terça-feira, abril 28, 2009

Do desejo transformado

[Foto do JPN]


Cicciolina irrompe, fresca e luminosa, pelo palco do Congresso onde o mote para a conversa é o desejo e nós pensamos: “Não pode ter 57anos!“ O rosto liso, lisinho, vestido floral a moldar-lhe as curvas, perfeitas, os olhos sublinhados com lápis verde de brilho, saltos agulha rosa bebé a darem-lhe altura. Nas mãos, uma joaninha de peluche. Verificámos a biografia mal saímos dali: 57 anos e cinco meses. A italiana não é a única ali a enganar a máquina do tempo.

No Seminário de Vilar, no Porto, local escolhido pela Associação Espaço T para reunir todos os que quisessem ficar a saber mais sobre as infinitas variáveis do verbo desejar – nos últimos dois dias passaram por ali mais de 40 congressistas e muito mais de 300 pessoas –, ao lado da ex-actriz pornográfica esteve Cindy Jackson. A americana do Ohio, 53 anos igualmente indecifráveis, seria mulher comum se não tivesse sujeitado o corpo a mais de 40 plásticas, um recorde mundial.

Ambas partilharam o desejo do sonho americano que, cumprido, permitiu-lhe driblar o destino. “Sei que não é politicamente correcto dizer isto, mas uma imagem sofisticada protege-nos do juízo de valor que os outros sempre fazem quando olham para nós”, afirmou Cindy, louríssima, cinta tão fina como a de Barbie, a boneca que lhe despoletou os sonhos quando, em tenra idade, ainda sofria com a sua impopularidade na escola. Essa mesma boneca que o pai lhe ofereceu aos seis anos, cognome pelo qual ainda hoje é conhecida. "Barbie humana". Odeia. "Compararem-me com uma boneca é insultuoso. Lutei muito para ter o que tenho", explicou.

“Mudei o meu destino porque mudei a minha anatomia”, insistiu. “Hoje, tenho uma carreira, escrevi livros, viajo pelo mundo”.

Cicciolina não falou das plásticas que seguramente também já terá feito, mas do seu percurso na indústria pornográfica, que classificou como “um belo período de divertimento”. Natural da Hungria – italiana via casamento –, nascida no seio de uma família pobre, a mulher cujo nome verdadeiro é Anna Ilona Staller, faz o seguinte balanço da sua vida: “Tudo somado, sou uma pessoa muito feliz. Não me arrependo de nada. Ganhei muito dinheiro – 250 mil euros por filme – e tive prazer em muitos deles: com mulheres, com homens, em grupo, com japoneses, franceses... Mas nenhum prazer é comparável ao que se sente quando existe amor. Aí, a sensualidade é mental, não é física.”

Fala do seu protagonismo pornográfico com candura; a mesma que usa para explicar por que razão enveredou por aí (da aventura política no parlamento italiano não falou): “Um dia, já era conhecida na rádio e na televisão, um amigo perguntou-me se queria experimentar a pornografia: Pensei: “Ser porno star? Porque não?” Hoje, afirmou, sublinhou e repetiu, a sua maior fonte de prazer é o filho, adolescente. “Sou feliz porque vivo para ele”.

Com duas mulheres deste calibre não poderia ser fácil para qualquer outro congressista partilhar a sua tese sobre o desejo, excepto se fossem Miguel Stanley, o dentista mais famoso do país a fazer o elogio da saúde em detrimento da estética, embora o compreenda e respeite. E Adelino Ferreira, delegado regional do Instituto da Droga e Toxicodependência, que alertou para actual “incapacidade de tolerar a espera” que faz com que a maioria das pessoas procure sempre soluções “num remédio externo”. "Estamos a criar uma sociedade toxígena".

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