[Stefanie Schneider]
Teríamos ainda tempo para pintar. Para cuidar das fotografias e das pessoas que as habitam. Para o piano, para a viola. E os vizinhos, esses que nos tratariam pelo nome e não precisariam bater à porta para entrar porque a casa também seria deles, juntar-se-iam a nós. Seria uma festa. Mesmo à hora do telejornal, em televisão colectiva.
Nem sequer teríamos que deixar de escrever. Ou de entrevistar. Coisas a que uma pessoa se habitua e depois não consegue deixar de gostar. Ou o contrário, coisas de que se gosta muito e sem as quais não saberíamos viver bem. Receberíamos os entrevistados em casa, com prazer, com vinho tinto e doces caseiros. Não seríamos recebidos em locais públicos ou escritórios cinzentos nem bombardeados com a pergunta automática: "Aceita um café? Uma água, então?" Falaríamos sem cronómetro nem pose. Das coisas que realmente interessam, que são tão poucas, mas para as quais nunca há tempo nem disponibilidade.
A casa de que seríamos dona seria a casa dos nossos amigos. Seria uma casa com tempo. Em ano de eleições, ano em que vale pedir tudo, e onde tantos sonham com triplo salto mortal em prodigiosos trampolins, valerá a pena pedir para ser dona de casa?
Se nos perguntassem que sonho gostaríamos de realizar em 2009, responderíamos sem hesitação ser dona de casa. Ser dona de casa em Trás-os-Montes, que ser dona de casa no Alentejo já era pedir demais. E ficava muito longe dos afectos de origem. Ser dona de casa numa casa com galinhas, patos, porcos, coelhos e outros animais que tivéssemos de alimentar, manhã cedo, avental de pano atado à cinta, vários bolsos para diferentes rações. E cães, claro! Se pudéssemos ressuscitar o Pongo, tanto melhor. Dona de uma casa com quintal de couves, batatas, ervilhas, morangos, laranjeiras, macieiras e por aí fora. Com vizinhos que ainda nos tratassem pelo nome e nos levassem mel e pão só pelo genuíno prazer de partilhar. E não para pagar favores. E não com embrulhos caros de etiquetas cintilantes.
Responderíamos sem hesitar e sem mentir ser dona de casa. E parecendo que não, nosso pobre sonho impossível, ser dona de casa seria um luxo. Não termos que sair todos os dias para onde quase nunca nos apetece ir, não termos que passar o dia inteiro com phones nos ouvidos porque quase nunca nos apetece falar com quem nos emoldura a secretária, não termos de ouvir todos os dias que devíamos ir para Lisboa, "para dar o salto", como se Lisboa não fosse ali ao virar da esquina, mas o centro do Universo, qual Nova Iorque de oportunidades. Não termos de correr atrás, como os tolos, de uma coisa que não se sabe muito bem o que é, nem onde está. Só porque quem não corre fica para trás. Não termos de atender o telefone, ligar o rádio e a televisão à hora certa, não vá o mundo ruir e a notícia escapar. Não termos de dizer que "temos que tomar café", sabendo que vamos tomar mil cafés sem nunca tomarmos aquele. Não termos que fazer de conta.
Nessa ambicionada vida de luxo, nas horas livres, em vez crochet teríamos para ler todos os livros que não conseguimos ler por falta de tempo. Ou porque há jornais todos os dias. Ou porque volta e meia nos obrigamos a tentar entusiasmar-nos com o código da carta que ameaçamos nunca tirar. Pecado mortal neste século, na nossa idade e com profissão tão catita. Andaríamos a pé e de bicicleta porque tudo aquilo de que necessitamos estaria perto. E, ao fim-de-semana, de avião. Não para irmos a Lisboa, por bela que Lisboa seja, mas ao resto do Mundo.
Teríamos ainda tempo para pintar. Para cuidar das fotografias e das pessoas que as habitam. Para o piano, para a viola. E os vizinhos, esses que nos tratariam pelo nome e não precisariam bater à porta para entrar porque a casa também seria deles, juntar-se-iam a nós. Seria uma festa. Mesmo à hora do telejornal, em televisão colectiva.
Nem sequer teríamos que deixar de escrever. Ou de entrevistar. Coisas a que uma pessoa se habitua e depois não consegue deixar de gostar. Ou o contrário, coisas de que se gosta muito e sem as quais não saberíamos viver bem. Receberíamos os entrevistados em casa, com prazer, com vinho tinto e doces caseiros. Não seríamos recebidos em locais públicos ou escritórios cinzentos nem bombardeados com a pergunta automática: "Aceita um café? Uma água, então?" Falaríamos sem cronómetro nem pose. Das coisas que realmente interessam, que são tão poucas, mas para as quais nunca há tempo nem disponibilidade.
A casa de que seríamos dona seria a casa dos nossos amigos. Seria uma casa com tempo. Em ano de eleições, ano em que vale pedir tudo, e onde tantos sonham com triplo salto mortal em prodigiosos trampolins, valerá a pena pedir para ser dona de casa?
Gostei muito do blog e muito deste texto ... Parabéns :)
ResponderEliminarVai ser o meu pedido para 2010. Porque de 2009 já gastei um mês e não me parece que ser dona-de-casa irá acontecer.
Catarina