of my belief. I want to shake up your home life, fearing that all the specialness would fade with just a kiss. I think i have a solution: take a walk, hold my hand, don't say a word, i'll understand. We'll change the world. Make no demands. You are the one.

Have we lost sight. Of the sacrifice it takes to save a life, if it's ours then so be it. It's just my wish. That our world be that of reproductive bliss, it's just a thought, there's no pressure. Gomer pyle. Is just a man who served his country as best he can. I am the state, you are the flag. You are the one, but don't you know. This must be true. I can't do nothing, but think of you. There's the phone and here's the number. You are the one.

(This is the closest I’ve come to touching you the way I want)



I made you a present, you’ll never expect it
And when you unravel the secret will travel
It's hard to take risks with a pessimist
I hope that this shaking will help us awaken
Separated by skin ‘til we let ourselves in
It's hard to take risks with a pessimist
It's hard to take risks
I hope one will burn me, I know you’ll desert me
(This is the closest I’ve come to touching you the way I want)
The hope can be painful, I’ll try to be faithful
(It’s hard to take risks)

domingo, junho 20, 2010

Miguel Esteves Cardoso: Os meus problemas


"É fácil saber se um primeiro amor é o primeiro amor ou não. Se admite que possa ser o primeiro, é porque não é, o primeiro amor só pode parecer o último amor. É o único amor, o máximo amor, o irrepetível e incrível e antes morrer que ter outro amor. Não há outro amor. O primeiro amor ocupa o amor todo.

Nunca se percebe bem por que razão começa. Mas começa. E acaba sempre mal só porque acaba. Todos os dias parece estar mesmo a começar porque as coisas vão bem, e o coração anda alto. E todos os dias parece que vai acabar porque as coisas vão mal e o coração anda em baixo.

O primeiro amor dá demasiadas alegrias, mais do que a alma foi concebida para suportar. É por isso que a alegria dói - porque parece que vai acabar de repente. E o primeiro amor dói sempre de mais, sempre muito mais do que aguenta e encaixa o peito humano, porque a todo o momento se sente que acabou de acabar de repente. O primeiro amor não deixa de parte um único bocadinho de nós. Nenhuma inteligência ou atenção se consegue guardar para observá-lo. Fica tudo ocupado. O primeiro amor ocupa tudo. É inobservável. É difícil sequer reflectir sobre ele. O primeiro amor leva tudo e não deixa nada.

Diz-se que não há amor como o primeiro e é verdade. Há amores maiores, amores melhores, amores mais bem pensados e apaixonadamente vividos. Há amores mais duradouros. Quase todos. Mas não há amor como o primeiro. É o único que estraga o coração e que o deixa estragado."

sábado, junho 19, 2010

Pilar, a mulher bíblica a quem Saramago se confiou

Não estava ali à mão, no início do caminho de Saramago, a mulher que, contou Violante, filha única do escritor, o haveria de tornar “mais acessível, mais aberto, capaz de derramar os sentimentos e de abandonar a sua habitual atitude de defesa”. Não estava ali à mão Pilar, espanhola de Andaluzia, jornalista de 36 anos; ele já com 64 e com dois casamentos – nem poderia, que tudo o que é determinante na vida do autor de “Memorial do Convento” aconteceu tarde. Mesmo a literatura. Publicou o primeiro livro aos 25, seguiram-se 19 sem escrever.

Sobre essa mulher a “quem se confiou como a qualquer outra pessoa não seria capaz” , escreveu ele, no seu blogue, em Março do ano passado: “Graças à sua inteligência, à sua capacidade criativa, à sua sensibilidade, e também à sua tenacidade, a vida deste escritor pôde ter sido, mais do que a de um autor de razoável êxito, a de uma contínua ascensão humana. Faltava, mas isso não podia imaginá-lo eu, a idealização e a concretização de algo que ultrapassasse a esfera da actividade profissional ou que dela pudesse apresentar-se como seu prolongamento natural.”

