Os franceses são e sempre foram pretensiosos. Dizerem de Houellebeqc, de nome verdadeiro Michel Thomas, que escreve romances como quem escreve "memorandos de uma empresa", é uma profunda injustiça. Argumentarem que é vastamente lido nos outros países apenas porque a sua hermenêutica é simplista, de uma sobranceria desconcertante. Houellebecq não escreve como escrevem os franceses: não é Honoré de Balzac, não é Charles Perrault, nem Chanford, nem Dumas, nem Duras, nem Flaubert, nem Camus, nem Hugo, nem... Não sei se é uma virtude, mas sei que está longe de ser um defeito. E reduzir os seus livros a uma maratona de obsessões sexuais - mesmo que seja esse, aparentemente, o denominador comum de todas as suas publicações -, sinceramente, é não ser capaz de chegar lá, ao lugar onde é suposto chegar-se.
"Plataforma" cruza a apoteose do turismo sexual dos resorts asiáticos com o cutelo do fundamentalismo islâmico, desmascarando de forma atroz as contingências da contemporaneidade nos dois extremos do mundo. Do Ocidente pudico, que cora quando o tema é sexo, mas que ruma para paragens tão distantes quanto possível para se entregar aos braços do prazer, não hesitando em pagar por isso. "Essa busca desesperada, equiparada à de alguém que foge da sua própria sombra, é bem conhecida nos meios ligados ao turismo, que lhe chama o paradoxo da «double mind»". E do Islão mentecapto, de crenças doentias, para quem a morte é sempre a primeira arma contra o pecado. O seu pecado. "Chegará certamente o dia em que o mundo ficará livre do Islão; embora para mim seja tarde demais. Lamentavelmente, falta de vontade de viver não é o suficiente para sentirmos vontade de morrer."
Ao terceiro romance, a novidade, do ponto de vista da existência do protagonista, é a benção do amor - "Quando falta o amor, nada pode ser santificado." - a que, até então, nunca se assistira. Michel, que mantém em comum com os personagens dos livros anteriores, o desprezo pelos homossexuais e pelos muçulmanos, a dedicação vaga à profissão (excepção para Michel, o biólogo molecular de 'Partículas'), a aversão à América e a consagração a uma existência desinteressante e desinteressada - "É fácil renunciarmos a viver, pormos de lado a nossa própria vida" -, pouco católica e pouco altruísta, apaixona-se de forma derradeira. Seria o início de um ciclo novo, se não ficasse drasticamente interrompido pela demonstração de incompatibilidade cultural e religiosa entre os mundos todos.
"Plataforma" é, à sua maneira, uma história de amor. Mas "quando a vida amorosa acaba, é a vida no seu conjunto que adquire qualquer coisa um pouco forçada e convencional. Permanece o aspecto humano e os comportamentos habituais, como uma espécie de estrutura; mas, para empregar uma expressão corrente, o coração já não mora aqui".
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