Se não servir para mais nada, o caso Freeport serviu para unir, ainda que só momentaneamente, a comunicação social. Todos citam todos: o Público faz trabalho de fundo com os trabalhos da Visão e da Sábado; o Expresso - pasme-se! - cita o Sol; a TVI pede imagens emprestadas à RTP da entrevista da procuradora Cândida Almeida; a RTP pede imagens emprestadas à SIC da entrevista de Pedro Sousa Silva a Mário Crespo; a SIC pede imagens emprestadas à TVI da entrevista do tio de Sócrates a Manuela Moura Guedes e por aí fora... É quase bonito!
sábado, janeiro 31, 2009
Slumdog millionaire
Já toda a gente o disse, e é verdade: a tradução do título dos filmes em Portugal seria cómica se não fosse tão medíocre. A tradução de "Slumdog Millionaire" para "Quem quer ser bilionário", quando o próprio nome do concurso que sustenta o filme é "Quem quer ser milionário", é ridícula. Adiante.
Mais importante: o filme do realizador britânico Danny Boyle, com mais ou menos prémios (parece que já vai em 30), com maiores ou menores semelhanças com "A cidade de Deus" de Fernando Meirelles (nem todos os filmes sobre favelas têm que ir parar ao Brasil), é uma belíssima metáfora sobre o Amor. E sobre a redenção.
Os irmãos Salim e Jamal e Latika (seja lá quem for a actriz Freida Pinto, é linda de morrer) são os três mosqueteiros da história passada na Índia mais agonizante. Mas ao contrário do romance de Alexandre Dumas, estes não são propriamente inseparáveis...
sexta-feira, janeiro 30, 2009
O amor antes da maioridade I
Querida Wookie,
Nunca sei como começar...
E o que começo nunca acaba...
Assim poderei eu ser, eu próprio, sinónimo do que existe, antónimo do que foi e virá. Sinónimo de morte e, ao mesmo tempo, de nascimento.
Assim tu apareceste e mudaste a minha vida.
Longe do meu ser, completamente absorto e deitado, colocaste um ponto, um porto, uma estrela cintilante, desconcertante. Pergunto-me: Será que nunca antes tinha olhado para o céu?
Não, isso também não. Mas já já foi há tanto tempo.
Tempo. O tempo.
Tempo para parar e acender um cigarro?
Saquei o isqueiro, apontei o cigarro à boca e depois o cigarro ao isqueiro. Passei instintivamente de uma luz para outra. Tentava comunicar com a estrela (contigo?), retribuir-lhe a luz que me oferecia...
Lá se vai a memória. Não te lembras? Esqueceste ou quiseste esquecer?
Pára! Foda-se! Estou a tremer compulsivamente!
Só queria que me aceitasses como sou!
Mas agora dizes-me que é diferente, que já não preciso de ti (ou és tu quem já não precisa de mim?)
Para sair, ir embora, para não olhar parta ti,
Para entender as necessidades, para voltar à minha cidade,
Que eu não tenho idade para...
E, finalmente, o que se dá há-de....
Depois, talvez mais tarde,
Apagar a estrela num cinzeiro qualquer e conservar o que se consumiu, adorar essa relíquia, não a colocar junto dos velhos cacos. Talvez partir...
Depois de ti subsistirá o medo, o azar, as mesmas necessidades. E o amor e as saudades e... já não sei... Não dizias que as pontes nunca caem?
Desculpa-me, meu amor. Não ligues ao que escrevi, são apenas palavras, imagens que passam por mim. Apenas uma maneira de dizer que espero que penses em mim, tal como prometeste fazer. Eu escrevi. Eu amo-te.
C.A.
Nunca sei como começar...
E o que começo nunca acaba...
Assim poderei eu ser, eu próprio, sinónimo do que existe, antónimo do que foi e virá. Sinónimo de morte e, ao mesmo tempo, de nascimento.
Assim tu apareceste e mudaste a minha vida.
Longe do meu ser, completamente absorto e deitado, colocaste um ponto, um porto, uma estrela cintilante, desconcertante. Pergunto-me: Será que nunca antes tinha olhado para o céu?
Não, isso também não. Mas já já foi há tanto tempo.
Tempo. O tempo.
Tempo para parar e acender um cigarro?
Saquei o isqueiro, apontei o cigarro à boca e depois o cigarro ao isqueiro. Passei instintivamente de uma luz para outra. Tentava comunicar com a estrela (contigo?), retribuir-lhe a luz que me oferecia...
Lá se vai a memória. Não te lembras? Esqueceste ou quiseste esquecer?
Pára! Foda-se! Estou a tremer compulsivamente!
Só queria que me aceitasses como sou!
Mas agora dizes-me que é diferente, que já não preciso de ti (ou és tu quem já não precisa de mim?)
Para sair, ir embora, para não olhar parta ti,
Para entender as necessidades, para voltar à minha cidade,
Que eu não tenho idade para...
E, finalmente, o que se dá há-de....
Depois, talvez mais tarde,
Apagar a estrela num cinzeiro qualquer e conservar o que se consumiu, adorar essa relíquia, não a colocar junto dos velhos cacos. Talvez partir...
Depois de ti subsistirá o medo, o azar, as mesmas necessidades. E o amor e as saudades e... já não sei... Não dizias que as pontes nunca caem?
Desculpa-me, meu amor. Não ligues ao que escrevi, são apenas palavras, imagens que passam por mim. Apenas uma maneira de dizer que espero que penses em mim, tal como prometeste fazer. Eu escrevi. Eu amo-te.
C.A.