As declarações de amor de Saramago a Pilar – mulher que a escritora e amiga íntima do casal, Nelida Piñon, definiu como “mulher da Bíblia, como se diz das criaturas de têmpera forte, e sempre generosa, fiel, convicta” – foram uma constante ao longo dos 23 anos que partilharam. Declarações de amor e de gratidão pela segunda vida que lhe concedeu. Depois da pneumonia que primeiro o atirou durante meses a fio para a cama de um hospital e depois, temporariamente, para uma cadeira de rodas, o autor publicou “A viagem do elefante” e consagrou-o. "A Pilar, que não me deixou morrer”. Em “Pequenas Memórias”, o mesmo gesto: “A Pilar que ainda não havia nascido e tanto tardou a chegar”.

Dificilmente outro nome próprio poderia condizer tanto com o papel de uma mulher na vida daquele homem: ela é secretária, conselheira, companheira de convicções políticas (também marxista e comunista), ela é tradutora para espanhol dos seus livros e do seu blogue, ela é sua advogada de defesa (“Saramago é um ser excepcional, a sua dimensão é distinta e o seu perfil não é o habitual, por isso há tanta gente que não o entende”, disse como quem coloca um ponto final na polémica à volta de “Caim”). Pilar preside à Fundação Saramago depois de ela própria ter procurado e organizado o acervo que garantirá a preservação da memória da obra e do homem.

“Temos uma parceria para a vida”, afirmou recentemente, cúmplice também na devoção. Tanto assim é que Pilar é hoje nome de rua na rua que se cruza com a de Saramago, em Azinhaga, ribatejana terra natal do escritor. Foi a 3 de Junho de 2008. Ele considerou o acontecimento como o seu “terceiro casamento”. Ela desejou que “todos os enamorados do mundo se encontrem e dêem um beijo naquela esquina”. Na esquina onde as ruas José Saramago e Pilar del Rio se encontram.

Eles encontraram-se muito antes. Em 1986. Portugal vivia as eleições presidenciais mais disputadas de sempre. Freitas do Amaral à direita; Mário Soares à esquerda. Ganhou Soares à segunda volta e o país aderiu à então Comunidade Europeia. Foi numa tarde desse ano que Pilar, ao passear por Sevilha, entrou numa livraria e leu meia dúzia de páginas de “Memorial do Convento” (1982). Não sabia quem era Saramago, nunca tinha ouvido falar, mas ficou tão impressionada que comprou todos os seus livros. Devorou “O Ano da Morte de Ricardo Reis” noite adentro e sentiu necessidade de agradecer ao autor que lhe tinha proprocionado aquela viagem. “Foi uma comoção muito forte e decidi fazer o que não tinha feito nunca, senti a necessidade de seguir aquele itinerário lisboeta, senti que tinha a obrigação moral de dizer a José Saramago o que tinha experimentado. Um autor só acaba a sua obra quando o livro é lido e entendido. E eu queria dizer-lhe: completou-se o ciclo, li-o e entendi-o”.

Encontraram-se então em Lisboa, no hotel Mundial. Cumprimentaram-se com um aperto de mão, passearam pela cidade e falaram de quase tudo. E tudo lhes dizia que eram iguais. Depois, ela foi embora. “Com uma estranha paz”. Trocaram livros e críticas pelo correio e, um dia, ele quis voltar a vê-la. Foi assim durante vários fins-de-semana, ele a apanhar o autocarro de Lisboa para Sevilha. Casaram menos de dois anos depois. Ela veio para Lisboa. "Não me custou nada a adaptação. Quando vim para cá, vim para minha casa", haveria de contar mais tarde. Mais tarde ainda, em 1993, na ressaca da publicação e respectiva controvérsia em torno de "O Evangelho segundo Jesus Cristo" (1991), foram ambos para Lanzarote. Casa que passou a ser também dele. Deles.

