sexta-feira, abril 30, 2010
quarta-feira, abril 28, 2010
domingo, abril 25, 2010
Porto: a prima freak do país
O Porto é Contemporâneo. É Arquitectura. É o Siza Vieira e o Souto Moura, o Soutinho e o Távora. A famosíssima faculdade de vanguarda, também nas Belas Artes. O Porto é Arte. É Serralves, a singular Bombarda, a Árvore. Era os Ateliers da Lada. O Porto era um Instituto Português de Fotografia com uma Teresa Siza lá dentro. O Porto é Moda. O Buchinho e o Baltazar, a Gambina e a Xiomara. É o Citex, a escola de referência. O Porto é Música. A Casa inventada por Pedro Burmester e magnificamente desenhada por Rem Kolhaas, a Orquestra Nacional e o Remix Ensemble.
O Porto é Teatro - e era teatro. Era a cidade com mais companhias por metro quadrado, tantas e tantas saudades: do Plástico, do Só, do Ferro, das Boas Raparigas, do Pé de Vento, da Visões Úteis, do Bruto. O Porto era um Teatro Municipal Rivoli, antes de o Rivoli ser o Teatro Privado La Féria. Era um Rivoli com dança contemporânea, com novo circo, com teatro independente, com tudo o que era experimental. O Porto era Isabel Alves Costa, que o dirigiu e inventou o festival de marionetas. O Porto é um Teatro Nacional São João (que já teve um Ricardo Pais, o que faz toda a diferença) e um Teatro Carlos Alberto (que já teve um Nuno Cardoso, o que também faz diferença). É um resistente Teatro do Bolhão.
O Porto é pouco Cinema e continua sem cinemateca, vá lá perceber-se porquê. É Manoel de Oliveira sem casa, que a casa do cineasta foi abandonada antes de ter sido sequer inaugurada. É agora um esforçado Nun'Álvares. É o Fantas e, ao lado, as Curtas de Vila de Conde. O Porto é a Universidade, a maior do país - em número de alunos, de faculdades, de cursos. O Porto é Ciência. É um notabilíssimo IPATIMUP, um insubstituível Sobrinho Simões.
O Porto é uma inesgotável vida nocturna, cujo parto demorou seguramente mais de nove meses, mas que agora parece existir desde sempre. É o Passos Manuel, o melhor bar do mundo e os outros 500 que abriram entretanto. O Porto, não me lixem, também é o grande FCP!
O Porto era A Cidade!
Há dez anos, o Porto era definitivamente A Cidade. Mais do que apetecível. E confortável. A cidade que sabia e antecipava a cultura do mundo. E crescia. A cidade onde tudo era possível. Onde era bom trabalhar, melhor viver. A cidade de mil intercâmbios. A cidade criativa, tem razão Cavaco Silva. Hoje, o Porto é a prima freak do país. A prima a quem todos acham graça, com quem é bom partilhar uns dias, mas a quem ninguém inveja a vida. A prima criativa, louca, resistente, sim Cavaco, mas a prima pobre. Sem perspectivas, sabe-se lá com que futuro. Hoje, o Porto é a cidade de onde a maioria - não só os cérebros, cuja fuga Mariano Gago diz estar a travar - é obrigada a sair. Para os subúrbios. Para Lisboa. Ou para o mundo. Para não morrer. Em 2009, a fuga foi a um ritmo de 16 por dia! São mais de 20 mil desde 2001! Em 2008, o Porto era a cidade mais pobre da Península Ibérica e uma das mais pobres da União Europeia. O distrito concentrava, sozinho, 45% dos beneficiários do Rendimento Social de Inserção. E o cenário não há-de ter melhorado.
O primeiro e rude golpe foi dado logo justamente no fim de 2001, quando Rui Rio chegou ao poder e decidiu cortar, se bem me lembro, 60% no orçamento para a Cultura. "Quando ouço falar de cultura, puxo logo da máquina de calcular", disse. Foi o princípio do fim, embora obviamente nem tudo o que depois se seguiu seja culpa dele. Mas o verbo Ser no pretérito imperfeito deve-lhe muito. Já a cidade que agora começa a renascer - e é bom que se diga isto - deve muito pouco, muito pouco mesmo, se não mesmo nada, a este presidente de Câmara. E tudo o que a cidade tem de bom não compensa o que tem de mau - a falta de emprego ou de empregos melhores. Ficar é quase uma acto suicida!
Por tudo isto, o discurso de Cavaco Silva, hoje, não poderia ter sido mais intrigante. O Porto metido ali a despropósito no discurso do 25 de Abril. Não sei se percebi. Foi um alerta sobre o hiperbólico centralismo que existe neste país?! A denúncia de que tudo o que não é Lisboa é periférico?! Foi a tentação de citar o exemplo de uma cidade que, tal como o país, "acumula dúvidas sobre o futuro", muitas, mas mantém-se como "pólo internacional de criatividade e conhecimento"?
Disse o Presidente da República que no Porto existe "muito do melhor que Portugal fez nas últimas décadas". Que o Porto é "uma cidade que dispõe de todas as condições para ser um pólo aglutinador de novas indústrias criativas", nomeadamente ligadas à moda, design, cinema, teatro, informática e à comunicação. Que uma "aposta forte dos poderes públicos, conjugada com a capacidade já demonstrada pela sociedade civil relativamente a projectos culturais de referência, poderão fazer do Porto e do Norte uma grande região criativa, sinónimo de talento, de excelência e de inovação". Terminou dizendo que "só falta mobilizar esforços para transformar o Porto e o Norte numa grande região europeia vocacionada para a economia criativa e fazer desse objectivo uma prioridade da agenda política".
