sexta-feira, maio 20, 2011

Contos de Tchékhov Vol. III


Nós, os russos polidos, temos propensão para estas questões irresolúveis. Por norma, o amor é poetizado, enfeitado de rosas e rouxinóis; ora nós, os russos, enfeitamos o nosso amor com essas questões fatais, e escolhemos entre elas as menos interessantes. Em Moscovo, quando ainda era estudante, tinha uma namorada, senhora muito querida que, sempre que a apertava nos meus braços, pensava em quanto eu lhe daria por mês e em qual era, na altura, o preço da libra de vitela. Também nós, quando estamos apaixonados, não paramos de nos interrogar; se é honesto ou desonesto, se é inteligente ou estúpido, aonde nos levará este amor, etc. Se isso é bom ou mau, não sei dizer, sei apenas que incomoda, não satisfaz, irrita.

(...) De cada vez que ia à cidade via sempre nos olhos dela que me esperava; ela própria me confessava que, ainda de manhã, tivera uma sensação especial, o pressentimento de que eu apareceria. Falávamos muito, calávamo-nos muito, mas não confessávamos o nosso amor, escondíamo-lo timidamente, receosamente. Tínhamos medo de tudo o que pudesse abrir o nosso segredo mesmo a nós próprios. Eu amava-a profundamente, com ternura, mas também ponderava, interrogava-me sobre aonde nos poderia levar o nosso amor se não tivéssemos forças para lhe resistir; parecia-me intolerável que aquele meu amor sereno, triste, pudesse quebrar súbita e rudemente a corrente feliz da vida do seu marido, dos seus filhos, de toda aquela casa onde gostavam tanto de mim, onde me faziam tanta companhia. Seria honesto? Ela seguir-me-ia, mas para onde? Para onde a poderia levar? Outra coisa seria se eu tivesse uma vida bela, interessante, se, por exemplo, estivesse a lutar pela libertação da pátria, ou se fosse um cientista célebre, um actor ou um pintor; mas, na realidade, teria de a arrastar de um ambiente vulgar e quotidiano para outro igual, ou ainda mais quotidiano. E quanto tempo duraria a nossa felicidade? O que seria dela no caso de doença minha, ou morte, ou se, pura e simplesmente, deixássemos de nos amar?

(...) Feliz ou infelizmente, nada existe na vida que não acabe mais cedo ou mais tarde. Chegou a hora da despedida. (...) Quando ela já se despedira do marido e dos filhos e já não faltava muito tempo para o terceiro e último sinal de partida, entrei no seu compartimento para pôr na bagageira uma cesta que ela ia esquecendo em terra; também eu devia despedir-me dela. Quando, no compartimento, os nossos olhares se cruzaram, a força da alma abandonou-nos aos dois, abracei-a, ela apertou o rosto contra o meu peito, as lágrimas corriam-lhe nos olhos; beijando-a no rosto, nos ombros, nas mãos molhadas de lágrimas - oh, que infelizes que nós estávamos! - declarei-lhe o meu amor e compreendi, com uma dor pungente no coração, como era inútil, mesquinho e enganador tudo o que nos impedia de amar. Compreendi que, ao amarmos, temos de reflectir sobre o amor numa base mais elevada, mais importante do que a felicidade ou a infelicidade, o pecado ou a virtude no seu sentido corrente, ou então não vale a pena, sequer, reflectir sobre ele.

Beijei-a pela última vez, apertei-lhe a mão entre as minhas, e separámo-nos para sempre.

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