Foi há 16 anos. Podia ter sido hoje. Escreveu Vasco Pulido Valente em Julho de 1989, no Independente:
"Não se pode compreender Cavaco sem compreender essa aberração, essa autêntica originalidade portuguesa que se chama PPD/PSD. Inscrito no grupo liberal do Parlamento Europeu e tendo relações orgânicas e financeiras com os partidos liberais da Europa, o PPD/PSD não é, nem por aproximação, um partido liberal. Não é também, apesar do segundo nome que tardiamente lhe deram e do que desde o princípio proclamaram os seus dirigentes, um partido social-democrata. Há mesmo legítimas dúvidas de que seja democrático. Mas não há dúvida alguma de que é popular.
(...)
Quanto à célebre governação do dr. Cavaco resume-se a usar com algum proveito o pouco dinheiro que existe e ir distribuindo o mal pelas aldeias. E que mais seria de esperar numa sociedade mendiga e atrasada?
A primeira condição do exercício consiste naturalmente no poder absoluto, que o dr. Cavaco com toda a razão exige. Sem um poder absoluto, não conseguiria conter e disciplinar o vasto número de indivíduos, de instituições e de grupos de pressão, cuja vida ou simples sobrevivência dependem do Estado. Os pobres nunca estão satisfeitos e os portugueses são todos pobres. Os nossos pobres são pobríssimos e os nossos ricos uns pobres ricos.
A maioria garante a essência do dr. Cavaco. Com a existência o problema complica-se. Daí que o dr. Cavaco reeitere obsessivamente que não governa para ninguém em particular, porque a sua paternal justiça não pode ser impugnada. Daí que afirme absessivamente a sua impermeabilidade às pressões e veja uma conspiração de «interesses» dúbios por detrás das mais ténues críticas que lhe dirigem. Essa paranóia é pura política. Ele sente-se como o proverbial menino holandês com o dedo no dique. Se alguém o mover um só milímetro, segue-se o desastre. Ceder uma vez significa animar as fúrias dormentes da frustração portuguesa. Ele não cede. Dá audiência real à oposição e chama à conversa «diálogo». Não se corrige, mesmo quando erra, e, quando por acaso se corrige, nega que se corrigiu.
Cavaco supõe que a sua impassividade inspira confiança. Inspira, pelo menos, uma certa apatia e tende a desencorajar as partes queixosas, que se cansam de bater com a cabeça no muro. Ele acha isso óptimo, sem perceber o que perde no processo. O princípio fundamental do cavaquismo não lhe permite perceber. Ele imagina que é Primeiro-Ministro por causa da sua capacidade técnica como gestor da economia. Dispensa ou subtrai dinheiros daqui e dali, destes ou daqueles bolsos, em nome da ciência.
O «grande desígnio» de Cavaco foi destroçado em dois anos; e falta-nos ainda assistir às suas piores consequências. Foi destroçado e não apenas, como ele pretende, por causa das dificuldades internacionais. Mas por ele próprio.
(...)
Muitas vezes, durante a irresponsável campanha de 1987, pensei se o homem perceberia o que estava a fazer. Percebesse ou não, proclamar aos míseros portugueses que não tornariam a «apertar o cinto» e que ele tiraria Portugal «da cauda da Europa» era o mesmo que lhes anunciar a morte de um tio rico no Brasil. As «expectativas» que isto criou liquidaram imediatamente toda a possibilidade de comedimento ou de «concertação». As pessoas ficaram à espera dos serviços sociais dos suecos, dos salários dos alemães e dos impostos dos turcos; e entretanto foram às compras.
E de que maneira, amigo Miguel, nós sabemos que, lá para os nossos lados, nem sequer foram necessários rendimentos mínimos para que a coisa desacarrilasse. Abençoados os subsídios da era cavaquista com que tanta gente, como nós tão bem sabemos, se governou.
ResponderEliminarSr. ou Sra. "Pedra Alta", desista de dizer as verdades, não vale a pena.
ResponderEliminarÀ Menina Helena aplica-se o velho ditádo: "Mais cego é o que não quer ver".