O problema é que no Porto, no Norte, há muita sociedade civil e muito pouca aposta dos poderes públicos. O problema é que todos os discursos inconsequentes são ridículos. E por muito que doa a quem cá está, é demasiado fácil adivinhar o futuro. O desenvolvimento do Porto não fará parte da agenda política. O Porto é hoje a cidade solitária que ninguém gostaria de deixar... se fosse possível não a deixar.
sábado, abril 24, 2010
Imprensa a criar excêntricos todos os fins-de-semana
"Talvez seja este o segredo da nossa coesão e do facto de sermos uma das nações mais antigas do mundo: só nos interessamos verdadeiramente por nós próprios e a única voz que ouvimos é a nossa, que nos deve soar a todos como uma ária de Puccini cantada por Maria Callas. Como nos filmes passados nos hospitais psiquiátricos, cada um de nós rala-se consigo e com as suas manias. Com a diferença de que não temos o talento do Jack Nicholson e que não há uma médica gira que se interessa pelo nosso caso e não só nos tira dali como acaba por ir para a cama connosco."
Pedro Boucherie Mendes, na estreia da Index, no I
"Os deputados polícias vieram para ficar e com eles as investigações parajudicias, sem meios, sem formação, sem possibilidade de defesa, tudo servido em directo online. Onde antes havia actividade legislativa e se fiscalizava a acção do governo, temos agora o milagre da multiplicação da Comissões Parlamentares de Inquérito e a verdade apurada na confrontação entre notícias de jornais. "
Pedro Adão e Silva, no I
"Só um lírico ou um opositor primário de Sócrates podia achar que a comissão corria da nascente à foz com a oposição a marcar o ritmo. Uma comissão de inquérito em que o primeiro-ministro está potencialmente em xeque? Isso não acontece em nenhum sítio do mundo. Como diria Scolari, esta é uma comissão de mata-mata! Ou se mata ou se morre. O PSD ficou escandalizado com o silêncio de Rui Pedro Soares, mas quer chamar o procurador do caso Face Oculta, como se isso fosse habitual. Não é. São duas faces da mesma moeda. Numa comissão destas vale tudo e vai valer tudo."
Ricardo Costa, no Expresso
"O primeiro-ministro foi inocentado com uma declaração de Rui Pedro Soares que só convence quem se deseja convencer. Mas ao admitir ter usado o nome do primeiro-ministro de forma abusiva, interessa perguntar que atitude tomará Sócrates perante um alto administrador do Estado que anda por aí a usar o seu nome em negociações sortidas. O silêncio de Sócrates será bem pior do que o silêncio do seu fiel amigo."
João Pereira Coutinho, no Correio da Manhã
"Portugal chegou ao 25 de Abril sem uma verdadeira revolução industrial e sem uma verdadeira revolução burguesa. O liberalismo, político ou económico, nunca passou de uma ideologia minoritária, estranha a uma sociedade, no fundo, camponesa e a uma classe média, dependente de um Estado hiperatrofiado e centralizador. Esperar que o dinheiro da Europa, a política do betão, o ensino de massas e as privatizações conseguissem o milagre de a modernizar não passou de uma ilusão e de um erro. Quando se raspa o «o novo português» que o dr. Cavaco tanto contribui para fazer, o que fica é o português indigente e finório, à procura de um «bom negócio». O défice e a dívida, que nos perseguem desde o século XIX, não reaperecem por acaso."
Vasco Pulido Valente, no Público
"A política de restauração de Bento XVI falhou. Todas as suas espetaculares aparições, viagens de exibição e declarações públicas falharam, não influenciando as opiniões da maioria dos católicos em assuntos controversos. Isto é especialmente verdade no tocante a matérias de moral sexual."
Hans Kung, antigo colega de Ratzinger, no P2, em carta aberta directa às feridas
"Simon Johnson é uma alimária. Comparar a situação portuguesa à da Argentina quando faliu em 2001, não é só de mau gosto: é de profunda ignorância. O ex-director do FMI faz parte daquele grupo norte-americano que nunca conseguiu aceitar a afirmação internacional do euro, que se tornou em pouco tempo uma importante moeda de pagamento a nível internacional, ombreando com o dólar - e que o quer atacar a partir dos seus elos mais fracos . (...) O que está em causa não é a Grécia ou Portugal, mas o euro. É a moeda única que está a ser fortissimamente atacada por uma conjugação de interesses anglo-saxónicos amalgamada entre os que querem que o euro impluda e os fundos de investimento de risco, que pretendem ganhar muito dinheiro á custa da desgraça dos outros."
Nicolau Santos, no caderno de Economia do Expresso
"Que um Parlamento aceite ter uma deputada (Inês de Medeiros) por Lisboa a residir em Paris já é coisa bizarra. Que, uma vez confrontado com a situação de facto, se disponha a subsidiar-lhe viagens semanais em executiva é grosso despautério. Que o PS considere este procedimento razoável, em vez de assumir as despesas da sua deputada parisiense, esse é o mais confrangedor dos sinais."
Fernando Madrinha, no Expresso
quinta-feira, abril 22, 2010
Maybe someday when we're both looking out the window, we'll find each other.
Entraram como um ariete pelo peito um do outro. Foram a Viena ver o Klimt, porque ela gostava muito. Do beijo dele também. A Amesterdão ver o Van Gogh, os girassóis todos. Foram apanhar vento à Ericeira, ao Alentejo contar estrelas. Foram a Roma colocar um cadeado num candelabro. Juras de amor, como os adolescentes. E à Tailândia pedir a Buda para ser para sempre. Voaram para os Açores, aterraram numa casa no Pico em frente ao mar, amaram mil vezes por dia. Leram poesia em voz alta no colo um do outro. E foram a Londres e a Paris. E à Índia. Porque o que queriam era viajar juntos. Deram a volta ao mundo em muito menos de 80 dias. Mas de mãos dadas. Estavam nas nuvens, não olhavam para baixo, nada os faria cair. E sorriam, sorriam sempre, sorrisos tontos, patetas, apaixonados.