Do tempo
Não há nada pior do que uma pessoa estar no seu tempo e sentir que não pertence ao tempo que é seu. Nunca poderá dizer: "No meu tempo é que era bom".
quinta-feira, janeiro 29, 2009
Milk
Nos últimos 30 e tal anos muita coisa mudou, muita coisa para melhor. Nomeadamente em Portugal, com o fim da ditadura. Os direitos humanos, infelizmente, evoluíram muito pouco. Os direitos dos homossexuais menos ainda. Porque nenhuma evolução bastará enquanto a homofobia não for um crime previsto na lei em todo o mundo.
Milk, de Gus Van Sant - Sean Penn, incrível, no papel principal -, é o filme que mais me arrepiou nos últimos tempos. O que mais me comoveu. (E isto, considerando já o Baader Meinhof, sobre o mesmo período e também sobre um bando de terroristas que matou em nome do que julgava ser o modelo social perfeito.) O filme narra os oito anos de luta, também polític, do norte-americano Harvey Milk, o primeiro homossexual assumido a ser eleito para um cargo político em São Francisco, nos EUA. Oito anos de luta que terminaram com um chorrilho de tiros no corpo. E praticamente sem culpados.
7 de Novembro de 1977. No dia em que nasci, Milk, que já se havia candidatado três vezes à Câmara, é finalmente eleito vereador. Lentamente, ser gay ameaça deixar de parecer um desastre genético ou excentricidade de mentecaptos. Gays da América inteira encontram ali, no Bairro de Castro, um porto de abrigo, um ponto de encontro. Não é poesia: é gente que foi expulsa de casa pelos pais, gente que foi despedida dos empregos, gente que enxovalhada por católicos e espancada na rua pela polícia, gente que quis suicidar-se por não saber o que fazer para integrar-se, para ser aceite. Gente real. Mas dez meses depois de ser eleito, Milk foi assassinado. Por um adversário político, Dan White. O crime de homicídio é varrido com meia dúzia de anos de prisão, uma espécie de crime-sem-querer, apesar de o mesmo criminoso, no mesmo dia e no mesmo lugar, ter assassinado também o presidente da Câmara George Moscone.
Harvey não era bem um político; Harvey era um activista dos direitos humanos, um Obama chegado antes de Obama. Hoje é considerado um mártir dos direitos gays. Tem um museu em São Francisco; em 1984 Rob Epstein realizou sobre ele o documentário "The times of Harvey Milk", que ganhou o Oscar para melhor documentário no ano seguinte; a revista Time, numa edição dedicada aos heróis, dedicou-lhe uma capa e uma vastíssima biografia.
E dito assim, até parece que o mundo aprendeu alguma coisa. No mínimo, a respeitar a diferença. Puro engano. Tenho 31 anos. E 31 anos depois de Harvey Milk, quase me parece mentira que tudo tenha mudado, afinal, tão pouco. Na América, que acaba de reprovar o casamento gay na Califórnia. Mas também, obviamente, em Portugal. Bastará pensar que nenhum político homossexual tem coragem de assumir a sua orientação. E que o PS tem andado a adiar a proposta sobre o casamento gay há vários anos. E que, mesmo assim, alguém veio logo dizer que casamento gay, mesmo que a coisa vá para a frente, não significa poder adoptar crianças...
quarta-feira, janeiro 28, 2009
Gran Torino
Tribute Gran Torino Music Written by Clint Eastwood, Jamie Cullum, Kyle Eastwood and Michael Stevens - The best video clips are here
Ele canta e tudo! Lindo, LINDO!
Clint Eastwood: para ver de joelhos.
So tenderly
Your story is
Nothing more
Than what you see
Or
What you've done
Or will become
Standing strong
Do you belong
In your skin
Just wondering
Gentle now
The tender breeze
Blows
Whispers through
My Gran Torino
Whistling another
Tired song
terça-feira, janeiro 27, 2009
Jornalismo
Não sei se efectivamente a História se repete e se os portugueses, tal e qual como na década de 60, voltam a debandar do Interior para o Litoral, de Norte para Sul, da aldeia para a cidade, à procura de melhores condições de vida. Mas sei que Lisboa não pode absorver mais de metade de Portugal - mais de 60% em agudo processo de desertificação -, nem pode, nem deve, transformar tudo o que não seja a capital do país numa espécie de jardim zoológico. Ainda que já tenhamos estado mais longe de isso poder vir a acontecer.
De quem é a culpa? De nós todos? Seguramente. De todos quantos sucumbem, de todos quantos não resistem, não lutam e sobretudo não criam. Do Governo? A culpa é sempre também do Estado, que centraliza serviços, investimentos e tudo o resto que torna um território mais apetecível. Mas é também da Comunicação Social ou de quem a pensa ou de quem nela manda.
Nos últimos cinco anos, quase 200 jornalistas perderam o emprego no Porto, o que dará uma média de 40 jornalistas desempregados por ano. Mas quantos licenciados saem anualmente das faculdades de jornalismo sem nunca chegarem a experimentar a profissão? Quantos, só das Universidades de Braga, do Porto e de Coimbra? Quantos meios de comunicação nacionais recrutam jornalistas que não sejam de Lisboa para trabalhar fora de Lisboa?
Nos anos 80, o Expresso prometeu investir na redacção do Porto. Quantos jornalistas tem hoje a minúscula delegação do Expresso no Norte? No início dos anos 90, o Público decidiu inovar ao criar duas redacções simétricas, no Porto e em Lisboa. Quantos trabalham hoje numa e noutra cidade? Há dois anos nasceu um novo semanário, o Sol. Onde está a redacção do Sol no Porto? O director do Novo Diário do Grupo Lena já fez questão de dizer que o Porto não é sequer assunto, apesar de dizer que é director de um jornal nacional. Quantos jornalistas tem a Sic no Porto? E a TVI? E quantos serão necessários no Porto para alimentar a futura TVI 24? Zero? Um e meio? E mesmo na RTP, quantos jornalistas existem no Porto, apesar do tentáculo da RTP Porto? Nestes meios todos somados - e são apenas uma amostra dos meios que existem no mercado - existirão 200 jornalistas? Duvido...
