Chegámos a casa ao início da noite, razoavelmente felizes, depois de um dia particularmente fruído, alheados das notícias do país. Alertados por mensagem alarmista, ligámos o computador, abrimos todos os sites de notícias e quase achámos que o computador havia sofrido um bug: em todos os jornais, em todas as televisões, em todas as rádios, a mesma notícia: o país está de tanga! E a frase de Durão Barroso não é de 2003 - é mesmo de 2010, de agora. E será fatalmente válida por muitos anos. Procurámos imagens, sons, provas da verdade, revemos a conferência de imprensa que, em circunstâncias normais, teríamos visto em directo. Emudecemos. Mesmo. Somos socialistas, socialistas de uma Esquerda solidária, igualitária, progressista, votámos neste Governo. Duas vezes. Lemos tudo como quem apanha um choque eléctrico, mas em câmara lenta. Para doer mais. Chorámos.
Dois objectivos para o longo e árduo percurso a que nem todos conseguirão sobreviver: convencer o PSD a aprovar o Orçamento de Estado e atingir um défice de 4,6% em 2011. Um défice semelhante ao da Alemanha. Atingir objectivos iguais em países que não poderiam ser mais diferentes. Para isso, o Governo vai: 1) reduzir 3,5% nos salários da função pública que se situem no intervalo entre os 1500 e os 2000 euros (menos 70 euros por mês) e reduzir 10% nos salários superiores a esse valor. (E com isso abrir a porta à redução de salários também no sector privado, diminuir o poder de compra, sufocar o pequeno comércio - ah, as tão propaladas PME's, talvez a sigla mais ouvida nos debates eleitorais das últimas eleições!... -, gerar mais desemprego.); 2) Vai congelar as admissões e reduzir o número de contratados; 3) Vai reduzir as ajudas de custo, horas extraordinárias e acumulação de funções, eliminando a acumulação de vencimentos públicos com pensões; 4) Vai reduzir as despesas do Serviço Nacional de Saúde, nomeadamente com medicamentos e exames; 5) Vai reduzir os encargos com a ADSE; 6) Vai aumentar 1% aos descontos para a Caixa Geral de Aposentações; 7) Vai eliminar o aumento extraordinário de 25% do abono de família nos escalões 1º e 2º e eliminá-lo para os rendimentos mais elevados (superiores a 630 euros brutos); 8) Vai reduzir 20% da despesa com o Rendimento Social de Inserção; 9) Vai reduzir as transferências para o ensino e sub-sectores da Administração: Autarquias e Regiões Autónomas, Serviços e Fundos Autónomos; 10) Vai criar um novo imposto sobre os bancos; 11) Vai aumentar o IVA de 21% para 23%; 12) Vai reduzir as despesas com indemnizações compensatórias e subsídios às empresas; 13) Vai reduzir as despesas com o PIDDAC; E mais e mais e mais...
Do lado da despesa, o Governo espera poupar 3,4 milhões de euros. Do lado da receita, espera amealhar 1,7 milhões de euros. Acresce a isto a decisão da PT de transferir para o Estado as responsabilidades com planos de pensões regulamentares e respectivos Fundos de Pensões. Ou seja, 1844 milhões mais um bónus de 750 milhões de euros, que totaliza 2,6 mil milhões, que servirão, disse Teixeira dos Santos, para cobrir a baixa execução das receitas não fiscais e para patrocinar os submarinos comprados por anterior Governo.
É a mão do FMI sem o FMI, comentou Ricardo Costa, do Expresso. São medidas necessárias nesta fase, mas agravadas por serem tardias, explicou Nicolau Santos à Sic N. É um retrocesso a 1985, surpreendeu-se Ernâni Lopes, ex-ministro das Finanças que enterrou o FMI na véspera da adesão de Portugal à então CEE, com a desvantagem de que agora já não há mais nada a que a aderir para estabilizar a economia e tirar o país do pântano.
O PS multiplica-se em declarações, em justificações (como sempre, Augusto Santos Silva ganhava mais se estivesse calado), o partido louva a coragem de Sócrates, assegura que os socialistas estão unidos no pacote de medidas que gostariam de nunca ter de anunciar. O PSD também surge no habitual número de inversão de marcha. Ah, se assim é, talvez deixemos passar o OE! Isto apesar de ter dito e insistido que não aceitaria o aumento de impostos. Mas onde é que já ouvimos isto?! Pedimos desculpa e pronto. Os mercados talvez sossegem, talvez já amanhã, talvez baixem a taxa de juros, um recorde de 6,7%. Bruxelas talvez aplauda.
E daqui a uns meses, Cavaco Silva é reeleito presidente, superam-se os meses que inviabilizam legislativas, Sócrates cai e Passos sobe ao poder. E, sem surpresa, exercitá-lo-á fazendo mais disto ou pior, mas repisando sempre que a culpa não é dele, é da herança que recebeu. Antes dele, havia uma senhora que era melhor do que ele e talvez até, who knows?, melhor do que Sócrates. Ninguém a ouviu, dizem agora os que estavam com ela. Mas foram esses, também, que a deixaram cair. Esses e os outros. Os outros todos que nela só viam a velha e a feia. Queriam um primeiro-ministro bonito? Está quase aí, quase numa sala perto de si. Para quem conseguir manter a sala.