Ouviam Malher e Mozart. E cantavam um para o outro. Peter Murphy a confessar: with one look i was yours. Macy Gray a confirmar: i believe that fate has brought us here, and we should be together. Ressuscitavam a Cassia Eller: quero poder jurar que essa paixão jamais será apenas palavras. Leram juntos Camus e Stendhal, Roth e Seth. Colocaram os poetas todos ao serviço daquela paixão que os consumia imprudentemente, porque a prudência, dizia ele, é para os maricas: o Eugénio e a Sophia, o Herberto e o Belo. Ignoravam as incompatibilidades, viam futebol juntos e cinema quase mudo. O do Oriente, o mais belo. Assistiam ao silêncio e ao pôr-do-sol. E tagarelavam sobre tudo. Falavam de lealdade com vaidade, com verdade construíam cumplicidade. Uma ilha. E trocavam fotografias. De tangerinas, de rebuçados, de flores. De corpos nus. Os deles. Fotografias que viam de meia em meia hora. Às vezes, de três em três minutos. Completa, absoluta e radicalmente apaixonados.
E quando não estavam juntos, acordavam a dedilhar os lençóis da cama onde o outro não estava. Esperavam que a noite de ausência acabasse depressa. Desesperavam de saudades. De urgência um do outro. Tinham ataques de ansiedade. Entravam em síndrome de abstinência. Ela acordava de hora a hora a empurrar as horas para ser dia. E de hora a hora, quase sempre encontrava sinais dele. E o dia só começava quando ambos, onde quer que estivessem, acordavam. Ele escolhia os boxers a pensar nela. Ela escolhia tudo a pensar nele. Como um vício, como uma febre dos fenos, com loucura. Parecia tarde para voltarem atrás. Era tarde. Para quase tudo. Também para andarem para a frente. Mas essa fronteira ainda era desconhecida, rejeitada pela pele.
Ele comia ostras como se lhe saboreasse o sexo. Devagar. Ela engolia o vinho como se lhe sugasse o veneno. Depressa. Fósforo e lixa. Tempestade tropical. Corriam na chuva quente, mão na mão, ela encharcada, ele beijava-lhe a face molhada, o corpo molhado. A tremer, a rebentar de desejo. Levantava-lhe o vestido, faziam amor ali, onde calhava. No sofá, no chão, à lareira. A meio da noite. Até ser dia. Deitavam-se na praia, o sol por trás das costas dela enquanto ele a penetrava uma e outra vez. Em câmara lenta. Ela era a cinderela, a princesa, a mulher da vida dele. Ele era o super-herói, o cavaleiro branco, o homem da vida dela. A cereja e o esquilo. Ela pedia-lhe cautela com as palavras. Ele dizia-se acautelado. Escreveram um livro inteiro só com declarações de amor definitivo. Estou apaixonada como poucas vezes na vida, ela. Nunca amei uma mulher como te amo a ti, ele.
Os pés que prometeram manter colados ao chão com cimento ganhavam asas, ficavam leves como plumas, planavam. Nascia-lhes um sentimento de pertença, delicioso e quente, ridículo e injustificado. Não eram um do outro. Ele beijava-a ininterruptamente nos olhos para que os olhos não abrissem, não vissem, cegava-a para que não acordassem daquele sonho. Dizia-lhe que não era preciso saberem todos os nomes de todas as coisas para saberem que nunca mais iriam separar-se. Queriam ter duas vidas, sete como os gatos, mil como os deuses. Uma só não chegava para o tanto que tinham para dar.
Abraçaram-se pela primeira vez na praça de Moscovo. Aquele abraço mudo, inadiável, tão forte, tão sentido. Perfeito. O abraço que muda uma vida. O cheiro fundido, o coração de um a bater no peito do outro. Um hálito a terramoto. E depois os mesmos braços, nus, entrelaçados até às pernas, reflectidos no espelho. Os corpos embaciados, cansados, aturdidos, felizes das voltas na montanha russa. De tocar como se fosse a primeira vez, a última vez, a única vez.
Descobriam-se com alegria e com medo. De se terem e se perderem. Ela queria esquecê-lo desde o início, antes que perdê-lo pudesse doer. Ele dizia-lhe que ia fazer tudo todos os dias para que ela fracassasse nesse esquecimento. Um dia, ela escreveu-lhe uma carta de despedida. Ele não a recebeu, mas acordou a chorar. Não vás embora, pediu-lhe. Morreria se não tivesse rasgado a carta, respondeu-lhe ela, ensinada por ele a perder o medo e a guardar só a alegria. De se terem. Não iam perder-se. Não iam. Não podiam.
A que horas se transforma a carruagem de volta em abóbora?
Cedo. Perderam-se.
Ouviam Malher e Mozart. E cantavam um para o outro. Peter Murphy a confessar: with one look i was yours. Macy Gray a confirmar: i believe that fate has brought us here, and we should be together. Ressuscitavam a Cassia Eller: quero poder jurar que essa paixão jamais será apenas palavras. Leram juntos Camus e Stendhal, Roth e Seth. Colocaram os poetas todos ao serviço daquela paixão que os consumia imprudentemente, porque a prudência, dizia ele, é para os maricas: o Eugénio e a Sophia, o Herberto e o Belo. Ignoravam as incompatibilidades, viam futebol juntos e cinema quase mudo. O do Oriente, o mais belo. Assistiam ao silêncio e ao pôr-do-sol. E tagarelavam sobre tudo. Falavam de lealdade com vaidade, com verdade construíam cumplicidade. Uma ilha. E trocavam fotografias. De tangerinas, de rebuçados, de flores. De corpos nus. Os deles. Fotografias que viam de meia em meia hora. Às vezes, de três em três minutos. Completa, absoluta e radicalmente apaixonados.
E quando não estavam juntos, acordavam a dedilhar os lençóis da cama onde o outro não estava. Esperavam que a noite de ausência acabasse depressa. Desesperavam de saudades. De urgência um do outro. Tinham ataques de ansiedade. Entravam em síndrome de abstinência. Ela acordava de hora a hora a empurrar as horas para ser dia. E de hora a hora, quase sempre encontrava sinais dele. E o dia só começava quando ambos, onde quer que estivessem, acordavam. Ele escolhia os boxers a pensar nela. Ela escolhia tudo a pensar nele. Como um vício, como uma febre dos fenos, com loucura. Parecia tarde para voltarem atrás. Era tarde. Para quase tudo. Também para andarem para a frente. Mas essa fronteira ainda era desconhecida, rejeitada pela pele.