Que retrato dá esta Comunicação Social do país? Do país para o qual ela contribui de forma assustadora? Simples, mesmo para quem não lê jornais todos os dias ou não vê televisão a toda a hora. As reportagens dos pobrezinhos, do povo de capa e bengala, das peixeiras do Bolhão, das aldeias desertas, de quem mata o frio à lareira ou morre por ter adormecido nessa mesma lareira, são sempre a Norte. Ciclicamente lá vem um repórter de Lisboa fazer a Grande Reportagem. De vez em quando, vem também entrevistar os Belmiros, os Amorins, etc e tal. De vez em quando, vem ainda tentar entender os hábitos da tribo, da pequena burguesia: os lugares da moda, os cafés da moda, os criadores da moda. Todas as notícias que não são notícia em Lisboa são apenas notícias de estação: Primavera, Verão, Outono, Inverno. A Comunicação Social que temos hoje é uma Comunicação Social cega. Demasiado cega para poder continuar a erguer os valores da verdade e da imparcialidade, sem os quais o jornalismo não é bem jornalismo.
O mundo mudou, é verdade. Conseguimos, em tempo real, ter um pé em Trás-os Montes e outro nos Estados Unidos. Conseguimos escrever, gravar, fotografar, filmar tudo aqui e enviar quase para Marte. Mas, ironicamente, quando se fala de Comunicação Social o espectro é mais limitado. Podemos fazer isso tudo, sim, mas em Lisboa. E de preferência, sobre Lisboa. A Comunicação Social que temos não está só a assassinar gerações inteiras; está a assassinar o país.
segunda-feira, janeiro 26, 2009
domingo, janeiro 25, 2009
Revolutionary Road
Não gosto particularmente do Leonardo DiCaprio. Nunca gostei. Mas gosto menos ainda da Kate Winslet. E depois de ver Revolutionary Road, supostamente sobre a crise no casamento de um casal da classe média americana, fico sem entender o motivo do Globo para actriz principal e, na mesma categoria, a nomeação para o Oscar. Mal por mal, antes tivesse sido Caprio o nomeado.
Aliás, se este filme serve para alguma coisa, será para acabar com o mito do endeusado Sam Mendes. Não há beleza americana neste filme; há só um relativamente surpreendente final, mas não chega para salvar a coisa.
sábado, janeiro 24, 2009
Elegy
Penélope Cruz em dose dupla no cinema deste ano, duplamente irresistível. "Elegy" é uma adaptação da realizadora espanhola Isabel Coixet sobre o livro "O animal moribundo" de Philip Roth. E, como quase sempre, o livro é infinitamente melhor do que o filme. Mas, neste caso, não porque o filme seja necessariamente mau - não é. O livro é que é mesmo insuperável. E, seja como for, Penélope está perfeita. Aliás, não me ocorre alguém melhor para desempenhar aquela rapariga de origem cubana.
É verdade que o filme altera aqui e ali a história, aligeira-a, quase tudo o que nos sufoca no livro aparece ali de forma menos densa. Mas o essencial está lá: a improvável história de amor entre David, o professor de 70 anos tolhido pela insuportável ideia de estar a envelhecer, e a jovem aluna Consuela Castillo, 38 anos mais nova. Está lá o terramoto que isso provoca na vida dele, na vida de quem se julga incapaz de um amor assim. Está lá a inabalável relação de amor entre David e o poeta-pullitzer, Georgie, tão errante quanto o primeiro. E o vazio que fica na ausência de uma amizade assim. E está lá o amor que não se diz, às vezes nem sequer se mostra, entre David e Kenny, o filho que nunca perdou ao pai as curvas da vida.
"Só quando fodemos é que tudo aquilo de que não gostamos na vida e aquilo que nela nos derrota é puramente, ainda que momentaneamente, vingado. Só então estamos mais limpamente vivos e somos mais limpamente nós mesmos. A corrupção não é o sexo, a corrupção é o resto. O sexo não é apenas fricção e divertimento superficial. O sexo é também vingança contra a morte. Não esqueçam a morte. Não a esqueçam nunca."
Vicky Cristina Barcelona
De repente, Barcelona parece uma das cidades mais românticas da Europa. Woody Allen deixou de filmar em Nova Iorque, em Londres, mas não deixou de filmar o amor - tema de que se ocupou nos últimos filmes -, ou uma espécie qualquer aproximada disso. Pelo menos da busca ou da perda dele, seja lá o amor o que for. E também não deixou de filmar Scarlett Johansson. Mas aqui é Penélope Cruz quem sai a ganhar. Porque é ela a figura absurda, contraditória, neurótica que nos lembra que o filme é dele - é ele. Mesmo se todas elas - Vicky (Rebecca Hall), Cristina (Scarlett Johansson) e Maria Elena (Penélope Cruz) - parecem precisar, em doses iguais, do psicanalista da praxe, é mesmo Penélope quem definitivamente enche o filme. E não, isso não inclui a apregoada cena do beijo lésbico, que é menos interessante do que se especulou.
Cristina é a loura que não sabe o que quer; só sabe o que não quer, o que aparentemente não lhe serve de muito. Vicky é a morena de objectivos precisos e clássicos que, teoricamente, lhe poderiam ser servidos de bandeja num casamento estável. Nos antípodas uma da outra, quando chegam ao Verão de Barcelona, ambas se apaixonam pelo mesmo homem (Javier Bardem): um pintor (personagem, por acaso, muito pouco coerente) desprendido do presente porque está preso no passado, na mulher que o deixou, Maria Elena.