“Se eu tivesse morrido antes de te conhecer, Pilar, teria morrido sentindo-me muito mais velho. Aos 63 anos, a minha segunda vida começou. Não posso queixar-me. As coisas que vocês consideram importantes não são tão importantes. Eu ganhei um Prémio Nobel. E daí?", disse em 2008 numa entrevista ao New York Times. O Nobel da literatura, único em Portugal, fora-lhe atribuído - a ele escritor autodidacta e tardio - há exactamente dez anos.

quinta-feira, junho 17, 2010

Lawrence Durrell: Justine (Quarteto de Alexandria vol.I)


"- O que eu procuro sem cessar é uma vida que valha a pena ser vivida. Se eu morresse, ou enlouquecesse, talvez conseguisse dar a vida a todas essas coisas que existem em mim e que se não conseguem exprimir. O médico a quem eu amei disse-me que eu era uma ninfomaníaca, mas garanto-te que não existe nenhuma voracidade, nenhuma condescendência no meu prazer. Tu dizes que tenho o prazer triste dos puritanos. Também isso é uma injustiça que me fazes. O meu prazer é trágico.

(...) - Era um pouco como se no seu universo faltasse uma dimensão e que o amor se tivesse tornado uma espécie de idolatria interior.

(...) - A minha vida é essa tal ferida não cicatrizada de que me fala, e que tento preencher com pessoas, acidentes, doenças, tudo quanto calha. Para chegar a aceitar-me tenho de reunir todos os destinos do meu carácter e queimá-los.

(...) - Justine deu-me sempre a ideia de uma sonâmbula surpreendida no momento em que se prepara para cruzar um precipício; se alguém lhe grita para a acordar, é a catástrofe. Tudo quanto se pode fazer é segui-la em silêncio, na esperança de a afastar gradualmente dos abismos que a espreitam."

quarta-feira, junho 16, 2010

Para sempre é sempre por um triz

Get me out...

... And come with me. And bring with you just a harp, a piano and a pure heart. We will write the books. And together we will do the rest. Far away from here.

Craig Thompson vs Paul Gauguin*


* In Habibi (My beloved)

terça-feira, junho 15, 2010

segunda-feira, junho 14, 2010

Raúl Brandão: A morte do palhaço


"Da existência ficara-lhe o olhar desvairado, para dentro, de quem segue na alma um sonho e anda na vida por acaso, o olhar daqueles em quem a vida interior é enorme e que ficam surpreendidos quando a dor lhes diz que o mundo existe."

sexta-feira, junho 11, 2010

Can't say why I kept this from you...

11


No primeiro dia disseste logo que querias morrer. Que nada te prendia, que nada te impediria, que te sentias a mais, que estavas farto. Era Inverno, Dezembro frio, a música alta, sempre a mesma no mesmo pub, os bancos de veludo baixos, quatro joelhos colados e dois ginger ale a dividirem a mesa com o capacete, as luvas, a tralha toda da mota, o teu ouro. Tu querias morrer. Talvez não já, não sei, mas o aviso estava feito. Ameaça velada a ensombrar a conversa, uma dor que não sabias bem de onde vinha, mas que não cabia dentro de ti. Sufocava-te, enlouquecia-te a necessidade de evasão. Um cutelo entre ti e a vida. Eras tão novo e já tão farto. Mas eu era ainda mais nova, que poderia eu saber? Só que tu querias morrer. Porque mo disseste. Logo ali e tantas vezes depois. Nunca duvidei por um segundo. Tu ias morrer. Era o nosso segredo. O primeiro beijo.

Passou o Inverno, um, dois, três, o Verão, três, quatro, cinco, as estações todas tantas vezes e uma tempestade que te despiu, que te desmoralizou, mais ainda, e quase te matou. Meses e meses a pedir-te para não morreres, não já, eu a chorar, tu a rir. Aquele riso que me dizia ao ouvido: tens de estar preparada, tens de estar preparada. Mas eu não estava. Tu estavas à espera que eu crescesse, eu estava à espera que tu esperasses por mim. Eu espero por ti, dizias. Esperávamos os dois como se fosse possível algum dia termos a mesma idade. Para nada daquilo parecer pecado. O amor. E a morte. Os dias inteiros no rio, à varanda, em cima da ponte, em sítios sem nome. Tu do lado de fora da janela a gritar Parabéns no dia do meu aniversário. Tu a desceres a escadas a correr para pegares em mim ao colo no meio da rua. Dias inteiros de mãos dadas, infindáveis noites sem dormir naquele teu abraço apertado. Colecção de segredos que não parava de aumentar. Como o desejo.