Ele comia ostras como se lhe saboreasse o sexo. Devagar. Ela engolia o vinho como se lhe sugasse o veneno. Depressa. Fósforo e lixa. Tempestade tropical. Corriam na chuva quente, mão na mão, ela encharcada, ele beijava-lhe a face molhada, o corpo molhado. A tremer, a rebentar de desejo. Levantava-lhe o vestido, faziam amor ali, onde calhava. No sofá, no chão, à lareira. A meio da noite. Até ser dia. Deitavam-se na praia, o sol por trás das costas dela enquanto ele a penetrava uma e outra vez. Em câmara lenta. Ela era a cinderela, a princesa, a mulher da vida dele. Ele era o super-herói, o cavaleiro branco, o homem da vida dela. A cereja e o esquilo. Ela pedia-lhe cautela com as palavras. Ele dizia-se acautelado. Escreveram um livro inteiro só com declarações de amor definitivo. Estou apaixonada como poucas vezes na vida, ela. Nunca amei uma mulher como te amo a ti, ele.
Os pés que prometeram manter colados ao chão com cimento ganhavam asas, ficavam leves como plumas, planavam. Nascia-lhes um sentimento de pertença, delicioso e quente, ridículo e injustificado. Não eram um do outro. Ele beijava-a ininterruptamente nos olhos para que os olhos não abrissem, não vissem, cegava-a para que não acordassem daquele sonho. Dizia-lhe que não era preciso saberem todos os nomes de todas as coisas para saberem que nunca mais iriam separar-se. Queriam ter duas vidas, sete como os gatos, mil como os deuses. Uma só não chegava para o tanto que tinham para dar.
Abraçaram-se pela primeira vez na praça de Moscovo. Aquele abraço mudo, inadiável, tão forte, tão sentido. Perfeito. O abraço que muda uma vida. O cheiro fundido, o coração de um a bater no peito do outro. Um hálito a terramoto. E depois os mesmos braços, nus, entrelaçados até às pernas, reflectidos no espelho. Os corpos embaciados, cansados, aturdidos, felizes das voltas na montanha russa. De tocar como se fosse a primeira vez, a última vez, a única vez.
Descobriam-se com alegria e com medo. De se terem e se perderem. Ela queria esquecê-lo desde o início, antes que perdê-lo pudesse doer. Ele dizia-lhe que ia fazer tudo todos os dias para que ela fracassasse nesse esquecimento. Um dia, ela escreveu-lhe uma carta de despedida. Ele não a recebeu, mas acordou a chorar. Não vás embora, pediu-lhe. Morreria se não tivesse rasgado a carta, respondeu-lhe ela, ensinada por ele a perder o medo e a guardar só a alegria. De se terem. Não iam perder-se. Não iam. Não podiam.
A que horas se transforma a carruagem de volta em abóbora?
Cedo. Perderam-se.
quarta-feira, abril 21, 2010
Quem quer morrer de amor?
O amor para sempre, o amor maior, total, irreversível, o amor apaixonado é aquele que, depois de descoberto, não é vivido, não é sujeito à passagem do tempo, aos percalços do caminho, aos caminhos sem trilho. Embalsamando-o, congelando-o no momento daquela explosão inicial, a única em que se arriscam as maiores bebedeiras de palavras e promessas, nunca poderá desgastar-se, esmorecer, morrer. Desde a Idade Média que é assim, que o amor é tratado como coisa impossível, que fere, que mata. Coisa terrível o amor! Só sobrevive matando quem ama. Emoldurado no imaginário, a mais perigosa das prateleiras, porque se autosustenta, mesmo com mil evidências em sentido contrário.
Romeu e Julieta amavam-se - suicidaram-se; ele com veneno, ela com um punhal. Tristão e Isolda amavam-se - morreram; ele assassinado, ela de tristeza. Abelardo e Heloísa amavam-se - morreram apesar de continuarem a respirar; ele foi castrado, ela tornou-se freira. Inês e Pedro amavam-se - morreram; ela assassinada, ele juntou-se-lhe pouco depois. Dom Quixote e Dulcineia amavam-se; não morreram porque já estavam mortos, Dulcineia nunca existiu. Werther e Carlota amavam-se. Ou ele amava-a pelo menos, e suicidou-se. A lista é interminável e invariavelmente trágica. Todos se amavam perdidamente, loucamente e para sempre. E, no entanto, nunca nenhum experimentou o amor para lá do que ele tem de etéreo, de intangível, de desejo do que poderia ser. Porque o que realmente prende no amor grande é o que comove. E o que comove não é a felicidade; é a impossibilidade, a dor, a dificuldade, a interdição. É a saudade que nunca poderá cumprir-se. Porque o amor é sempre projecção, quase sempre de um ideal. Tem mais a ver com o sujeito que ama do que com o objecto amado. Por isso é que arrebata no início, no desconhecido, e não no meio, quando a realidade já desbotou as cores ao sonho.
Algum dia alguém terá coragem de dizer isto bem alto: séculos e séculos de lendas e mentiras na literatura privaram gerações inteiras da felicidade. O amor morre. Como tudo o resto. E morre quase sempre antes de quem amou. E a inevitabilidade da morte não lhe retira grandeza. Mesmo que morra pouco depois de ter nascido. O amor, a medir-se, não é no tempo que dura; é no que aconteceu enquanto durou. Talvez se as lendas fossem queimadas, abolidas de uma vez por todas, as pessoas deixassem definitivamente se tratar o Amor como uma SA que não pode falir e tem de dar lucro, aconteça o que acontecer. Mesmo se entretanto se esqueceram da razão pela qual a constituíram.
