sábado, maio 25, 2013

Paulo Morais: "O meu maior combate é contra o medo"



A entrevista que Paulo Morais deu a Clara Ferreira Alves, publicada hoje no Expresso, devia ser lida por toda a gente. E toda a gente devia lê-la com um bloco de notas ao lado. Porque há nomes que convém não esquecer.

Sobre Pedro Passos Coelho:
(...) ele não estava completamente dominado pelos grandes grupos, Mello, Espírito Santo, Mota... Não tinha ligação profissional directa como tinha tido Durão Barroso.- Teve, indirecta, ao BPN, ou não?- Na altura, eu não sabia. Nem sabia que o Grupo Espírito Santo foi aumentando o seu capital na Fomentivest à medida que Passos Coelho foi aumentando o capital político. Estranho. Achei que ele dava alguma esperança, até por conversas que tinha tido com ele sobre as PPP. Mais uma desilusão. Está na altura de Passos ler o seu próprio livro.

Sobre Cavaco Silva e Eduardo Catroga:

Há uma fase inicial em que Cavaco Silva não estava condicionado pelos grandes grupos. Ele teve uma queda brutal no momento em que as privatizações deixam de ser feitas na Bolsa, com leilão competitivo, e passam a ser feitas por negociação. Com a chegada de Catroga ao Governo. A corte absorveu Cavaco Silva. Como todos.

Sobre a corrupção em Portugal:
A corrupção em Portugal está a subir. No indicadores internacionais, entre 2000 e 2010, passámos de 23º para 33º. Somos o país que mais caiu em transparência no mundo. O que mais regrediu. Somos o pior da Europa, com a Itália, onde predominam as máfias, e a Grécia, onde predomina a desorganização. Nós temos as duas coisas. Se a corrupção diminuir, o país melhora.

Momento isto-pode-mudar-(esperemos!)-as-próximas-eleições-autárquicas:
Estamos a criar um site de transparência municipal [site de contas], com um indicador de transparência face a cada município ainda antes das eleições autárquicas. 

Quero ir mais longe, de modo a que as pessoas saibam para onde vai cada euro que metem na administração pública. Estamos a trabalhar nisso. Mas o que falta, o passo essencial? A criação da censura social à corrupção.

Sobre tachos e clientelas partidárias:
No litoral, ou nas áreas metropolitanas, estar ligado a um partido é garantia de emprego. Nos pequenos municípios, no interior, não estar ligado é garantia para o desemprego.

O primeiro empregador é a Câmara, o segundo é a misericórdia ou uma IPSS local ligada à Câmara. Quem não estiver na rede clientelar do presidente, fica sem emprego.

Sobre negócios trafulhas (parte I) e Ferreira do Amaral:
Expropriação já, da Ponte Vasco da Gama. Não é um negócio, é uma mentira. 

Existe a luta contra a corrupção, a luta contra o medo e a luta contra a mentira. (...) Percebi ao fim de não sei quantos anos que os privados entraram com pouco mais de 20% do valor da ponte. E ficaram não só com aquela ponte como com a outra e com as travessias do Tejo. E se pensar que os tipos que compraram a ANA são sócios da Lusoponte, espere mais uns tempos e vai ver o aeroporto do lado de lá e a Vasco da Gama com um inflacionamento da faturação da ordem dos 30% a 40%.

E o Ferreira do Amaral estar a gerir o negócio que ele próprio montou é absurdo.

Sobre jornalismo:
O problema é que temos poucos jornalistas a fazer jornalismo. Por razões históricas, as redacções estão cheias de estagiários e os que pegavam em determinadas causas estão arredados ou foram arredados. E a propriedade tem sido tomada pelos grupos. Na maioria dos casos, os jornalistas não têm formação para estudar estas matérias. Temos um espaço público, mediático, tomado pela gente da política. 


Conhece algum país onde os políticos sejam comentadores?

Sobre a ERC:
Não serve para nada. Bom jornalismo precisa de jornalismo forte e bons jornalistas. Em Portugal não temos massa crítica a uns e outros.

Sobre as supostas tentativas públicas para combater a corrupção:

"A primeira foi a Alta Autoridade contra a Corrupção, presidida por pessoa estimável mas sem a energia necessária para isso. O Costa Brás. Depois tivemos aquela comissão parlamentar com deputados com fortíssimas ligações a grupos empresariais e bancos. O Vera Jardim, o presidente, era e é do Bilbao Y Vizcaya. 

Só por anedota se põe a chefiar uma comissão destas uma pessoa ligada a um banco. 

E nada disto é secreto. O Conselho de Prevenção da Corrupção é um organismo muito governamentalizado. Não é bom nem é mau, é inócuo. Pediu a todas as entidades públicas que fizessem planos de risco de corrupção, há uns anos. E quem fez esses planos? As pessoas mais susceptíveis de estarem envolvidas em corrupção. É pedir ao assaltante o plano de segurança do edifício. Fizeram-se mil e tal papéis que ficaram todos arquivados. E nada aconteceu.

