"E se nos perguntarmos o que é que nos junta, o que vimos no Miguel, cada um terá uma resposta diferente, mas eu queria dar-vos a minha. A perplexidade de um homem que era capaz de nos dizer que a vida pública e a vida política desumaniza. Por isso mesmo, há alguma coisa de verdade mais profunda, que são os sentimentos, que é a vibração da vida, que é a ternura da vida, e é isso que eu quis trazer. Eu sei que não é bom dia para vos falar de romantismo, mas é por isso que eu quero falar-vos de amor. O amor não tem boa fama, o romantismo muito menos. Eu sei que o amor é egoísta, quer tudo para si. Eu sei que o amor é arrogante, quer sempre mais, mas sei também que toca, que encanta, que entranha. E que com ele aprendemos o que nunca sabemos e sabemos o que nunca percebemos. Dizia o Miguel, quando explicou num texto por que é que achava que o amor era inextricável, inexplicável, perguntou a uma amiga, "estou nesta aflição, tenho que fazer uma conferência sobre os sentidos do amor". E ela disse-lhe: "mas tu não tens idade para saber que o amor não tem sentido nenhum?" Por isso ele hoje podia escrever na festa de Iemanjá que um beijo é para toda a eternidade. O amor é isso, o romantismo era Miguel Portas. O romantismo de quem vive a vida toda, a vida intensa, quem quer vivê-la, quem quer vibrar com ela, quem quer aprender com ela, quem quer crescer dela - Miguel Portas. E é deste romantismo de procurar os outros, de aprender com os outros, que eu queria falar. (...)
Conhecer é perguntar e ele queria conhecer e perguntava. Pelas lendas, pela gastronomia, pela cultura, pela arte, pela pinturas, pelas pessoas, por aquilo que elas contam, pelas suas histórias, pelo que elas são, pelo que elas querem, o que elas prometem. Romantismo todos os dias. E romantismo consigo sempre também. Consigo mesmo. "Amar as coisas simples", dizia uma amiga nossa. Um cigarro numa esplanada, escrever com tempo, mas viver depressa. Esse romantismo que é escolher e acreditar, que é decidir e fazer, arriscar e perder, arriscar e lutar. Esse romantismo é o sentimento do amor, e era o mais genuíno e o mais forte que o Miguel tinha para nos dar. Todos reconhecemos nele essa centelha quando o conhecemos. E, por isso, quando ele lutava contra a troika, quando ele fazia das suas causas a sua vida, quando lutava na era dos credores pela capacidade de o povo poder decidir, poder fazer escolhas, poder criar alternativas, poder fazer caminhos, poder decidir, quando trazia a solidariedade em cada um desses momentos, ele dizia-nos, nós sabemos: não desistir de nada. Da solidariedade, não desistir de nada. Da justiça, não desistir de nada. Do socialismo, não desistir de nada."
Francisco Louçã
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