“Trocámos mais beijos do que palavras de sabedoria e cada vez mais minhas mãos buscavam seus seios em vez das páginas dos livros. E bem mais do que a escrita, nós líamos nossos olhos”. Abelairo.
terça-feira, abril 20, 2010
Sophia e Sena: Correspondência 1959/1978
Será terrivelmente injusto, mas li a correspondência entre a Sophia e o Sena quase com uma única imagem na cabeça: a imagem da banda desenhada de David Lynch - the angriest dog in the world. É a imagem que me fica do homem que escreveu: "É nesta mesma rua que eu ouço todos os sonhos passar desfeitos". A imagem de um homem que morreu de amor. Não por amor a uma mulher, mas a uma nação. Que o não amava. Portugal. E que ele não suportava, porque não aguentava viver sem a sua admiração, sem a sua aceitação. E sobretudo sem a sua ambição. E que o transformou num cão zangado, amargurado, insolente, insuflado. E exilado. Um homem em permanente conflito interno, desprovido de apetite por um país que não conseguia odiar em paz. E tal como nas vinhetas de Lynch, ao longo dos anos muda tudo, os refúgios e as funções, menos a sua ira, que será no fundo apenas um profundo desgosto. O desgosto de ter nascido cedo num país que o percebeu (?) tarde demais. E que o acorrentou numa raiva desmedida. Na solidão. E o matou. Tinha 59 anos.
Depois, essa imagem, quase tóxica, esbate-se, dilui-se, esboroa-se na luz quase auto-alheada das cartas-poesia de Sophia. O país não lhe passava ao lado, a mediocridade, sobretudo inter-pares, a pequenez, os espartilhos, "o deserto intelectual", nada do que afectava Sena a deixava a ela indiferente. Mas o olhar dela centrava-se, como toda a sua poesia ilustra, no que estava muito para lá ou acima disso. Dona de uma excepcional competência para se deixar encantar. Pelas árvores, pelo mar, pelo sol, pelas "pedras, pinhas, resinas, água e luz". Ninguém como ela consegue daquela forma dar cor às cidades, como se fossem aguarelas de palavras. A Atenas azul: "Foi como se eu me despedisse de todos os meus desencontros, todas as minhas feridas e acordasse no primeiro dia da criação num lugar desde sempre pressentido"; Berlim "de euforia luna-park"; Roma, "num misto de nostalgia e perfeição, numa beleza que tem dentro de si uma falha secreta"; Rio de Janeiro, "de madrugada roxa, o calor roxo, o perfume roxo da terra, fruta, flor", Nova Iorque, "irmã da imaginação".
A correspondência é um exercício sério de amizade. Eles lêem-se, criticam-se, discordam. E conspiram. E protegem-se. Sena não resiste ao permanente auto-elogio; ela entrega-se a uma discrição de uma elegância sem nome. E é também um íntimo exercício de saudade à prova de bolor. Sobre o retrato social, histórico e moral de um Portugal que percorre 19 anos, de 1959 a 1978, com uma revolução pelo meio, tenho algumas dúvidas. Com excepção das referências à PIDE, ou por isso mesmo, fica quase tudo por dizer.
segunda-feira, abril 19, 2010
O amor antes da maioridade XI
Nunca escrevi a ninguém que amasse dentro de um avião.
É como se fosses aqui.
Fiquei ciente de que és uma provocadora.
De que és boa em matemática.
E que me fazes falta...
Mais que tudo, a minha imagem de ti vem-me da tua escrita.
É o que tenho de mais nítido.
Em que te vejo menina ou mulher.
Em que tanto te aninhas no meu colo,
como me fazes perguntas duras como aço.
Depois, vejo os teus olhos.
Interrogativos.
Profundos,
capazes de ler muito para além do que digo.
A luz do sol bate neles e ficam doces da cor de mel.
E com água...
O teu cabelo,
a acender um pôr-do-sol onde quer que estejas.
A tua boca.
Os teus lábios à procura dos meus.
As tuas mãos. Adoro as tuas mãos.
Tens razão: tenho a mania das mãos e dos pés.
sexta-feira, abril 16, 2010
Ana Teresa Pereira: Se nos encontramos de novo
Mesmo quem nunca teve coragem para ler a Ana Karenine, saberá de cor a primeira frase dessa obra emblemática, dizem, de Tolstoi: "As famílias felizes parecem-se todas; as famílias infelizes são-no cada uma à sua maneira." Eu também ainda não tive coragem para ler o livro e também sei de cor a frase - e também a acho genial. Mas prefiro outros inícios. Prefiro os inícios, alguns, de Ana Teresa Pereira. Prefiro o início de "Se nos encontrarmos de novo": "Talvez seja possível amar uma mulher por causa de um livro, de um poema sublinhado, de um filme a preto e branco, de uma casa, do olhar de um homem quando fala dela, da forma como o seu cão a espera. Da reprodução de um Mondrian na parede da sala."
Mesmo quem nunca leu José Luís Peixoto e só consegue vagamente identificar-lhe a face, achou que podia escandalizar-se quando o primeiro-ministro deste país não reconheceu aquele que é hoje uma das mais cumpridas promessas da literatura portuguesa contemporânea. A pergunta dirigida por José Sócrates ao escritor na celebração dos cem dias deste Governo, em Fevereiro - "Como é que você disse que se chamava? Jorge?" - ficou quase tão célebre como algumas citações dos clássicos. Não reconhecer o rosto de um escritor tem muito que se lhe diga - mas pode dizer mais do escritor do que do leitor. Eu nunca saberia reconhecer Ana Teresa Pereira. Ignoro-lhe por completo a cara. E no entanto é isso, também, que ajuda a que essa mulher madeirense seja o misterioso e terrível fenómeno solar que é. Uma escritora com uma obra superlativamente bela de que só muito de vez em quando se ouve falar.
A sua obra é a história, quem sabe se autobiográfica, da alma. E é uma história de amor pela arte: Mondrian, Rothko, Bonnard, Rembradt, Rublev, Van Gogh, Monet, Degas, Ticiano, Turner, os impressionistas todos da pintura; Iris Murdoch em primeiríssimo lugar, mas também Henry James, Emily Bronte, Ibsen, Rupert Brooke, Rilke, Charles Dickens na literatura. Livros e quadros. Sempre. Bach, Mozart, Haydn, Pizzetti na música; Vincente Minnelli, Tarkovsky, Sokurov, Ingrid Bergman, Katherine Hepburn, Robert Mitchum no cinema. A lista é exaustiva, precisa, sugestiva, minuciosa.