Cristina tem asas, quer voar. Vicky quer (queria?) um ninho, um porto de abrigo. Maria Elena, síntese das duas, é o sangue, a vida toda que só pode existir se permanentemente à beira do precipício. Todas estão bem só onde não estão. Nada de novo. Seja lá o que for o amor, não é Woody Allen o homem que nos vai dar alguma esperança. Mas continua a conseguir fazer-nos rir daquilo que não sabemos o que é. Já não é mau.
sexta-feira, janeiro 23, 2009
quinta-feira, janeiro 22, 2009
segunda-feira, janeiro 19, 2009
domingo, janeiro 18, 2009
Antony and the Johnsons
Para ver em dose tripla:
14 de Maio, Coliseu de Lisboa
16 de Maio, Theatro Circo, em Braga
18 de Maio, no Coliseu do Porto
The Fall no Clubbing
Richard Zimler
"Há heróis de quem ninguém fala: pode ser uma mãe solteira que consegue criar dois filhos lindos e confiantes sem meios, ou uma jovem lésbica de uma aldeia de Portugal que, apesar da discriminação e preconceito, consegue criar uma relação de amor estável com outra mulher. Estamos rodeados de heróis."
Richard Zimler, Farpas JN
quarta-feira, janeiro 14, 2009
"O veneno cura"
[Foto: José Mota]
Que cores são, então, essas [do amor]?
O amor-vermelho-sangue da vontade e do desejo,
O amor-vermelho-sangue da vontade e do desejo,
o amor-sujo da dignidade da faca na liga,
o amor-negro do abandono,
o amor-roxo da rejeição,
o amor-fogo dos que ardem,
o amor-amarelo da partilha das noites de insónia,
o amor-verde dos vómitos da bílis,
o amor-castanho das tripas de fora,
o amor-vermelho-escuro das hemorragias e dos recomeços.
terça-feira, janeiro 13, 2009
segunda-feira, janeiro 12, 2009
Heath Ledger
A sala toda de pé. Heath Ledger vence o Globo de Ouro para o Melhor Actor Secundário. "Todos nós que podemos apreciar o seu trabalho vamos sentir sempre a falta dele, mas ele nunca será esquecido", disse Christopher Nolan, realizador de "O Cavaleiro das Trevas", no momento em que foi receber o prémio.
O primeiro julgamento
Não serão muitos, mas haverá certamente alguns bons motivos para acordarmos com alegria no Inverno de Janeiro às oito horas da manhã. Um julgamento, sobretudo se nele formos arguidos, não é um deles. Mas é esse o motivo que nos fará acordar amanhã. Daqui a umas horas estaremos a entrar num tribunal para perdermos a nossa virgindade jurídica. E, de alguma forma, a nossa ingenuidade. Somos acusados de difamação, processo crime. Se não conseguirmos provar a nossa inocência lá teremos que puxar os cordões à bolsa: 25 mil euros de indemnização. Podia ser pior? Temos dúvidas.
Um sujeito acorda um dia de manhã com os pés de fora, desconhece-se se às oito horas, se a hora mais lúcida, e decide criar um canal de televisão. Malta do Norte, ciosa do seu território, cidade Invicta, os sonhos todos postos no sotaque que, acreditam, um dia há-de fazer ver a Lisboa quem é que afinal trabalha e cria neste país. Dá-lhe nome, dá-lhe forma, compra material, aluga espaço, contrata equipas, técnicos, jornalistas, comentadores da praça. Tudo em grande. Mas esquece-se que um dia, cedo ou tarde, haveria de pagar o sonho. Óooooo....
Chegam os primeiros cheques sem cobertura, as reclamações dos fornecedores, a suspensão do material, a equipa toda a debandar dali para fora. Investigamos o assunto, narramos os factos e damos-lhe um nome: Burla. [Dicionário: ludíbrio, dolo, trapaça, intrujice, trampolinice, logro, tratantada, fraude, tratantice.] O sujeito do canal burlou as pessoas que contratou porque as enganou. Porque lhes passou cheques sem ter dinheiro, porque protelou ad nauseum o pagamento e as explicações, porque desapareceu do telemóvel, porque já ganhou dinheiro com o material que entretanto vendeu a terceiros sem nunca o ter chegado a pagar. Porque assegurou aos funcionários que seriam ressarcidos pelo seu trabalho e até hoje nunca o fez. Porque os fez acreditar que aquele projecto teria sustentabilidade financeira, o que não era verdade. Sequer em sonhos.
Parece tão fácil provar a nossa inocência, a nossa boa fé, a nossa isenção e rigor, que o assunto parece ser feio e feito de favas contadas. E, no entanto, não é. A lei diz que dever dinheiro - cem euros ou cem milhões - não é crime. Cheques sem cobertura também não. E, aparentemente, falhar à palavra dada, e em alguns casos dada por escrito, muito menos. Crime é dizer que alguém deve dinheiro. E à dívida colar um rótulo: Burla. Claro que nem toda a gente que deve dinheiro é criminosa, sequer desonesta ou pessoa má. Mas que raio se chama afinal a um sujeito que há mais de dez anos anda a criar e a afundar projectos sem ter um tostão furado, arrastando para o seu lamaçal quem quer e precisa trabalhar e ser pago por isso?
domingo, janeiro 11, 2009
Shops
Nunca gostei de ir às compras. Nem mesmo para comprar coisas que ninguém pode comprar por mim. Não tenho paciência para procurar roupa, cores, tamanhos. Definitivamente não tenho paciência para aquele vestir e despir dos vestiários. Sou quase capaz de jurar que nunca comprei uma peça que não tenha primeiro visto numa revista qualquer que, além da fotografia do trapo, me forneça também o nome da loja e a respectiva morada. Antigamente, quinze minutos dentro de uma loja já era uma eternidade. Mas hoje, desde que se instalou esta moda de comprar-com-banda-sonora, quinze minutos são quinze mil intermináveis e assassinas eternidades!
