quinta-feira, janeiro 01, 2009

Depilação integral


As mulheres portuguesas tinham pêlos a mais. Nem era o buço, as axilas, o tapete das pernas ou tudo o que é visível a todos, que mais inquietava os homens. Esses seres viris que recusam ceras e cremes e todos os produtos que lhes retire a sua orgulhosa masculinidade queixavam-se das virilhas, do "arranjo floral", dizem os Gato Fedorento. Sonhavam com mulheres brasileiras, de tanga sem penugem, lisinhas, limpinhas. Mulheres que os faziam arder só de as olharem. Ou, para desgosto de muitos, só de as imaginarem.


Há dois anos, na Folha de S. Paulo, o português João Pereira Coutinho escrevia que "as mulheres brasileiras fizeram mais por Portugal do que séculos e séculos de permutas académicas, literárias, culturais." Ao que parece, defendia o cronista, "as portuguesas, dispostas a não perder a sua quota de mercado, deixaram que o jardineiro entrasse lá em casa, com tesoura de poda, pronto para cortar a relva florestal".

Mérito da contaminação brasileira, ou não, o mundo das mulheres parecia evoluir a bel-prazer dos homens. Coutinho, rendido e grato aos Descobrimentos, acrescentou até que, um dia, alguém irá escrever a história de como "os portugueses descobriram as mulheres indígenas que tinham lá em casa, injustamente perdidas e escondidas na floresta amazónica da frigidez secular". Mas eis se não quando os homens que sonhavam com pêssegos tropicais, esses mesmos que parecem afinal ter deslocado o bigode da cara para o interior do cérebro, anunciam ter mudado de ideias. Afinal, ter pêlos é que é bom. Importam-se de repetir?

A primeira vez que ouvi alguém contestar o que antigamente parecia ser a autoestrada para o paraíso foi o meu amigo M., visivelmente irritado com o que era suposto ser uma surpresa da namorada. Pouco depois, numa entrevista radiofónica, ouvi um desses cantores consagrados da praça a defender o mesmo, com total anuência do entrevistador. Aí percebi que o descontentamento já era do domínio público - seria de massas? - e resolvi inquirir os meus amigos homens.

E confirma-se. Agora, "virilhas sem pêlos é para pedófilos" e tal. (O meu amigo G. diz que tem um amigo - espécie em vias de extinção? - que só gosta de mulheres totalmente depiladas, e que isso o assusta.) Que "mulheres sem pêlos são como crianças", que os desconcentra. Que uma "mata atlântica" é mau, mas um "jardim aparado" muito bom. "O suficiente para percebermos que a mulher se cuida, mas sem exagero". Que um "triângulo à moda antiga baralha, mas que um risquinho é obrigatório". E sim, usam estes termos e expressões todas, vagamente (claramente?) ridículos.

Ora, a depilação total é cara, dói tanto como uma dor de dentes, implica uma relativa dose de ginástica acrobática e uma exposição mais total do que a própria depilação perante a especialista que faz o trabalho. E não é qualquer uma que o faz. Muito menos bem feito. Tenho portanto para mim que cada homem devia experimentar o exercício só uma vez. Só para saber do que fala quando fala. E, vá lá, para dar valor. De qualquer forma, decidi obter a derradeira prova junto da minha esteticista, jovem artista russa, melhor do que dez brasileiras juntas. E não há que enganar: os homens agora querem pêlos. Mulheres inseguras fazem-lhes a vontade; as outras seguem em frente.

Será que este súbito pudor masculino vai alastrar-se ao topless? Será que vamos começar a ver os homens na praia de manto branco na mão a esconder o corpo das mulheres? Haja santa paciência!

3 comentários:

  1. E que tal deixar a debate dos dois elementos da relação ?
    A mim assusta-me muito mais o clássico "tapete persa", do que a depilação integral.
    A tua crónica faz-me lembrar o Maio de 68, e o queimar de soutiens.
    Deixemos a democracia funcionar, e cada casal escolher o que possa trazer mútua satisfação ...

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  2. Sr. Anónimo, não tenho o hábito de responder aos comentários, mas... em que parte do post é que eu me manifestei contra a depilação integral?!

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