terça-feira, janeiro 27, 2009

Jornalismo

Não sei se efectivamente a História se repete e se os portugueses, tal e qual como na década de 60, voltam a debandar do Interior para o Litoral, de Norte para Sul, da aldeia para a cidade, à procura de melhores condições de vida. Mas sei que Lisboa não pode absorver mais de metade de Portugal - mais de 60% em agudo processo de desertificação -, nem pode, nem deve, transformar tudo o que não seja a capital do país numa espécie de jardim zoológico. Ainda que já tenhamos estado mais longe de isso poder vir a acontecer.

De quem é a culpa? De nós todos? Seguramente. De todos quantos sucumbem, de todos quantos não resistem, não lutam e sobretudo não criam. Do Governo? A culpa é sempre também do Estado, que centraliza serviços, investimentos e tudo o resto que torna um território mais apetecível. Mas é também da Comunicação Social ou de quem a pensa ou de quem nela manda.

Nos últimos cinco anos, quase 200 jornalistas perderam o emprego no Porto, o que dará uma média de 40 jornalistas desempregados por ano. Mas quantos licenciados saem anualmente das faculdades de jornalismo sem nunca chegarem a experimentar a profissão? Quantos, só das Universidades de Braga, do Porto e de Coimbra? Quantos meios de comunicação nacionais recrutam jornalistas que não sejam de Lisboa para trabalhar fora de Lisboa?

Nos anos 80, o Expresso prometeu investir na redacção do Porto. Quantos jornalistas tem hoje a minúscula delegação do Expresso no Norte? No início dos anos 90, o Público decidiu inovar ao criar duas redacções simétricas, no Porto e em Lisboa. Quantos trabalham hoje numa e noutra cidade? Há dois anos nasceu um novo semanário, o Sol. Onde está a redacção do Sol no Porto? O director do Novo Diário do Grupo Lena já fez questão de dizer que o Porto não é sequer assunto, apesar de dizer que é director de um jornal nacional. Quantos jornalistas tem a Sic no Porto? E a TVI? E quantos serão necessários no Porto para alimentar a futura TVI 24? Zero? Um e meio? E mesmo na RTP, quantos jornalistas existem no Porto, apesar do tentáculo da RTP Porto? Nestes meios todos somados - e são apenas uma amostra dos meios que existem no mercado - existirão 200 jornalistas? Duvido...

Que retrato dá esta Comunicação Social do país? Do país para o qual ela contribui de forma assustadora? Simples, mesmo para quem não lê jornais todos os dias ou não vê televisão a toda a hora. As reportagens dos pobrezinhos, do povo de capa e bengala, das peixeiras do Bolhão, das aldeias desertas, de quem mata o frio à lareira ou morre por ter adormecido nessa mesma lareira, são sempre a Norte. Ciclicamente lá vem um repórter de Lisboa fazer a Grande Reportagem. De vez em quando, vem também entrevistar os Belmiros, os Amorins, etc e tal. De vez em quando, vem ainda tentar entender os hábitos da tribo, da pequena burguesia: os lugares da moda, os cafés da moda, os criadores da moda. Todas as notícias que não são notícia em Lisboa são apenas notícias de estação: Primavera, Verão, Outono, Inverno. A Comunicação Social que temos hoje é uma Comunicação Social cega. Demasiado cega para poder continuar a erguer os valores da verdade e da imparcialidade, sem os quais o jornalismo não é bem jornalismo.

O mundo mudou, é verdade. Conseguimos, em tempo real, ter um pé em Trás-os Montes e outro nos Estados Unidos. Conseguimos escrever, gravar, fotografar, filmar tudo aqui e enviar quase para Marte. Mas, ironicamente, quando se fala de Comunicação Social o espectro é mais limitado. Podemos fazer isso tudo, sim, mas em Lisboa. E de preferência, sobre Lisboa. A Comunicação Social que temos não está só a assassinar gerações inteiras; está a assassinar o país.

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