Um dia disseste que só ainda não tinhas morrido por minha causa. Porque eu precisava de ti. "Não te posso deixar aqui sozinha", disseste. "Ninguém te entende como eu. Ninguém se entende como nós." Ninguém me entendia como tu. Nós entendíamo-nos. Mesmo. Tanto. Tudo. E ninguém entendia como. Como podia amar-te, e amar-te tanto, se quase todos te odiavam - como se a cega fosse eu e não eles. Como podia defender-te no que todos te atacavam. Como o meu mundo parava quando tu vinhas do nada. E como eu te adivinhava, vinha a tua mota ainda ao longe, tão longe que não era possível ouvir e eu sabia. Como soube no dia em que a ambulância passou que eras tu. Como soube no dia em que o telefone tocou que eras tu a notícia. Mas antes disso, como só tu me fazias rir, como só tu me fazias não ter medo. Como só tu me fazias faltar às aulas durante o dia e fugir de casa a meio da noite. Só para falarmos durante horas e horas. E como tu me protegias, sempre e sempre. "Queres que lhes bata?" Sorrias, despias aquele casaco de pele a pesar toneladas e embrulhavas-me como quem embrulha uma princesa frágil. Ainda que o frágil fosses tu, tu a tremer, tu a disfarçares a ressaca, tu desaustinado nas ruas escuras onde tantas vezes te fui encontrar. Mas tu sorrias, sempre, não te zangavas, sorrias e vinhas. Dizias: "Não podes andar aqui sozinha". E eu respondia: "Não estou sozinha, estou contigo". E ficava tudo bem, eu via-te, sorria, tu sorrias. Era quase fácil esquecer que ainda querias morrer.

Um dia fiz-te um desenho num caderno de uma aula a que não fui. Um desenho a lápis que tu completaste com uma caneta. Escreveste o teu nome, porque o desenho eras tu. Abraçaste-me e perguntaste: "Nunca me vais esquecer, pois não?" Se tu prometeres não morrer, não. Foi o nosso último Verão. Depois, perdemo-nos, primeiro às prestações, depois de vez. Porque eu tinha de sair dali, e tu sabias. Só não sabias que contigo nunca teria conseguido. Alguma vez me terás perdoado? Alguma vez terás entendido o que te disse? E um dia o telefone tocou. A tua testa fria. O último beijo.

Passaram onze anos, hoje. A ausência não é uma imagem desfocada que segue num único sentido, para lá, até desaparecer. A ausência é coisa que vai e volta, às vezes mais desbotada, às vezes mais violenta. A ausência às vezes é tão viva que ainda olho para trás, ainda vou aos mesmos lugares, ainda te ouço rir. E às vezes ainda volto para trás quando tento subir as escadas do sítio onde estás. E ainda sonho contigo, sabes? Mas os sonhos dizem-me sempre a mesma coisa, és tu a falar, dizes que já não estás. E eu queria tanto que estivesses aqui agora. Queria tanto as nossas conversas, o teu abraço, a tua protecção, queres que lhes bata?, queria tanto saber como seria agora que finalmente cresci e não teríamos de esperar mais. E ainda hoje não entendo porque não me ligaste, porque não me chamaste. Se não tivesses ido embora, ainda hoje guardaríamos os segredos um do outro. Eu teria continuado a guardar a tua vontade de morrer se tu não tivesses quebrado a promessa. A promessa de que nunca o farias.