Deve de certeza haver algum estudo de mercado que diga aos lojistas que ter música aos berros em espaços mais ou menos exíguos leva as pessoas a consumir mais. Mas eu juro que consumiria muito mais - ou talvez o mesmo, mas com menos dores de cabeça -, se quando entro numa loja me brindassem com silêncio. Incluindo o das empregadas.
sábado, janeiro 10, 2009
Jandek hoje em Serralves
Estreia nacional ao vivo de “uma das figuras mais fascinantes da música do século XX”, e provavelmente, o homem que levou a solidão e o isolamento no processo de trabalho aos maiores extremos em toda a história conhecida da música independente.
Eremita, compositor de canções de abandono, entropia e superação, é editado pela misteriosa Corwood Industries desde o final dos anos 1970. Dezenas de discos e quase 30 anos após o arranque da sua carreira, apresentou-se pela primeira vez ao mundo (sem nunca ter dado entrevistas, sem nunca ter comunicado com os media em discurso directo) num concerto em Glasgow, em 2004, onde não vinha sequer listado.
Hoje, o concerto. Amanhã, o documentário “Jandek On Corwood: a doucumentary film”.
You’re the best one that I came to see
You’re the last one that I want to see
You’re one in a million,
Lord I think I forgot to come
You’re the top of the mountain,
the rest is on the way down
You know I think I could tell you
I think you ought to know
There was somebody new before you
With you I learned to know them all
And all that came before them
And all that go here from now
You go with them gently
With love on your mind
sexta-feira, janeiro 09, 2009
quinta-feira, janeiro 08, 2009
quarta-feira, janeiro 07, 2009
Rui Horta e Micro Audio Waves, amanhã, no TeCA
Escreve Inês Nadais, no Ipsilon:
Um coreógrafo e uma banda dentro de uma nave espacial, à velocidade de 24 "frame" por segundo, a ir a sítios onde nunca tinham ido. Rui Horta está sempre lá, nesta coisa que parece um concerto dos Micro Audio Waves mas em grande.
Às vezes não sabe bem como, nem em que "frame", e é aí que esta coisa que parece um concerto dos Micro Audio Waves se transforma numa viagem de reconhecimento: uma viagem em que Rui Horta se reconhece (apesar de estar irreconhecível) na electrónica dos Micro Audio Waves, e em que os Micro Audio Waves se reconhecem (apesar de estarem irreconhecíveis) num espectáculo de Rui Horta. Propuseram-lhes que tivessem uma aventura, e eles tiveram: é a aventura mais velha do mundo.
Até se encontrarem em "Zoetrope", o "concerto encenado-realizado-coreografado" que tem estreia quinta-feira no Teatro Carlos Alberto, Porto (e que depois vai a Lisboa, Frankfurt e Guimarães em Fevereiro e a Torres Novas em Março), eles viviam em planetas diferentes, e parte dessa estranheza sobreviveu aos seis meses que passaram juntos dentro desta nave espacial em que foram a sítios onde nunca tinham ido. "(...)vimos de mundos completamente diferentes, e por isso a aproximação aqui foi muito lenta: encontrámo-nos muitas vezes, almoçámos muitas vezes, falámos muitas vezes e de repente percebemos que afinal íamos todos para o mesmo sítio", explica Rui Horta ao Ípsilon.
Um coreógrafo e uma banda dentro de uma nave espacial, à velocidade de 24 "frame" por segundo, a ir a sítios onde nunca tinham ido. Rui Horta está sempre lá, nesta coisa que parece um concerto dos Micro Audio Waves mas em grande.
Às vezes não sabe bem como, nem em que "frame", e é aí que esta coisa que parece um concerto dos Micro Audio Waves se transforma numa viagem de reconhecimento: uma viagem em que Rui Horta se reconhece (apesar de estar irreconhecível) na electrónica dos Micro Audio Waves, e em que os Micro Audio Waves se reconhecem (apesar de estarem irreconhecíveis) num espectáculo de Rui Horta. Propuseram-lhes que tivessem uma aventura, e eles tiveram: é a aventura mais velha do mundo.
Até se encontrarem em "Zoetrope", o "concerto encenado-realizado-coreografado" que tem estreia quinta-feira no Teatro Carlos Alberto, Porto (e que depois vai a Lisboa, Frankfurt e Guimarães em Fevereiro e a Torres Novas em Março), eles viviam em planetas diferentes, e parte dessa estranheza sobreviveu aos seis meses que passaram juntos dentro desta nave espacial em que foram a sítios onde nunca tinham ido. "(...)vimos de mundos completamente diferentes, e por isso a aproximação aqui foi muito lenta: encontrámo-nos muitas vezes, almoçámos muitas vezes, falámos muitas vezes e de repente percebemos que afinal íamos todos para o mesmo sítio", explica Rui Horta ao Ípsilon.
Sozinhos não teriam ido lá parar: "Não queríamos fazer um espectáculo meu, mas também não queríamos fazer um espectáculo dos Micro Audio Waves - queríamos que isto fosse o encontro entre dois mundos. Eu não quis impor-lhes o meu universo, eles não quiseram impor-me o universo deles. É claro que, como eles estão em vantagem numérica, isto é mais deles do que meu, mas quem me conhece vai perceber que eu estou sempre muito presente, às vezes nem sei bem como: o concerto começa tipicamente como eu começaria um espectáculo, com aquilo que eu pediria a um intérprete para fazer, mas depois há alturas em que aquilo é tudo deles e eu não existo a não ser nas imagens que aparecem na parede."
