sexta-feira, maio 06, 2011

Michael Cunningham: Uma casa no fim do mundo


Não éramos amantes, mas quase. Ocupávamos a esfera superior do amor, onde as pessoas acarinham a companhia e excentricidades umas das outras, onde se querem bem. Uma vez que não éramos amantes no sentido carnal do termo, não tínhamos utilidade para os pequenos crimes. Clare e eu partilhávamos os piores segredos e os mais absurdos temores. Jantávamos juntos e fazíamos compras, avaliávamos as qualidades dos homens que se cruzam connosco nas ruas. Em retrospectiva, diria que éramos como as irmãs das histórias tradicionais; as histórias em que a irmã mais nova e mais bonita não pode casar enquanto ninguém reclamar a mais velha e menos atraente. No nosso caso, contudo, éramos ambas as irmãs ao mesmo tempo. Partilhávamos uma vida de roupas, mexericos e auto-análise. Esperávamos, sem particular urgência, que alguém nos reclamasse para o outro, mais terrível, tipo de amor.

(...) O problema de um casamento tranquilo é que se recusa a acabar - em momento algum um gesto de injustiça ou crueldade nos proporciona um pretexto para voltar costas e avançar, sem remorsos nem culpa, para um outro modo de existência. Vive-se nos pormenores: uma cozinha disposta à nossa maneira, tomates a amadurecer em filas semeadas e regadas pelas nossas próprias mãos. (...) Os filmes e os livros da nossa juventude não nos preparam adequadamente para a força do encanto das nossas futuras casas; não nos advertem contra os poderes de sedução exercidos pelas janelas de uma sala voltada a sul, ou pelos vasos de malva-rosa ladeando duas portas de estilo francês.

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