Tropeçar três vezes seguidas em três homens de 53 anos não é coincidência que possa ignorar-se. E das três vezes perder, rendida, as horas na conversa, menos ainda. Um médico, um músico, um escritor, dois divorciados, um homossexual. Pouco depois, voltar a tropeçar noutro. Outro médico. 53 também, juro. Casado. E voltar a acontecer o mesmo. Conversas intermináveis, dia fora, noite dentro, cheias. Era impossível não ficar a pensar naquilo, nisto. Nada de súbitas pulsões sexuais nabokovianas (mas ao contrário) sobre as quais os Freuds da mesa de café adorariam teorizar. Apenas pensar no que são hoje esses (estes?) homens com meio século e 36 meses no lombo. Se como apregoam por aí aos quatro ventos, os 30 anos são os novos 20, os 50 têm necessariamente que ser os novos 40?
Os homens que têm hoje 53 anos teriam atingido a maioridade em 1974 se nessa altura a maioridade fosse aos 18 anos, o que só aconteceu em 77, e não aos 21. Os que já trabalhavam tiveram, pela primeira vez, acesso ao salário mínimo nacional: 3300 escudos. Muito pouco, quase nada, se considerarmos que durante vários anos o poder de compra manteve-se em níveis negativos. Os outros tinham as universidades, infinitamente menos cursos do que hoje, e quase todos de humanidades. E tinham a emigração, quanto mais não fosse no Verão. Pois se até Sócrates ia vindimar para França nas férias...
Assistiram ao lançamento do último disco ao vivo da carreira de Elvis Presley, um fiasco. E ao início da sua decadência. Não é boa memória para se guardar aos 18 anos do Rei do Rock. Mas talvez esses homens andassem mais entretidos com as músicas da Revolução, com os Beatles ou com um rock mais pujante: SexPistols? Led Zeppelin?. Os homens que têm hoje 53 anos às tantas são responsáveis pela queda de vendas de Elvis. Compravam vinis pelo correio, actualizavam-se em revistas estrangeiras, que também pouco chegavam cá. Viam cinema no Cinema. Aposto que não há um único que não tenha visto "Tubarão" de Spielberg e os Kubricks todos e todos os Padrinhos de Coppola. E muita pornografia à-la-Pop-Art. Era o que se podia arranjar.
Os homens que têm agora 53 anos sonharam com mulheres que Portugal não tinha. Sexo, drogas e rock'n'roll. Viveram a adolescência e a juventude sem saber o que era a Sida e o que eram preservativos. Se perderam a cabeça, (estes) salvaram-se. Hão-de ter tido os pais casados até à morte, frequentado a catequese e a missa ao domingo. Muitos hão-de ter começado a consumir drogas. Seguramente hão-de lembrar-se das primeiras calças de ganga que compraram. Do primeiro fato e da primeira gravata.
Os homens que têm hoje 53 anos, tinham 30 em 1986. Naturalmente já votavam. E votar ainda era um direito prezado, de que ninguém abdicava por uma tarde de praia. Hão-de ter-se dividido entre aqueles que votaram Freitas do Amaral e perderam e os que votaram Mário Soares e ganharam. Entre os que aplaudiram a adesão de Portugal à União Europeia e os que abominaram.
Adiante. Os homens que têm hoje 53 anos são cavalheiros à moda antiga. Sabem que não há nada que façam que uma mulher, para o bem e para o mal, não seja capaz de fazer também, mas sabem equilibrar o trato entre a consciência disso e o secreto desejo que uma mulher sempre tem de ser tratada como mulher. Seja lá isso o que for, eles sabem como se faz. Sabem falar de política, do Verão Quente, da Thatcher e da Pintasilgo, de livros, de filmes, de música sem a pretensão de ostentar o que sabem, falar sabendo que talvez o outro não saiba, mas explicando tudo discretamente como se outro soubesse tudo para que não se atrapalhe e se perca. E sabem falar de coisas simples, dos pequenos nadas da vida e não propriamente do que está na berra. Têm paciência, tempo, sabem ouvir e entender tudo, mesmo o que se não diz ou diz ao contrário. Têm sempre a frase certa. O silêncio acertado.
Os homens bonitos que hoje são homens com 53 anos não pensam neles dessa forma. Como bonitos ou feios. Não jogam (os maus não contam), não seduzem, não encaram todas as mulheres como presas sem critério. Não assassinam amizades com o sexo oposto quando o desfecho não era o esperado. A meio da vida deixaram de correr sabe-se lá para chegar onde, mas não estacionaram à sombra da bananeira. Ususfruem do tempo, do aqui e agora. Vivem mais a compreender e a assimilar do que a ajuizar e a condenar. São sensíveis, quase poéticos. Deixaram de ter medo de não serem os maiores, os mais fortes, os que têm mais graça. São civilizados.
Os homens que hoje têm 53 anos (estes?) aos 18, aos 25, 30 não deviam ter piada nenhuma. Insuportavelmente iguais a todos os outros. Às tantas, os homens só deixam de ser todos iguais quando começam a envelhecer.
Miguel Esteves Cardoso, numa entrevista a Carlos Vaz Marques, em Outubro do ano passado, disse que há uma idade para tudo. "A grande coisa a partir dos 50 anos é a experiência, a sabedoria, não é ter jeito, ser excitante ou ter graça. É ser sábio. Ser sábio é poder olhar para as coisas e poder dizer: isto não tem graça mas tem o seu lugar". É isto.
Helena
ResponderEliminar"Os homens que hoje têm 53 anos (estes?) aos 18, aos 25, 30 não deviam ter piada nenhuma. Insuportavelmente iguais a todos os outros. Às tantas, os homens só deixam de ser todos iguais quando começam a envelhecer."
Os homens de todas as idades, como todas as pessoas de todas as idades, nunca foram suportável ou insuportavelmente iguais os aos outros, o que são e foram é, quase todos e quase todas, insuportavelmente igualmente desinteressantes, antes dos 53, como com 53, ou após os 53.
Felizmente (ou infelizmente) não sou igual aos outros homens de 53 anos, como nunca fui com 20, 30 ou 40, iguais aos homens que como eu agora tem também 53 anos.
Com todos os outros tenho apenas em comum o ser, sempre ter sido, insuportavelmente desinteressante para todas aqueles e aquelas que nunca viram em mim (ou nos outros) qualquer ponta de interesse...
Com todos os outros, tenho também em comum, o ser (ou ter sido) extremamente interessante para os poucos (as poucas) que nos acham interessantes.
Achei interessante a coincidência dos 53, mas se calhar funcionava igual com 52 ou 54, como com 27 ou 80 e tal...
Gostei de ler, há dias, a sua entrada sobre Mário Soares, mas esse, ... nunca teve idade?
AM
53 é uma idade bonita, e com certeza peculiar, como cada qual o é... talvez a magia de carregar ainda o romantismo, mas mesclado com renovação e liberdade, mesclando gerações muito diferentes...
ResponderEliminarMas acredito que aqueles que são interessantes aos 53 anos, também o fora aos 20 ou 30, ao seu modo...