Nos últimos 30 e tal anos muita coisa mudou, muita coisa para melhor. Nomeadamente em Portugal, com o fim da ditadura. Os direitos humanos, infelizmente, evoluíram muito pouco. Os direitos dos homossexuais menos ainda. Porque nenhuma evolução bastará enquanto a homofobia não for um crime previsto na lei em todo o mundo.
Milk, de Gus Van Sant - Sean Penn, incrível, no papel principal -, é o filme que mais me arrepiou nos últimos tempos. O que mais me comoveu. (E isto, considerando já o Baader Meinhof, sobre o mesmo período e também sobre um bando de terroristas que matou em nome do que julgava ser o modelo social perfeito.) O filme narra os oito anos de luta, também polític, do norte-americano Harvey Milk, o primeiro homossexual assumido a ser eleito para um cargo político em São Francisco, nos EUA. Oito anos de luta que terminaram com um chorrilho de tiros no corpo. E praticamente sem culpados.
7 de Novembro de 1977. No dia em que nasci, Milk, que já se havia candidatado três vezes à Câmara, é finalmente eleito vereador. Lentamente, ser gay ameaça deixar de parecer um desastre genético ou excentricidade de mentecaptos. Gays da América inteira encontram ali, no Bairro de Castro, um porto de abrigo, um ponto de encontro. Não é poesia: é gente que foi expulsa de casa pelos pais, gente que foi despedida dos empregos, gente que enxovalhada por católicos e espancada na rua pela polícia, gente que quis suicidar-se por não saber o que fazer para integrar-se, para ser aceite. Gente real. Mas dez meses depois de ser eleito, Milk foi assassinado. Por um adversário político, Dan White. O crime de homicídio é varrido com meia dúzia de anos de prisão, uma espécie de crime-sem-querer, apesar de o mesmo criminoso, no mesmo dia e no mesmo lugar, ter assassinado também o presidente da Câmara George Moscone.
Harvey não era bem um político; Harvey era um activista dos direitos humanos, um Obama chegado antes de Obama. Hoje é considerado um mártir dos direitos gays. Tem um museu em São Francisco; em 1984 Rob Epstein realizou sobre ele o documentário "The times of Harvey Milk", que ganhou o Oscar para melhor documentário no ano seguinte; a revista Time, numa edição dedicada aos heróis, dedicou-lhe uma capa e uma vastíssima biografia.
E dito assim, até parece que o mundo aprendeu alguma coisa. No mínimo, a respeitar a diferença. Puro engano. Tenho 31 anos. E 31 anos depois de Harvey Milk, quase me parece mentira que tudo tenha mudado, afinal, tão pouco. Na América, que acaba de reprovar o casamento gay na Califórnia. Mas também, obviamente, em Portugal. Bastará pensar que nenhum político homossexual tem coragem de assumir a sua orientação. E que o PS tem andado a adiar a proposta sobre o casamento gay há vários anos. E que, mesmo assim, alguém veio logo dizer que casamento gay, mesmo que a coisa vá para a frente, não significa poder adoptar crianças...
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