quinta-feira, junho 10, 2010

Ana Teresa Pereira: O verão selvagem dos teus olhos

"Sempre me senti uma estranha, como um anjo caído que não sabe muito bem onde está, nem qual é a sua natureza; ele é muito diferente dos que se movem à sua volta, e tem de fazer um esforço para passar despercebido. Uma questão de auto-defesa. Sempre senti uma certa perplexidade diante do mundo, das pessoas. Sempre amei, ferozmente, os animais e as plantas. Os meus cães e os meus cavalos, e o meu jardim. Mas acho que, exceptuando o meu pai, nunca gostei muito de pessoas. Talvez, muito simplesmente, não as compreendesse. O que as fazia viver, o que as fazia correr. Acho que compreendia o meu pai, até porque me parecia com ele. A forma como conhecia os livros por dentro. Mas, porque não compreendia as outras pessoas, e tinha de viver no meio delas, tornei-me uma actriz."

terça-feira, junho 08, 2010

Sylvia Plath: The applicant

First, are you our sort of a person?
Do you wear
A glass eye, false teeth or a crutch,
A brace or a hook,
Rubber breasts or a rubber crotch,
Stitches to show something's missing? No, no? Then
How can we give you a thing?
Stop crying. Open your hand.
Empty? Empty. Here is a hand
To fill it and willing
To bring teacups and roll away headaches
And do whatever you tell it.
Will you marry it? It is guaranteed
To thumb shut your eyes at the end
And dissolve of sorrow.
We make new stock from the salt.
I notice you are stark naked.
How about this suit Black and stiff, but not a bad fit.
Will you marry it?
It is waterproof, shatterproof, proof
Against fire and bombs through the roof.
Believe me, they'll bury you in it.
Now your head, excuse me, is empty.
I have the ticket for that.
Come here, sweetie, out of the closet.
Well, what do you think of that?
Naked as paper to start
But in twenty-five years she'll be silver,
In fifty, gold.
A living doll, everywhere you look.
It can sew, it can cook, It can talk, talk , talk.
It works, there is nothing wrong with it.
You have a hole, it's a poultice.
You have an eye, it's an image.
My boy, it's your last resort.
Will you marry it, marry it, marry it.

sábado, junho 05, 2010

Sem retorno

[Olivia Bee]

Acabou. Está tudo bem, não faz mal, tanto faz. Há dias assim, muitos, em que a vida continua, fervilhante ensaio feliz, e a tua ausência é só um vestido a mais, supérfluo, esquecido no armário que guarda tantos, à espera de um estímulo, de um sol, de um dia se ele houver de vir. Penso, acabou, não faz mal, tanto faz, está tudo bem. Mas há dias, mais, em que está tudo mal, já não tanto faz, faz todo o mal. Dias em que te não sei e quero, em que te não tenho e preciso, em que me perco e tropeço, disco de embraigem colada, engasgo-me e caio. E caio. E do fundo não te procuro, não posso, não quero, não creio, engulo em seco a memória, mordo os lábios da promessa. Até passar. Sem chorar, embora tudo em mim chore. Esse amor construído à pressa. Num incêndio. Minuciosa, desmesuradamente perfeito. Milimetricamente cúmplice, coincidente, raro.

O epitáfio em fragmentos insaciados. As palavras a apagarem-se na boca. Redescubro-te no silêncio e em sensações homófonas. Soam ao mesmo, não sabem ao mesmo. Nada. Sabem a sal e cinza. Já não sei quem és, mas sei que não és tu. E sei que nunca mais te verei, mesmo que mil vezes te veja. Já não és tu. Ainda és real e já não és. Tens rosto, nome, talvez até o mesmo cheiro. Os mesmos dedos finos, a mesma voz. O mesmo sonho. Se te vir sei quem és. Sabê-lo-ía de olhos fechados em qualquer parte do mundo. Só pela pele. Por fora. Mas já não és tu, aqueles já não são os teus olhos. De luz onde agora há sombra. São os olhos de um suicida em fuga do medo, de ave presa num voo desistido. Nunca te reencontrarei. E só por isso não te procuro, não te chamo. Não te digo que te amo. Ainda tanto. E que nada me apazigua, nem o tempo nem a distância. E que às vezes ainda me engano. E o adeus me parece gralha.

