sexta-feira, janeiro 20, 2006

Cavaco Silva numa sociedade mendiga e atrasada

Foi há 16 anos. Podia ter sido hoje. Escreveu Vasco Pulido Valente em Julho de 1989, no Independente:
"Não se pode compreender Cavaco sem compreender essa aberração, essa autêntica originalidade portuguesa que se chama PPD/PSD. Inscrito no grupo liberal do Parlamento Europeu e tendo relações orgânicas e financeiras com os partidos liberais da Europa, o PPD/PSD não é, nem por aproximação, um partido liberal. Não é também, apesar do segundo nome que tardiamente lhe deram e do que desde o princípio proclamaram os seus dirigentes, um partido social-democrata. Há mesmo legítimas dúvidas de que seja democrático. Mas não há dúvida alguma de que é popular.
(...)

Quanto à célebre governação do dr. Cavaco resume-se a usar com algum proveito o pouco dinheiro que existe e ir distribuindo o mal pelas aldeias. E que mais seria de esperar numa sociedade mendiga e atrasada?
A primeira condição do exercício consiste naturalmente no poder absoluto, que o dr. Cavaco com toda a razão exige. Sem um poder absoluto, não conseguiria conter e disciplinar o vasto número de indivíduos, de instituições e de grupos de pressão, cuja vida ou simples sobrevivência dependem do Estado. Os pobres nunca estão satisfeitos e os portugueses são todos pobres. Os nossos pobres são pobríssimos e os nossos ricos uns pobres ricos.
A maioria garante a essência do dr. Cavaco. Com a existência o problema complica-se. Daí que o dr. Cavaco reeitere obsessivamente que não governa para ninguém em particular, porque a sua paternal justiça não pode ser impugnada. Daí que afirme absessivamente a sua impermeabilidade às pressões e veja uma conspiração de «interesses» dúbios por detrás das mais ténues críticas que lhe dirigem. Essa paranóia é pura política. Ele sente-se como o proverbial menino holandês com o dedo no dique. Se alguém o mover um só milímetro, segue-se o desastre. Ceder uma vez significa animar as fúrias dormentes da frustração portuguesa. Ele não cede. Dá audiência real à oposição e chama à conversa «diálogo». Não se corrige, mesmo quando erra, e, quando por acaso se corrige, nega que se corrigiu.
Cavaco supõe que a sua impassividade inspira confiança. Inspira, pelo menos, uma certa apatia e tende a desencorajar as partes queixosas, que se cansam de bater com a cabeça no muro. Ele acha isso óptimo, sem perceber o que perde no processo. O princípio fundamental do cavaquismo não lhe permite perceber. Ele imagina que é Primeiro-Ministro por causa da sua capacidade técnica como gestor da economia. Dispensa ou subtrai dinheiros daqui e dali, destes ou daqueles bolsos, em nome da ciência.
O «grande desígnio» de Cavaco foi destroçado em dois anos; e falta-nos ainda assistir às suas piores consequências. Foi destroçado e não apenas, como ele pretende, por causa das dificuldades internacionais. Mas por ele próprio.
(...)
Muitas vezes, durante a irresponsável campanha de 1987, pensei se o homem perceberia o que estava a fazer. Percebesse ou não, proclamar aos míseros portugueses que não tornariam a «apertar o cinto» e que ele tiraria Portugal «da cauda da Europa» era o mesmo que lhes anunciar a morte de um tio rico no Brasil. As «expectativas» que isto criou liquidaram imediatamente toda a possibilidade de comedimento ou de «concertação». As pessoas ficaram à espera dos serviços sociais dos suecos, dos salários dos alemães e dos impostos dos turcos; e entretanto foram às compras.

2 comentários:

  1. E de que maneira, amigo Miguel, nós sabemos que, lá para os nossos lados, nem sequer foram necessários rendimentos mínimos para que a coisa desacarrilasse. Abençoados os subsídios da era cavaquista com que tanta gente, como nós tão bem sabemos, se governou.

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  2. Sr. ou Sra. "Pedra Alta", desista de dizer as verdades, não vale a pena.
    À Menina Helena aplica-se o velho ditádo: "Mais cego é o que não quer ver".

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