[Foto: Bruno Castanheira]
Mas Ricardo II, encenado por Nuno Cardoso para o Teatro Nacional Dona Maria II, em Lisboa - em cena até 8 de Julho - é assim uma espécie de imenso jogo de futebol, que também podia ser de xadrez, mas onde "o mecanismo de confrontação entre as duas equipas - a que exerce o poder e aquela sobre quem ele é exercido - extrapola os limites das regras de qualquer desafio".
A ilustração desse divórcio subjaz a toda a peça. A engrenagem sobre a transição de poder de Ricardo II (João Ricardo) para o seu primo Bullingbrook, duque de Hereford (Gonçalo Amorim), que assumirá o título de Henrique IV, "é uma espécie de jogo de espelhos que se vai amplificando, uma dissecação perfeita do movimento antitético entre as duas personagens.
No início, um é rei; o outro apenas um homem. De repente, redefinem-se e os papéis invertem-se. Mas ambos continuam presos. Antes de tudo, à sua identidade". É o poder enquanto "monstro de Frakenstein" "As maiores sevícias praticam-se quando não temos consciência delas. Daí, as grandes catástrofes e a dimensão de loucura que o homem transporta", afirma Nuno Cardoso, para justificar que é justamente "a nossa constante distanciação da aceitação de coisas tão simples como a morte - Ricardo diz: "A morte é a única coisa que nos pertence" - que o "fascina" e o conduz à escolha de textos que versam invariavelmente sobre "temáticas complexas".
A aposta - primeira incursão do encenador pela obra de Shakespeare - parece cínica (os actores são vestidos pela dupla Storytailors com equipamentos de futebol), mas ele garante que é uma peça "serena", sem juízos de valor. "Não estabeleço fronteiras entre o que é justo ou injusto; entre o que é bom ou mau. Esta peça, que é imensa [mais de três horas], é a demonstração da capacidade que temos de ser ambas as coisas ao mesmo tempo. E, neste caso, ambas as coisas na figura daqueles dois reis".
Ancorada num exercício que joga com o "perdurar da memória", e com a ambiguidade fornecida pela banda sonora de Sérgio Delgado, a história desenvolve-se em três momentos que correspondem a três linguagens diferentes o reinado de Ricardo; a invasão e a transição de poder; e a abdicação do Rei, período de síntese num quadro "um bocadinho pervertido" a evocar a última ceia. A causa, o efeito e as consequências.
A equipa de Nuno Cardoso não é a mesma de sempre, mas quase dos 15 actores, Cátia Pinheiro, Luís Araújo, António Júlio e Daniel Pinto pertencem a um grupo que raras vezes não integra as suas criações. O autor do estádio, Fernando Ribeiro, e o dos holofotes, José Álvaro Correia, também estão sempre lá. O núcleo duro, a linguagem cénica e a conexão entre o texto e actualidade serão a marca coerente do encenador que, desde o início, promete fazer uma comédia... que nunca chegou.
Colocar o Rei Ricardo II, figura emblemática da dramaturgia de Shakespeare, num estádio de futebol, com baliza e relva e holofotes e tudo, disfarçado (revelado?) de jogador, poderá parecer, para os mais fundamentalistas, uma heresia. Tirar-lhe a poltrona, mesmo antes de a majestade perder a coroa, substituindo-a por uma minguada cadeira de praia, uma arriscada blasfémia.
Mas Ricardo II, encenado por Nuno Cardoso para o Teatro Nacional Dona Maria II, em Lisboa - em cena até 8 de Julho - é assim uma espécie de imenso jogo de futebol, que também podia ser de xadrez, mas onde "o mecanismo de confrontação entre as duas equipas - a que exerce o poder e aquela sobre quem ele é exercido - extrapola os limites das regras de qualquer desafio".
A ilustração desse divórcio subjaz a toda a peça. A engrenagem sobre a transição de poder de Ricardo II (João Ricardo) para o seu primo Bullingbrook, duque de Hereford (Gonçalo Amorim), que assumirá o título de Henrique IV, "é uma espécie de jogo de espelhos que se vai amplificando, uma dissecação perfeita do movimento antitético entre as duas personagens.
No início, um é rei; o outro apenas um homem. De repente, redefinem-se e os papéis invertem-se. Mas ambos continuam presos. Antes de tudo, à sua identidade". É o poder enquanto "monstro de Frakenstein" "As maiores sevícias praticam-se quando não temos consciência delas. Daí, as grandes catástrofes e a dimensão de loucura que o homem transporta", afirma Nuno Cardoso, para justificar que é justamente "a nossa constante distanciação da aceitação de coisas tão simples como a morte - Ricardo diz: "A morte é a única coisa que nos pertence" - que o "fascina" e o conduz à escolha de textos que versam invariavelmente sobre "temáticas complexas".
A aposta - primeira incursão do encenador pela obra de Shakespeare - parece cínica (os actores são vestidos pela dupla Storytailors com equipamentos de futebol), mas ele garante que é uma peça "serena", sem juízos de valor. "Não estabeleço fronteiras entre o que é justo ou injusto; entre o que é bom ou mau. Esta peça, que é imensa [mais de três horas], é a demonstração da capacidade que temos de ser ambas as coisas ao mesmo tempo. E, neste caso, ambas as coisas na figura daqueles dois reis".
Ancorada num exercício que joga com o "perdurar da memória", e com a ambiguidade fornecida pela banda sonora de Sérgio Delgado, a história desenvolve-se em três momentos que correspondem a três linguagens diferentes o reinado de Ricardo; a invasão e a transição de poder; e a abdicação do Rei, período de síntese num quadro "um bocadinho pervertido" a evocar a última ceia. A causa, o efeito e as consequências.
A equipa de Nuno Cardoso não é a mesma de sempre, mas quase dos 15 actores, Cátia Pinheiro, Luís Araújo, António Júlio e Daniel Pinto pertencem a um grupo que raras vezes não integra as suas criações. O autor do estádio, Fernando Ribeiro, e o dos holofotes, José Álvaro Correia, também estão sempre lá. O núcleo duro, a linguagem cénica e a conexão entre o texto e actualidade serão a marca coerente do encenador que, desde o início, promete fazer uma comédia... que nunca chegou.
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