"Se nos encontrarmos de novo" é isto tudo. Mas é mais. É uma história de Amor, claro. E da impossibilidade do amor. Ou do amor que nasce quando o resto morre. É sobre o que fazer com ele, com esse amor, quando tudo renasce. E ressuscita por causa dele. "Um amor que só precisa da presença do outro para existir". É uma história de demónios, de fantasmas, de monstros que amam demasiado para poderem ser santos, de medos expiados a meio da noite, no meio da praia, "com um mapa nos joelhos para não nos perdermos", de setas de papel enviadas para ninguém, "setas atiradas para afastar o medo", de torres, reinos, contos de fadas e castelos de areia. É cheio de contradições. Como a vida.
É sobre os encontros que nos mudam a existência. "Podemos chamar alguém com tanta força, mesmo sem o sabermos, que essa pessoa vem do outro lado do mundo ao nosso encontro. E a nossa vida é feita desses encontros." E de como ficam inacabados, incompletos. E como, se calhar, só podem fazer sentido porque ficam assim, interrompidos. É sobre o que continua depois de desaparecer. É sobre "morrer procurando". É sobre o primeiro amor ser o último. E o último o único. "Vivemos fechados no nosso mundo, e um dia descobrimos que existe mais alguém, é isso apaixonar-se, tomar consciência da realidade de alguém além de nós. Sair da caverna e descobrir o mundo". É sobre ter alguém à nossa espera quando se regressa do inferno. E isso ser um milagre. É sobre ter procurado alguém a vida inteira, amá-lo ainda antes de o ver e depois isso ser mesmo verdade, ele existir mesmo. "É uma coisa terrível cair nas mãos de um deus vivo". É sobre "as lágrimas das coisas", o sofrimento, a vulnerabilidade. O caminho, de que "o amor e a perda fazem parte".
Ashley e Byrne. Ashley e Tom. Ashley e Ed. Ashley e Kevin. Ashley e... É sobre o imenso labirinto até se encontrar a saída, quando há saída. "Todos os caminhos são caminhos solitários, todas as procuras são procuras solitárias. Mas há os encontros que temos ao longo do caminho, e esses encontros são fundamentais, podem fazer-nos ir mais longe. Podem fazer-nos perder o rumo."
"Seria quase um milagre estarem juntos outra vez, encontrarem-se de novo. Se nos encontrarmos de novo, disse Ashley para si mesma, então poderemos sorrir." Era um bilhete de despedida. É sobre ter valido a pena, mesmo quando já nada parecia valer nada. "Eu estou apaixonada, como se fosse o princípio de qualquer coisa. E pratiquei a morte todos os dias da minha vida. E todas as vidas ficam inacabadas."
"If we do meet again, why, we shall smile."
(Júlio César)
quinta-feira, abril 15, 2010
[Nan Goldin]
"Assim é a vida. É um rio de lágrimas, de brados, de mistério. A onda turva põe as mais fundas raízes à mostra, a torrente leva consigo de roldão a desgraça e o riso; sem cessar carreia este terriço humano para uma praia, onde as mãos esquálidas dos que sofreram encontram enfim a mão que os ampara, onde os olhos dos pobres, que se fartaram de chorar, ficam atónitos diante da madrugada eterna, onde todo o sonho se converte em realidade..."
Raul Brandão in Os Pobres
Raul Brandão in Os Pobres
quarta-feira, abril 14, 2010
STUPID IS THE RELENTLESS PURSUIT OF A REGRET-FREE LIFE. The world is full of smart people. Ask around. There are all kinds of people doing all kinds of smart things with other smart people, each one smarter than the last. That is smart. WE'RE WITH STUPIDS. Smarts may have the brains, stupids has the balls. SMARTS MAY HAVE THE PLANS, BUT STUPIDS HAS THE STORIES. Smarts may have the autority, but stupid has once hell of a hangover. To be stupid is to be brave. When you risk something, that’s stupid. It’s not smart to take risks. It’s stupid. Stupid stands alone. Smart hides within the safety of huddled masses. The stupid aren’t afraid to fail. Why? Because they're stupid. Smart critiques, stupid creates. If you want to do something that’s never been done before, don’t go to the guy with the spreadsheet and the blueprints — go to the guy with the imagination and the weed. You can't out smart stupid. THE STUPID ARE THE ONLY ONES BRAVE ENOUGH TO DO WHAT NO ONE IN THEIR RIGHT MIND WOULD DO. THE STUPID, YOU SEE, KNOW THERE ARE WORSE THINGS THAN FAILURE — LIKE NOT EVEN TRYING. BUT TRY THEY DO,TALLYING UP THE IMPOSSIBLE ODDS AND GOING AHEAD AND DOING IT ANYWAY. STUPID IS THAT SOMETHING GREATER. Stupid is that uncertain thing that might go wrong still. Stupid is STORMING the Bastille and throwing open the jail cell doors. Stupid is the idea of networking every computer, everywhere. Stupid is hopping the night train to Prague with 17 Euros in your pocket. Stupid is actually going up and talking to that girl at the end of the bar rather than just talking to your buddy about how you should go talk to that girl at the end of the bar. Stupid is singing songs about Mordor. Stupid is jumping the Snake River Canyon on your glorifi ed crotch rocket. Stupid is deciding to drop out of university so that you better build shit in your parent’s garage. Stupid is still pursuing the electric car dream some 118 years later after it began. Stupid was the fi rst notion that maybe you didn’t have to paint things how they looked, but how they made you feel. Stupid was the idea of building a transcontinental railroad where no people, let alone towns, even existed. Stupid is wreaking havoc with your typeface to the point of illegibility. Stupid is the first guy who realized you could extract and synthesize the humble coca leaf in to a fine, white snortable powder. Stupid is concerning yourself with defending the innocent presumed guilty. Stupid was the very first realization of the bikini. Stupid was thinking beyond the position missionary. Stupid is setting boot to moon dust. Stupid is accepting the last-minute invitation out even though you could really use the sleep.