São as mesmas que aparecem no título: o trabalho dos Micro Audio Waves foi compor 12 temas inéditos, o trabalho dele foi dar-lhes um futuro comum, e ele tinha visto o futuro num zootrópio (é aqui que esta viagem de reconhecimento se transforma numa aventura gráfica). "A peça tem uma componente muito sofisticada não só ao nível do vídeo - há uma série de 'clips' - como ao nível de animação multimédia. Tivemos uma equipa de três pessoas a trabalhar só na edição vídeo, nos 'motion graphics' e na programação, desenvolvemos 'software' específico para esta peça. Precisávamos de um conceito para este não ser só mais um concerto dos Micro Audio Waves, e o zootrópio tinha esse lado de movimento perpétuo, constante, em círculo, que nos interessava, porque não há um único momento neste espectáculo em que os ecrãs estejam vazios - é um trabalho titânico", esclarece.
Também tinha o espírito de aventura com que eles estão nisto, que é o espírito de aventura com que estamos no mundo desde que fomos expulsos do Paraíso: "O zootrópio é uma das primeiras máquinas de animar imagens, uma forma primitiva de cinema, e foi inventada naquele período final do século XIX em que andava tudo a tentar perceber o que é o movimento. Também andámos a tentar perceber o que é o movimento para criar as imagens deste espectáculo, e foi uma descoberta tão fascinante que isto acabou por se transformar numa pequena homenagem escondida a todos esses curiosos que inventaram o cinema, a televisão e a Internet - que é aonde esta viagem nos trouxe. Acredito que há mais: acredito que isto que no passado nos levou a descobrir outros continentes no futuro nos há-de levar a descobrir outros planetas." Ele está numa fase em que precisa disso: "Tenho necessidade de experimentar coisas novas: novo circo, encenação, tenho andado por aí. Faz parte da condição humana: estamos programados para sondar, para procurar buracos negros, para nos aventurarmos noutras galáxias. Este espectáculo é sobretudo sobre a nossa curiosidade, que é a mesma do Muybridge [o inventor do zoopraxiscópio] e dos tipos que fizeram o Hubble - se quisermos, é uma antropologia da tecnologia."
O tema impôs-se pelas razões mais óbvias: "Eu escutei-os muito, e nas conversas que tivemos eles estavam constantemente a falar de descoberta, até porque a electrónica que os Micro Audio Waves fazem é inclassificável; por outro lado, tudo isto foi uma descoberta também para mim". E pelas razões menos óbvias: "Tinha estado no Porto e comprei por cinco euros um cavalinho mecânico que achei maravilhoso, na Rua de Cedofeita. Isso foi o 'leit-motiv' que nos levou depois ao cavalo em movimento do Muybridge, que a certa altura reproduzimos no espectáculo", diz.
(...)
Agora que faltam uns dias para a estreia, Rui Horta e os Micro Audio Waves sabem exactamente de onde vem este "Zoetrope" mas continuam sem saber exactamente para onde vai (...) Mas apesar de apertada esta malha não nos vincula a uma maneira de ler o espectáculo, que era o que mais queríamos evitar. A vantagem da música é essa: podemos imaginar. Aqui podemos imaginar o que quisermos", sublinha.
Esta é a parte em que olhamos para "Zoetrope" e não vemos Rui Horta: "No final do dia, o que fica disto são as canções, e musicalmente acho que temos os Micro Audio Waves no seu melhor - há grandes momentos de guitarra do Flak, o Carlos [Morgado] faz um trabalho fantástico na criação do ambiente psicológico da peça e a Cláudia Efe deixa as pessoas num estado de estranheza que é muito valioso. O meu trabalho foi muito invisível e muito silencioso; foi um trabalho de esqueleto". É verdade que não o vemos. Mas podemos imaginar.
Agora que faltam uns dias para a estreia, Rui Horta e os Micro Audio Waves sabem exactamente de onde vem este "Zoetrope" mas continuam sem saber exactamente para onde vai (...) Mas apesar de apertada esta malha não nos vincula a uma maneira de ler o espectáculo, que era o que mais queríamos evitar. A vantagem da música é essa: podemos imaginar. Aqui podemos imaginar o que quisermos", sublinha.
Esta é a parte em que olhamos para "Zoetrope" e não vemos Rui Horta: "No final do dia, o que fica disto são as canções, e musicalmente acho que temos os Micro Audio Waves no seu melhor - há grandes momentos de guitarra do Flak, o Carlos [Morgado] faz um trabalho fantástico na criação do ambiente psicológico da peça e a Cláudia Efe deixa as pessoas num estado de estranheza que é muito valioso. O meu trabalho foi muito invisível e muito silencioso; foi um trabalho de esqueleto". É verdade que não o vemos. Mas podemos imaginar.
Quatro noites com Anna
Não é o filme que dizem que é. E não é só porque o homem, o senhor Skolimowski, não filmava há 15 anos que o filme passa subitamente a ser um filme cinco estrelas. É um filme escuro, longo, apertado. Mas é também um filme sobre o amor, a ser verdade que o amor pode ser unilateral, e parece que pode. E é uma incrível interpretação da solidão.
terça-feira, janeiro 06, 2009
Ser dona de casa em 2009
[Stefanie Schneider]
Teríamos ainda tempo para pintar. Para cuidar das fotografias e das pessoas que as habitam. Para o piano, para a viola. E os vizinhos, esses que nos tratariam pelo nome e não precisariam bater à porta para entrar porque a casa também seria deles, juntar-se-iam a nós. Seria uma festa. Mesmo à hora do telejornal, em televisão colectiva.
Nem sequer teríamos que deixar de escrever. Ou de entrevistar. Coisas a que uma pessoa se habitua e depois não consegue deixar de gostar. Ou o contrário, coisas de que se gosta muito e sem as quais não saberíamos viver bem. Receberíamos os entrevistados em casa, com prazer, com vinho tinto e doces caseiros. Não seríamos recebidos em locais públicos ou escritórios cinzentos nem bombardeados com a pergunta automática: "Aceita um café? Uma água, então?" Falaríamos sem cronómetro nem pose. Das coisas que realmente interessam, que são tão poucas, mas para as quais nunca há tempo nem disponibilidade.
