A felicidade humana é uma questão metafísica e religiosa, não um problema social: a ética é mais importante do que as instituições sociais. [Mann] vê esse legado ameaçado pelos Zivilisationsliteraten com a sua 'politização do espírito'. Os Zivilisationsliteraten proclamam que toda a felicidade é devida a uma ideologia política e a instituições sociais. Desse modo, a felicidade não é uma questão metafísica ou religiosa, mas um problema político. Acreditam na sociedade perfeita e no indivíduo perfeito. É esta ideia que mais repugna a Mann, porque significa a negação do que considera a essência da existência: morte, limitações humanas, o ser humano como criatura com questões para as quais não há respostas imediatas. É por essa razão que Mann adora Parsifal, porque mesmo que todos sejamos tão inocentes como esse tolo, não devíamos todos honrar a nossa existência procurando, duvidando? A existência humana não pode ser construída; as políticas não nos deviam prometer felicidade. O pensamento político não está em posição de resolver as questões da vida. Para Mann, somente a educação liberal, a ética, a religião e a arte nos podem guiar nessa demanda.
Mas, precisa o escritor, os 'novos tempos' propagandeados pelos Zivilisationsliteraten só conduzirão a mais nivelamento, vulgarização e estupidificação. Não haverá lugar, nem mesmo interesse, para o crescimento interior, para a educação liberal que, na perspectiva de Goethe, conduz ao respeito - respeito pelo divino, pela terra, pelos seres humanos nossos semelhantes, e portanto pela nossa própria dignidade.
A religião é afastada pela racionalidade total. A moralidade substituída por uma doutrina de virtude. Mas a verdadeira moralidade admite a dúvida, sim, admite mesmo o pecado, admite uma consciência do reino demoníaco em que a humanidade pode persistir. (...) Citando mais uma vez Goethe: "Uma boa obra de arte pode ter e terá consequências morais, mas exigir finalidades morais do artista é destruir a obra de arte." A arte é uma força irracional que demonstra, muitas vezes, que a nova doutrina da Razão, Virtude, Felicidade, não proporciona a humanidade a sabedoria da vida. A arte tem um valor ético, na opinião de Mann. Mas a ética não é o mesmo que virtude, decência burguesa, ou qualquer outra moral politicamente desejada. A arte retira o seu valor ético exclusivamente do seu valor estético, do seu estatuto como arte - a arte pela arte -, da sua independência, que está ligada ao seu único objectivo: exprimir a beleza e a verdade. É precisamente porque a arte não ignora o demoníaco que conhece as profundezas da alma humana, que pode fornecer aos indivíduos revelações sobre eles mesmos que não se obtêm de qualquer outra maneira. Todavia, quem a reduz a uma utilidade moral, destrói a arte.
A verdade sofrerá um destino diferente do da moral ou da arte? Não, porque os 'indivíduos perfeitos' que não têm defeitos - a conformidade com a ideologia política dominante é suficiente - julgam que podem possuir a verdade tal como possuem a virtude. A dúvida é desnecessária, mesmo indesejável. Mas Thomas Mann aprendera que ninguém pode ser dono da verdade e que, além disso, a humanidade é mais bem servida pela demanda da verdade do que pela sua posse absoluta.
Rob Riemen, Nobreza de espírito, um ideal esquecido
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