STUPID IS WHISTLING WHILE YOU WORK. Doing is deceptively simple: BEING STUPID MEANS LISTENING TO YOUR HEART VERSUS LISTENING TO YOUR HEAD. LISTENING TO YOUR HEART IS HARD. YOUR HEART SAYS ‘YES’ AND YOUR HEAD SAYS ‘NO.’ YOUR HEAD ALMOST ALWAYS SAYS ‘NO.’ Say ‘no’ and you stay in your climate-controlled, hermetically-sealed comfort zone full of hundreds of channels, none of them showing a damn thing good. Say ‘yes’ and you might have to actually get out there and do something. Only by ignoring the chorus of ‘don’t’s, ‘can’t’s and ‘won’t’s can you come up with something wholly and completely unique. Sometimes that’s just a wholly and completely unique way to fail, but at least it’s something. Getting your ass kicked by the tag team of trial and error? Now this way goodness lies. Happy Accidents. Unintentional Consequences. Penicillin. Put another way, if you succeed right out of the gate, you probably weren’t trying hard enough. If at first you don’t fail — try, try, try again. BECAUSE THE FACT IS, IF WE DIDN’T HAVE STUPID THOUGHTS WE’D HAVE NO INTERESTING THOUGHTS AT ALL. But don’t get us wrong: STUPID AIN’T DUMB.
We’re asking you to turn against all your pre-programmed, screaming DNA directs you to be. We get it. People have fear. People have fear for a reason. After all, being stupid isn’t all it’s cracked up to be. Not only is failure an option, it’s pretty much a given. Sucks for you. The trick is just not fearing it. Or fearing it, but not letting on that you’re absolutely, positively terrified. Like the way you do with scorpions and handles on public toilets. But sometimes the reason for that fear doesn’t always make sense – not when the reward is so great and the risk is so (relatively) small. Sure, you might get hurt. But you might not. Or you might get hurt and getting hurt might be the best thing that ever happened to you. Getting hurt just might be the thing that makes you gnash your teeth and gird your loins and do the heretofore undoable — fighting back against That Wretched Unknown. Only then will you discover that That Wretched Unknown often cowers like a pussy.
The next time you desire to act but there is that automatic, omnipresent and looming voice of self-doubt booming forth telling you, DO. “DON’T BE STUPID,” GET HURT. Enjoy a good fail now and again. Accept that there is no such thing as an original idea and then go inadvertently stumble upon some. BE STUPID!
terça-feira, abril 13, 2010
Casa vazia
Chegou a casa pouco depois do entardecer. A casa vazia, muda e às escuras. Tal e qual como ela se sentia: vazia, muda e às escuras. Sentia-se como se tivesse acabado de ser desalojada de um lugar do qual se apropriara indevidamente. E tinha. Apropriado e sido desalojada. Nova mensagem no telemóvel. Não, nada de especial. Mensagem a recordar o jantar, o mundo lá fora, a vida a continuar. Impossibilidade terrível uma vida que continua quando devia cessar. Pediu para começarem sem ela. E deixou-se cair na cama. Chorou até esgotar a última lágrima abraçada aos poemas. Releu todos outra vez, pela milésima vez, como quem ata uma corda áspera à garganta até perder o ar. Até deixar de doer. Não perdeu o ar e aquilo ainda lhe doía quando acordou. Tanto! Sabia lá que poderia ser assim tanto!... Ela não lhe entregara o corpo; consagrara-lhe o coração. E ele deixou-o cair.
segunda-feira, abril 12, 2010
sábado, abril 10, 2010
Han Suyin: A colina da saudade
"Era a pausa depois do amor. Estávamos estendidos entre as altas ervas, na encosta da colina, aquecidos por um generoso sol. O céu, por sobre as nossas cabeças, estendia-se até ao infinito. Rochas de granito, fetos e mirto anão por todos os lados nos envolviam. E o mar azul, enrugado, solitário, sem uma única vela na infindável tarde primaveril começava mesmo ali, no sopé da colina. Falávamos calmamente, libertos de nós próprios. Palavras prudentes, circunspectas. Falávamos daquilo que nesse momento não tinha poder para nos causar sofrimento. Lucidamente especulávamos sobre a ausência, sobre a nossa separação, sobre os nossos universos que se fragmentavam mais e mais. Em nossas vozes desincarnadas e calmas assumíamos a palavra que só emerge nos humanos após o amor.
«Pode ser que venha a escrever alguma coisa a teu respeito, mas não por agora. Neste momento a alegria que há dentro de mim é tão grande que me contento em vivê-la; o saber-te sempre presente em mim enche-me de alegria. Se tu me deixasses, então talvez, e mesmo por outra razão, talvez pudesse escrever um livro a teu respeito (...). Desenterrarei todas as minhas recordações, porque sou uma profanadora nata. E fá-lo-ei antes que o amor que te tenho desapareça tão inelutavelmente como a maré que deixa a praia molhada, juncada de inúteis destroços, antes que a natureza implacável feche a ferida que me tiveres feito e falsifique a emoção das palavras que tivermos pronunciado. Antes que me seja preciso reabrir as cicatrizes para fazer verter sangue, essas insensíveis cicatrizes da tristeza e da alegria. Contarei como nos amámos e como lutámos para não sermos destruídos pelos pequenos nadas da existência. E como ele nos destruíram e como nós os esquecemos. Tal como toda a gente. Porque somos, nem mais nem menos que quaisquer outros amantes efémeros e imperfeitos num mundo eternamente inconstante.»
«Que retórica!", disse Marco. «Achas então que os outros sentem na sua carne tanto prazer e tanta felicidade como nós? Pensas seriamente que um tal amor possa ter fim? Pois eu não, não creio.» E olhou à sua volta, como se procurasse confirmação. Mas nada havia senão mirtos, altas ervas, fetos, a encosta, o mar, e nós, dourados pelo sol que nos banhava.
«Querido amor, mesmo as horríveis gentes barrigudas deste mundo supõem amar como nós e também para sempre. Todos os amantes têm a mesma ilusão; supõem-se, a si, únicos e as suas palavras imortais.»