A casa de que seríamos dona seria a casa dos nossos amigos. Seria uma casa com tempo. Em ano de eleições, ano em que vale pedir tudo, e onde tantos sonham com triplo salto mortal em prodigiosos trampolins, valerá a pena pedir para ser dona de casa?
Se nos perguntassem que sonho gostaríamos de realizar em 2009, responderíamos sem hesitação ser dona de casa. Ser dona de casa em Trás-os-Montes, que ser dona de casa no Alentejo já era pedir demais. E ficava muito longe dos afectos de origem. Ser dona de casa numa casa com galinhas, patos, porcos, coelhos e outros animais que tivéssemos de alimentar, manhã cedo, avental de pano atado à cinta, vários bolsos para diferentes rações. E cães, claro! Se pudéssemos ressuscitar o Pongo, tanto melhor. Dona de uma casa com quintal de couves, batatas, ervilhas, morangos, laranjeiras, macieiras e por aí fora. Com vizinhos que ainda nos tratassem pelo nome e nos levassem mel e pão só pelo genuíno prazer de partilhar. E não para pagar favores. E não com embrulhos caros de etiquetas cintilantes.
Responderíamos sem hesitar e sem mentir ser dona de casa. E parecendo que não, nosso pobre sonho impossível, ser dona de casa seria um luxo. Não termos que sair todos os dias para onde quase nunca nos apetece ir, não termos que passar o dia inteiro com phones nos ouvidos porque quase nunca nos apetece falar com quem nos emoldura a secretária, não termos de ouvir todos os dias que devíamos ir para Lisboa, "para dar o salto", como se Lisboa não fosse ali ao virar da esquina, mas o centro do Universo, qual Nova Iorque de oportunidades. Não termos de correr atrás, como os tolos, de uma coisa que não se sabe muito bem o que é, nem onde está. Só porque quem não corre fica para trás. Não termos de atender o telefone, ligar o rádio e a televisão à hora certa, não vá o mundo ruir e a notícia escapar. Não termos de dizer que "temos que tomar café", sabendo que vamos tomar mil cafés sem nunca tomarmos aquele. Não termos que fazer de conta.
Nessa ambicionada vida de luxo, nas horas livres, em vez crochet teríamos para ler todos os livros que não conseguimos ler por falta de tempo. Ou porque há jornais todos os dias. Ou porque volta e meia nos obrigamos a tentar entusiasmar-nos com o código da carta que ameaçamos nunca tirar. Pecado mortal neste século, na nossa idade e com profissão tão catita. Andaríamos a pé e de bicicleta porque tudo aquilo de que necessitamos estaria perto. E, ao fim-de-semana, de avião. Não para irmos a Lisboa, por bela que Lisboa seja, mas ao resto do Mundo.
Teríamos ainda tempo para pintar. Para cuidar das fotografias e das pessoas que as habitam. Para o piano, para a viola. E os vizinhos, esses que nos tratariam pelo nome e não precisariam bater à porta para entrar porque a casa também seria deles, juntar-se-iam a nós. Seria uma festa. Mesmo à hora do telejornal, em televisão colectiva.
Nem sequer teríamos que deixar de escrever. Ou de entrevistar. Coisas a que uma pessoa se habitua e depois não consegue deixar de gostar. Ou o contrário, coisas de que se gosta muito e sem as quais não saberíamos viver bem. Receberíamos os entrevistados em casa, com prazer, com vinho tinto e doces caseiros. Não seríamos recebidos em locais públicos ou escritórios cinzentos nem bombardeados com a pergunta automática: "Aceita um café? Uma água, então?" Falaríamos sem cronómetro nem pose. Das coisas que realmente interessam, que são tão poucas, mas para as quais nunca há tempo nem disponibilidade.
A casa de que seríamos dona seria a casa dos nossos amigos. Seria uma casa com tempo. Em ano de eleições, ano em que vale pedir tudo, e onde tantos sonham com triplo salto mortal em prodigiosos trampolins, valerá a pena pedir para ser dona de casa?
segunda-feira, janeiro 05, 2009
Magnética II
Finalmente, uma publicação on-line (cultura, arte, moda, arquitectura e design) que vale mesmo, mesmo, mesmo a pena ler. E ver. E ouvir. O número dois já está online. ReNascimento é o tema de capa: http://www.magneticamagazine.com/
Destaque para a entrevista de Maria Keil que aos 94 anos lança um apelo à valorização da produção artística nacional. Nouvelle Vague, Lykke Li, espectáculos de dança, teatro, exposições de arte ou objectos de design são outras escolhas Magnética. David Fonseca, Ondjaki e Afonso de Melo assinam as colunas de opinião.
sábado, janeiro 03, 2009
Manuela Ferreira Leite
Experimentem comparar a Manuela Ferreira Leite de Bruno Nogueira com a de Ricardo Araújo Pereira. 1-0. E depois experimentem comparar a Manuela Ferreira Leite de Bruno Nogueira com a de Tiago Dores. 10-0.
sexta-feira, janeiro 02, 2009
@#%&*!@#%&*!
Nunca me zango com ninguém. E devia. Sou incapaz de insultar alguém, de dizer "acabou", de cortar relações. Não consigo sequer ficar profundamente ofendida com alguma coisa. Pelo menos, ofendida a ponto de a coisa me parecer irreversível. Posso amuar, chorar, emudecer, mas não é a mesma coisa. E até tenho mau feito, praguejo com facilidade, não sou propriamente a pessoa de quem as pessoas gostam à primeira (nem à segunda nem à terceira...), nem o tipo de moçinha sobre quem dizem: "Que querida, que simpática". Tenho mau feitio e isso já não é mau. Mas não chega. Porque não me zango. E as pessoas que nunca se zangam com ninguém não são levadas a sério.
