domingo, maio 29, 2011

Gilles Lipovetsky: "Não é a ética ou a moral que salvará os homens; será a inteligência e a razão"


O mercado tem uma lógica que faz com que não se ocupe dos valores. Tem por ideal a rentabilidade, a eficácia, o lucro. A sua motivação é a concorrência. Não há aí valores éticos. Este mundo, de alguma forma, cria o ideal do dinheiro, do sucesso, e pode, de certa maneira, ser niilista, porque quando se trata de dinheiro, quer sempre sempre mais. Não há um fim. É o dinheiro pelo dinheiro. Ganhar por ganhar. Se não ganhas, morres. A moral não existe neste terreno. 

O poder do mercado, o liberalismo económico reduziu o outro liberalismo, que é o liberalismo político. O ideal da democracia. O poder do mercado estrangula a liberdade da governação. No mundo de hoje, há uma hipertrofia do mundo capitalista, do mercado, que faz a democracia perder o poder que tinha no que chamo a primeira modernidade. A primeira modernidade foi uma ideia revolucionária em que a política mandava. Hoje não.  Temos o sentimento de que a democracia é fraca em comparação com o mercado. Há como que uma impotência política por oposição à hiperpotência económica. Há uma ferida democrática que se concretiza numa decepção democrática. As pessoas não votam. Há uma grande desconfiança em relação aos políticos, até porque a esquerda e a direita fazem o mesmo.

A ideologia do consumo assenta em algo de fundamental, que é, por um lado, a individualização da sociedade e, por outro, o mercado. Os dois vão em paralelo. (...) O indivíduo procura a felicidade, procura emoções, coisas que o façam sair de si próprio. Então, temos duas forças fundamentais, a económica e o individualismo da cultura, que convergem para fazer um tipo de indivíduo, uma espécie de exigência de renovação. Bem sei que os ecologistas dizem que é uma loucura, que podemos viver bem sem todos esses objectos supérfluos. Estou de acordo no plano dos princípios. Mas a realidade não é assim. Hoje há como que uma ansiedade nos indivíduos. E é por isso que acho que não é exactamente uma ideologia. É mais forte do que isso. É qualquer coisa que está no coração da hipermodernidade. O hiperconsumo vai conquistar o planeta. De momento, temos dez mil milhões de consumidores. Alguém acredita que vai parar aqui? Podemos não concordar com isto, mas não resolvemos nada com julgamentos morais. Não faremos recuar a loucura do consumo sem uma transformação do sistema escolar, de modo a que as pessoas encontrem um sentido para a vida para lá do consumo. Não é a ética ou a moral que salvará os homens. Será a inteligência e a razão. 

Não creio que o consumo esteja concebido para nos dar felicidade. O consumo significa satisfação, o que não é a mesma coisa. A prova é que se pode consumir mesmo que não se esteja feliz. Mas ninguém é forçado a consumir. Se estiver muito feliz com a mulher que ama, provavelmente fica no quarto com ela. Isso não custa nada e não representa uma atitude consumista.

[Entrevista ao Expresso, 28 de Maio de 2011]

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