«Talvez não passe de uma ilusão», concordou Marco, «mas é a única verdade que tu e eu possuímos. Por conseguinte gozemo-la enquanto pudermos. Porque também pode ser, bem-amada, que tenhamos pouco tempo - muito pouco tempo - para nos amarmos.»
quarta-feira, abril 07, 2010
A lua
"Ontem a lua soltou-se, declinou e caiu fora do cenário - que perda incrível; parte-se-me o coração só de pensar nisso. Não há coisa alguma, na ordem dos ornamentos e decorações, comparável à sua beleza e acabamento. Devia estar mais bem presa. Se ao menos a pudéssemos ter de volta...
Mas claro que ninguém sabe para onde é que ela foi. Para além disso, quem quer que a apanhe esconde-a; sei-o porque é o que eu própria faria. Acho que sei ser honesta em todos os assuntos, mas já começo a perceber que o centro e o núcleo da minha natureza é o amor belo, a paixão do belo, e que não seria seguro confiarem-me a lua que pertencesse a outra pessoa, se essa pessoa não soubesse que eu a tinha.
Poderia desistir de uma lua que encontrasse à luz do dia, por causa do medo de que alguém me estivesse a observar; mas se a encontrasse no escuro, tenho a certeza que acharia algum tipo de justificação para não contar a ninguém. Porque eu amo luas, são tão bonitas e românticas. Oxalá tivéssemos cinco ou seis; nunca iria para a cama; nunca me cansaria de as mirar, deitadinha no musgo..."
Mark Twain in Os diários de Adão e Eva
terça-feira, abril 06, 2010
Stendhal: O vermelho e o negro
Ele bem dizia que seria compreendido em 1900! Em 1900, fim do século XIX?! Em 2010, em pleno século XXI! Dirá bem do livro, mas muito, muito mal de nós. "O vermelho e o negro" foi escrito há 180 anos; poderia ter sido escrito hoje de manhã. É o retrato fidelíssimo de uma sociedade cuja ambição, de tão cega, substitui as escadas pelo elevador. O retrato de uma sociedade separada por corredores intransponíveis, e cujas aparências são tudo, mesmo quando traídas pelo fervor da paixão. O livro de Henry Beyle, verdadeiro nome do senhor, não é sobre a sociedade parisiense; é sobre o mundo quase todo. O dito desenvolvido, pelo menos. Não chorei no fim, como me tinham garantido, porque desde o início não empatizei com Julien Sorel, mas, sem querer exagerar, este é bem capaz de ser um dos melhores livros que alguma vez li.
"Não é o amor que se encarrega da fortuna dos jovens dotados de talento como Julien; prendem-se com um abraço invencível a um grupo e, quando este triunfa, tudo o que há de bom na sociedade chove sobre ele. Desgraçado do homem de estudo que não pertence a grupo algum; censurar-lhe-ão até os pequenos êxitos bastante incertos, a alta virtude triunfará roubando-o. Senhor, um romance é um espelho que se passeia ao longo de uma estrada. Tão depressa reflecte aos nossos olhos o azul dos céus como a lama dos lamaçais da estrada. E o homem que leva o espelho no seu alforge será por vós acusado de ser imoral! O seu espelho reflecte a alma, e vós acusais o espelho. Acusai antes o caminho onde está o lamaçal, e mais ainda o inspector das estradas que deixa empoçar a água e formar o lamaçal..."
sábado, abril 03, 2010
Stuck
Esta rapariga anda zangada com o mundo. E, pelos vistos, sem dinheiro. Pôs-se a cantar para espantar os males. A música, Stuck, é de fugir. Mas a letra é de ficar. Um bocadinho, vá. E que não fosse! Lindsay Lohan, como se sabe, neste blogue, pode tudo. We love her!
I wasn't looking but I found you,
I wasn't ready but you got me anyway,
I wasn't looking but I had to
And now it seems like I can't never look away
I'm going down down down
I'm not myself when you are around
Not matter what I do
It's too fast, too slow
This won't last but I should go
But I can't help it
I can't, I am stuck stuck stuck
I can try to run but I am out of luck,
It doesn't matter where I go, I feel stuck,
Sticky fingers, sticky hands, sticky…
I'm stuck stuck stuck
And I ain't going I'm stuck
I didn't listen but I heard you
I wasn't there and yet you swept me off my feet
And there is no one I can turn to
Yeah, I can run but you have got me on the peak,
I'm not okay,
Once again my heart got in the way,
Not matter what I do
It's too wrong, too right
Try to reason, tried to fight
But I can't help it
I can't, I'm stuck stuck stuck!!!
Em contra-ciclo, as usual...
A maior parte das pessoas, se soubesse o que sabe hoje, teria feito tudo ao contrário. E se o tempo pudesse andar para trás, ficaria feliz com a inóspita possibilidade de trilhar um caminho diferente. Mas, sobretudo, claro, com a possibilidade de repetir a juventude, que é sempre tão esplendorosa e imaculada... quando vista à distância. A maior parte das pessoas, se pudesse, ofereceria de bom grado a alma ao diabo para ter 18 anos a vida inteira, pele esticada, bíceps no lugar, no peito as ambições todas ainda por vir: a carreira, o poder, o prestígio, o luxo, as casas, os carros, tudo no plural, tudo o que a sociedade nos formatou para desejarmos. A felicidade na proporção do que o dinheiro pode comprar. O mundo inteiro na palma da mão. De preferência, com uma legião de lacaios por perto, naturalmente.
Não sabendo nada do hoje move a maioria, eu daria tudo (menos a alma) para ter já 60 anos, usar chapéu de palha ao nascer do dia, ter só dois vestidos no armário, pés descalços ao entardecer, retirar-me tranquilamente deste circo e viver o resto dos dias numa casa de pescador no Alentejo rodeada de livros e pessoas, poucas, que não sabem o que são gadgets, nem ferramentas topo de gama, nem redes sociais, nem trampolins profissionais, nem atropelos e afins. Viver só do que dinheiro nenhum pode comprar. O céu inteiro na palma da mão. De preferência, com uma legião de estrelas por cima. Cadentes também, naturalmente.
sexta-feira, abril 02, 2010
"There is no goodbye, Chunky Rice."
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