sexta-feira, junho 04, 2010

Haruki Murakami: Norweigan Wood


"I have to talk to you", I said. "I have a million things to talk to you about. A million things we have to talk about. All I want in this world is you. I want to see you and talk. I want the two of us to begin everything from the beginning". Midori responded with a long, long silence - the silence of all the misty rain in the world falling on all the new-mown lawns of the world. Forehead pressed against the glass, I shut my eyes and waited. At last, Midori's quiet voice broke the silence: "Where are you now?" Where was I now? Gripping the receiver, I raised my head and turned to see what lay beyond the phone box. Where was I now? I had no idea. No idea at all. Where was this place? All that flashed into my eyes were the countless shapes of people walking by to nowhere. Again and again I called out for Midori from the dead centre of this place that was no place.

quinta-feira, junho 03, 2010

Os primeiros concertos da temporada

Blind Zero: 23 de Junho, Casa da Música, Porto
XX: 8 de Julho, Optimus Alive
Devendra Banhart: 8 de Julho, Optimus Alive
Alice in Chains: 8 de Julho, Optimus Alive
Pearl Jam: 10 de Julho, Optimus Alive
Micro Audio Waves: 10 de Julho, Optimus Alive
Goldfrapp: 15 de Julho, Marés Vivas, Gaia
Vampire Weekend: 17 de Julho, Meco
Patrick Watson: 17 de Julho, Meco
Prince: 18 de Julho, Meco
The National: 18 de Julho, Meco
Wild Beasts: 18 de Julho, Meco
Best Coast: 28 de Julho, Paredes de Coura
Peter Hook: 30 de Julho, Paredes de Coura
Flaming Lips: 5 de Agosto, Sudoeste

quarta-feira, junho 02, 2010

Enjoy the poverty


Um homem trabalha há dez anos sem contrato, sem nada, de sol a sol, para ganhar quatro dólares por mês. Tem vários filhos que alimenta com folhas de sabe-Deus-o-quê. Em dez anos de trabalho não ganhou para comprar um fato, quanto mais uma televisão. Vive sem luz, sem água, sem nada, no meio do mato, no Congo. Mas acredita, porque a Unicef e as ONG's deste mundo lho garantem, que um dia terá uma vida melhor. Em dez anos, teve a confirmação de que Deus existe no dia de excepção em que comeu dois centímetros de carne cozinhada.

Um homem exibe uma bebé sentada num banco, inerte, os olhos abertos de tão secos, de tão feridos, não conseguem sequer piscar. O pai despe-a sem pudor, mostra as chagas, incluindo as do ânus da criança, subnutrida, jackpot de carências. Despeja-ao no mesmo lugar, explica que em breve morrerá. Encolhe os ombros, é assim. Ali, toda a gente já perdeu tanto de tudo.

Um homem tinha quatro filhos, sobrou um. Os outros morreram à fome. Com quatro dólares por mês, não há milagre que lhe valha. Nem a ele nem aos outros homens como ele, tantos.

Um homem, branco, tem o olhar preso numa galeria de arte. Admira fotografias de trabalhadores negros numa plantação de cacau. Conta orgulhosamente que comprou várias daquelas imagens para a sua colecção. É o proprietário do terreno; os protagonistas das fotografias são os escravos. Perguntam-lhe, ao branco, por que razão os filhos dos seus trabalhadores são subnutridos se as suas plantações são tão abundantes. "É natural", responde. Sorri. Tanto lhe faz.

Um homem, italiano, apetrechado de Cannons e objectivas e Vaios e telemóveis de última geração, fotografa cadáveres, mulheres violadas, crianças a um passo da morte. Trabalha para a France Press. Perguntam-lhe por que razão não fotografa os desfiles ou as festas daquele povo. "É a lei do mercado, só o sofrimento vende", responde. E ele está ali para vender, é um profissional. Insistem nas perguntas, querem saber se ele retribui aos personagens que não raras vezes valem prémios de fotografia, de jornalismo e lhes catapultam, a eles, repórteres fotográficos, a carreira. Se lhes retribui pelo menos com alguma coisa por cada 50 dólares que ganha por fotografia. "Não". Obviamente. Alguém tinha dúvidas?!