As pessoas, para serem levadas a sério, têm que se zangar. Mesmo. Têm que ter pelo menos uma história, que serve como pré-aviso, em que possam dizer: "... e depois, pronto, nunca mais lhe falei." Têm que estar na disposição de levar a delas avante e não ceder um milímetro, como se disso dependesse o futuro da humanidade. Têm que se ofender visceralmente com uma palavra ou uma frase fora do sítio. Ou com um gesto ou atitude que foi ao lado. Ou não foi a lado nenhum. Têm que não conseguir perdoar, seja o que for, ou perdoar mas serem capazes de nunca dizer que o fizeram. Têm que ter paciência para esperar que o agressor um dia peça desculpa, mesmo sabendo que esse dia pode nunca chegar. Têm que ser quase capazes de castigar, não atender um telefonema, não responder a uma mensagem, mudar de café e de hábitos, se necessário for. Resistir ao aniversário, ao Natal e a todas as efemérides que nos unem em rede.
As pessoas que se zangam são respeitadas e levadas a sério porque provocam nos outros o medo de as perder. Eu nunca me zango. Não consigo. Nem é por não ter tempo para me zangar que não me zango. Ou por não ter paciência. Por não dar essa importância aos outros ou por ser particulamente boazinha. E também não sei bem pelo que é, pelo que só pode ser uma incapacidade qualquer sem nome. Mas tenho pena.
As pessoas que nunca se zangam são pessoas um bocadinho desprezíveis, são pessoas que não valem o esforço. E são um perigo para a humanidade, porque tendem a criar monstros. Uma pessoa normal que se dá com uma pessoa que nunca se zanga nunca poderá ser uma pessoa melhor. À partida, está-lhe vedada a reflexão sobre os seus actos, a revisão que lhe poderá ensinar o significado essencial da palavra "desculpa". E depois fica cega do valor do outro. Porque o outro, o que não se zanga, volta sempre. Em nome da paz. Mas quem é capaz de enaltecer essa paz se sabe que a seguir a uma guerra ganha ganhará outra e outra e outra?
quinta-feira, janeiro 01, 2009
Depilação integral
As mulheres portuguesas tinham pêlos a mais. Nem era o buço, as axilas, o tapete das pernas ou tudo o que é visível a todos, que mais inquietava os homens. Esses seres viris que recusam ceras e cremes e todos os produtos que lhes retire a sua orgulhosa masculinidade queixavam-se das virilhas, do "arranjo floral", dizem os Gato Fedorento. Sonhavam com mulheres brasileiras, de tanga sem penugem, lisinhas, limpinhas. Mulheres que os faziam arder só de as olharem. Ou, para desgosto de muitos, só de as imaginarem.
Há dois anos, na Folha de S. Paulo, o português João Pereira Coutinho escrevia que "as mulheres brasileiras fizeram mais por Portugal do que séculos e séculos de permutas académicas, literárias, culturais." Ao que parece, defendia o cronista, "as portuguesas, dispostas a não perder a sua quota de mercado, deixaram que o jardineiro entrasse lá em casa, com tesoura de poda, pronto para cortar a relva florestal".
Mérito da contaminação brasileira, ou não, o mundo das mulheres parecia evoluir a bel-prazer dos homens. Coutinho, rendido e grato aos Descobrimentos, acrescentou até que, um dia, alguém irá escrever a história de como "os portugueses descobriram as mulheres indígenas que tinham lá em casa, injustamente perdidas e escondidas na floresta amazónica da frigidez secular". Mas eis se não quando os homens que sonhavam com pêssegos tropicais, esses mesmos que parecem afinal ter deslocado o bigode da cara para o interior do cérebro, anunciam ter mudado de ideias. Afinal, ter pêlos é que é bom. Importam-se de repetir?
A primeira vez que ouvi alguém contestar o que antigamente parecia ser a autoestrada para o paraíso foi o meu amigo M., visivelmente irritado com o que era suposto ser uma surpresa da namorada. Pouco depois, numa entrevista radiofónica, ouvi um desses cantores consagrados da praça a defender o mesmo, com total anuência do entrevistador. Aí percebi que o descontentamento já era do domínio público - seria de massas? - e resolvi inquirir os meus amigos homens.
E confirma-se. Agora, "virilhas sem pêlos é para pedófilos" e tal. (O meu amigo G. diz que tem um amigo - espécie em vias de extinção? - que só gosta de mulheres totalmente depiladas, e que isso o assusta.) Que "mulheres sem pêlos são como crianças", que os desconcentra. Que uma "mata atlântica" é mau, mas um "jardim aparado" muito bom. "O suficiente para percebermos que a mulher se cuida, mas sem exagero". Que um "triângulo à moda antiga baralha, mas que um risquinho é obrigatório". E sim, usam estes termos e expressões todas, vagamente (claramente?) ridículos.
Ora, a depilação total é cara, dói tanto como uma dor de dentes, implica uma relativa dose de ginástica acrobática e uma exposição mais total do que a própria depilação perante a especialista que faz o trabalho. E não é qualquer uma que o faz. Muito menos bem feito. Tenho portanto para mim que cada homem devia experimentar o exercício só uma vez. Só para saber do que fala quando fala. E, vá lá, para dar valor. De qualquer forma, decidi obter a derradeira prova junto da minha esteticista, jovem artista russa, melhor do que dez brasileiras juntas. E não há que enganar: os homens agora querem pêlos. Mulheres inseguras fazem-lhes a vontade; as outras seguem em frente.
Será que este súbito pudor masculino vai alastrar-se ao topless? Será que vamos começar a ver os homens na praia de manto branco na mão a esconder o corpo das mulheres? Haja santa paciência!
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