Dois objectivos para o longo e árduo percurso a que nem todos conseguirão sobreviver: convencer o PSD a aprovar o Orçamento de Estado e atingir um défice de 4,6% em 2011. Um défice semelhante ao da Alemanha. Atingir objectivos iguais em países que não poderiam ser mais diferentes. Para isso, o Governo vai: 1) reduzir 3,5% nos salários da função pública que se situem no intervalo entre os 1500 e os 2000 euros (menos 70 euros por mês) e reduzir 10% nos salários superiores a esse valor. (E com isso abrir a porta à redução de salários também no sector privado, diminuir o poder de compra, sufocar o pequeno comércio - ah, as tão propaladas PME's, talvez a sigla mais ouvida nos debates eleitorais das últimas eleições!... -, gerar mais desemprego.); 2) Vai congelar as admissões e reduzir o número de contratados; 3) Vai reduzir as ajudas de custo, horas extraordinárias e acumulação de funções, eliminando a acumulação de vencimentos públicos com pensões; 4) Vai reduzir as despesas do Serviço Nacional de Saúde, nomeadamente com medicamentos e exames; 5) Vai reduzir os encargos com a ADSE; 6) Vai aumentar 1% aos descontos para a Caixa Geral de Aposentações; 7) Vai eliminar o aumento extraordinário de 25% do abono de família nos escalões 1º e 2º e eliminá-lo para os rendimentos mais elevados (superiores a 630 euros brutos); 8) Vai reduzir 20% da despesa com o Rendimento Social de Inserção; 9) Vai reduzir as transferências para o ensino e sub-sectores da Administração: Autarquias e Regiões Autónomas, Serviços e Fundos Autónomos; 10) Vai criar um novo imposto sobre os bancos; 11) Vai aumentar o IVA de 21% para 23%; 12) Vai reduzir as despesas com indemnizações compensatórias e subsídios às empresas; 13) Vai reduzir as despesas com o PIDDAC; E mais e mais e mais...
Do lado da despesa, o Governo espera poupar 3,4 milhões de euros. Do lado da receita, espera amealhar 1,7 milhões de euros. Acresce a isto a decisão da PT de transferir para o Estado as responsabilidades com planos de pensões regulamentares e respectivos Fundos de Pensões. Ou seja, 1844 milhões mais um bónus de 750 milhões de euros, que totaliza 2,6 mil milhões, que servirão, disse Teixeira dos Santos, para cobrir a baixa execução das receitas não fiscais e para patrocinar os submarinos comprados por anterior Governo.
É a mão do FMI sem o FMI, comentou Ricardo Costa, do Expresso. São medidas necessárias nesta fase, mas agravadas por serem tardias, explicou Nicolau Santos à Sic N. É um retrocesso a 1985, surpreendeu-se Ernâni Lopes, ex-ministro das Finanças que enterrou o FMI na véspera da adesão de Portugal à então CEE, com a desvantagem de que agora já não há mais nada a que a aderir para estabilizar a economia e tirar o país do pântano.
O PS multiplica-se em declarações, em justificações (como sempre, Augusto Santos Silva ganhava mais se estivesse calado), o partido louva a coragem de Sócrates, assegura que os socialistas estão unidos no pacote de medidas que gostariam de nunca ter de anunciar. O PSD também surge no habitual número de inversão de marcha. Ah, se assim é, talvez deixemos passar o OE! Isto apesar de ter dito e insistido que não aceitaria o aumento de impostos. Mas onde é que já ouvimos isto?! Pedimos desculpa e pronto. Os mercados talvez sossegem, talvez já amanhã, talvez baixem a taxa de juros, um recorde de 6,7%. Bruxelas talvez aplauda.
E daqui a uns meses, Cavaco Silva é reeleito presidente, superam-se os meses que inviabilizam legislativas, Sócrates cai e Passos sobe ao poder. E, sem surpresa, exercitá-lo-á fazendo mais disto ou pior, mas repisando sempre que a culpa não é dele, é da herança que recebeu. Antes dele, havia uma senhora que era melhor do que ele e talvez até, who knows?, melhor do que Sócrates. Ninguém a ouviu, dizem agora os que estavam com ela. Mas foram esses, também, que a deixaram cair. Esses e os outros. Os outros todos que nela só viam a velha e a feia. Queriam um primeiro-ministro bonito? Está quase aí, quase numa sala perto de si. Para quem conseguir manter a sala.
Sócrates quis driblar a crise, quis acreditar que era possível trilhar outros caminhos que não este. Talvez tenha sido laxista. Ou foi só incompetente. Atrasou-se. E de cada vez que um primeiro-ministro se atrasa é o país que paga a conta. Mas um homem sozinho não destrói um país inteiro. Seria talvez conveniente recordar a fuga de Durão Barroso em 2003, o circo de Santana Lopes logo a seguir e todos os políticos que fazem da função um exercício de adolescência retardada.
Os espanhóis, por medidas idênticas, invadiram as ruas. Os portugueses talvez nem isso façam. E se o fizerem, também para eles será já tarde demais. Pouco ou nada mudará. Vai haver fome. Vai haver gente que vivia normalmente a viver mal. Gente que vai deixar de ter filhos (ah, o apelo à natalidade de Cavaco!); pais que têm filhos a estudar e que vão retirá-los da escola (ah, as novas tecnologias e o ensino até ao 12º ano!...).Vai haver debandada do país. Desemprego, mais. Falências, mais. Recessão. O início do fim.
Acordem-me, por favor, quando isto passar. E se puderem, digam-me que não passou de um sonho mau.