Uma mulher, asiática, óculos escuros, blusa imaculada, cabelo brilhante, desfila numa tenda de refugiados de onde brotam logotipos da Unicef e de semelhantes samaritanas organizações. Perguntam-lhe o porquê de tantos logos? Hesita, responde: "Visibilidade, claro". Sorri.

Um homem, branco, fato e gravata, conferência internacional-barra-cocktail-barra-feira-de-vaidades, anuncia não sei quantos milhões fresquinhos de ajuda humanitária para África. Perguntam-lhe se aquele dinheiro vai realmente subtrair em igual proporção a pobreza e se essa pobreza não poderia ser usada como recurso natural daquele território, algo para exportar, já que tanta gente no mundo parece gostar de a consumir. O homem baralha-se, gagueja, ofende-se. O que diz e nada é a mesma coisa. Dizer o quê?!

Todos os dias!!! Todos os dias há milhares de pessoas que ganham dinheiro porque todos os dias há milhões que morrem à fome. E nada disto é pornográfico! Nada disto é chocante! O mundo inteiro vê, comove-se ou não, contribui ou não e segue. Como se a pobreza extrema de alguns fosse o único certificado da riqueza de outros. E isso a tornasse necessariamente irreversível. Mas que um artista holandês, Renzo Marteens, tenha filmado isto, denunciado isto, questionado isto, já choca toda a gente. "É o objecto mais pornográfico que vi em toda a minha vida", ouviu-se no domingo passado, no Teatro Maria Matos, em Lisboa, depois do visionamento do documentário orgulhosamente vetado no Indie (ou no Doc Lx, já não sei) e inserido agora no Alkantara Festival.

Renzo tentou explicar, provocando e provocando e provocando, com um cinismo épico, que a pobreza é ela própria um recurso, que quem ver pobres tem de pagar aos pobres para os ver. E que eles deviam ganhar dinheiro com isso até esgotarem o recurso. Produziu um documentário bizarro, perturbador, sem qualquer preocupação estética, mas real. Demasiado real. Não é um trabalho jornalístico, como alguém disse - e essa nunca foi a sua pretensão. Mas, claro, é mais fácil atacar o método do que discutir o resultado. Porque o resultado põe-nos a todos, ocidentaizinhos, em causa.

"Enjoy the poverty" está longe de ser um objecto pacífico. É de uma crueldade sem limites. Mas por uma única razão: para o conseguir realizar, Renzo Marteens criou, por um lado, falsas expectivas. Explicou aos fotógrafos locais que poderiam ganhar muito mais a fotografar os pobres seus conterrâneos do que os seus casamentos. E eles acreditaram. Acreditaram até que poderiam vir a ter carteira profissional e vender aquilo para o mundo. E por outro, porque explicou àquelas pessoas que a vida delas nunca há-de melhorar, que têm de aprender a ser felizes sabendo que serão sempre pobres. E isto é superlativamente cruel. Roubar os sonhos, a esperança é roubar o futuro. Mas também é corajoso. E independentemente disso, é a verdade. E a pura da verdade, às vezes, é muito cruel. Explorar a pobreza é muito mais cruel do que o documentário. E o que ele mostra ainda é mais. E fica a moer, a moer...

O que há-de vir

[Paulo Nozolino]


"Procurar o lugar que se esquiva, habituar-me à contínua fuga do mundo, permitir em mim o sítio onde a palavra se apagou, repousar nele como quem encontra a serenidade na desolação, perder, perder cada vez mais até ao indizível, não falar, não escrever, para enfim recomeçar: a estrada é a espera de um nome."
Rui Nunes in O choro é um lugar incerto

terça-feira, junho 01, 2010

Leave the horror here...

Enquanto a sociedade não compreender o despojamento como única ambição...