E onde o Conselho podia intervir, nas privatizações, aparece a fiscalizar a privatização da EDP depois de concluído o processo.

Quando o memorando foi assinado, 4 de maio de 2011, fizemos na Associação de Transparência, uma reunião com a Troika, antes de irem para o aeroporto. Ficou estabelecido que analisaríamos o memorando e identificaríamos as áreas mais susceptíveis de corrupção. (...) Identificámos as áreas e identificámos as privatizações. Ou mais uma vez eram feitas em leilão competitivo em bolsa ou tinham de ser completamente transparentes, com uma comissão a fiscalizar o processo.

[A comissão] era o Daniel Bessa e mais outros. Uma comissão governamental para fiscalizar o Governo. Ninguém fiscalizou coisa nenhuma."

CFA: Com o telefonema do Ricciardi para o primeiro-ministro.

"Devem ter tido sucesso, porque ganharam o concurso público no caso da REN. Com o apoio do Miguel Frasquilho, vice-presidente da comissão parlamentar que fiscalizou isso.

Sobre a Troika, Resgate vs Sequestro:
Da troika, prefiro nem falar. Devíamos ter tido uma intervenção externa se tivéssemos tido um resgate. Mas não tivemos um resgate, tivemos uma intervenção para garantir que o Estado português continuava a pagar os empréstimos à banca. Um resgate é outra coisa. Existem resgates nas empresas, os chamados acordos de credores. Processos de reestruturação da dívida em que se isola a exploração do problema da dívida. Isto é um resgate. Óptimo exemplo que salvou muitas empresas em Portugal. Quando a primeira das despesas a efectuar é dívida, isto não é um resgate, é um sequestro. Não vale a pena dizer que não vamos pagar, o que faz sentido é fazer um resgate a sério. Reestruturar a dívida.

Sobre a banca, os três segredos da governação do país e a teoria de viver acima das possibilidades:
A dívida portuguesa está toda titulada. A banca estava toda entalada com a dívida portuguesa e deixou de estar.

70% da dívida privada era bolha imobiliária. E só 15% da dívida era consumo. A história de que os portugueses andaram a gastar acima das suas possibilidades é o maior embuste. São as três maiores mentiras. Essa é uma, outra é de que não há alternativas à austeridade. E a terceira é a mania dos desvios, cada Governo que vem diz que havia um desvio do Governo anterior. O Durão Barroso falou da tanga do Guterres, o Sócrates falou dos desvios, este falou do desvio colossal.

Ou estes tipos não conhecem a estrutura da dívida, e não têm desculpa porque são incompetentes, ou andaram a mentir porque a conheciam. Na Administração Pública não pode haver desvios. Toda a despesa pública tem de estar orçamentada e cabimentada. Sem cabimentação prévia, quem fizesse despesa incorreria em perda de mandato. Como ninguém perdeu o mandato... pode haver despesa pública não cabimentada e casos extremos, tremores de terra, pontes caídas, etc. Ora como não há despesa pública não cabimentada, não há despesa contratada sem documentos. Dizer que há desvios é brincar com as pessoas.

Sobre o Tribunal de Contas:
Porque não actua? Tem lá gente do Ministério Público que tem de intervir. Num destes dias o presidente [Guilherme de Oliveira Martins] veio dizer que havia contratos secretos nas PPP. Não pode haver contratos secretos na Administração Pública. Ou eram secretos e são nulos. Ou só eram secretos para o Tribunal de Contas. Tem que ser explicado. Tem que ter seguimento. Depois disto, o presidente ou os torna públicos e explica, ou os anula ou se demite. Se existe contratos válidos secretos, o TC é um organismo inútil. Não pode haver proclamação de seriedade sem consequências.

Sobre o BPN, SLN, Galilei e afins:
O caso BPN está para este regime coo o caso Alves dos Reis para a I República. O maior projecto imobiliário do país, neste momento, é o projecto dos Salgados, no Algarve, da Galilei [ex SLN]. Na Parvalorem estão, além dos resíduos tóxicos, os maus negócios e todos os passivos de todas as empresas que a SLN teve com gestão danosa deliberada. Existiam com prejuízo que era todo mandado para o BPN. Está tudo documentado. Até os carros eram comprados e financiados duas vezes. Se houver uma investigação competente, conseguem identificar toda a gente. E confiscar os bens. A justiça tem meios para actuar, com a legislação da recuperação de activos que existe em Portugal. Não são precisas novas leis.

O BPN tem uma solução política, que tinha de ser ao mais alto nível. E a SLN resolvia-se de uma de duas formas: ou os accionistas dão três milhões de euros ao Estado, ou então confiscam-se os bens deles. A maioria são accionistas da Galilei. Isso implicava que tivéssemos outro Governo. Porque a negociação teria de ser feita pela cabeça do Estado e ratificada pelo Parlamento.

Sobre os conflitos de interesses (eufemismo para descaramento) dos que habitam o Parlamento e respectivas comissões que integram:
O pior [do Parlamento] são as comissões.

As mais escandalosas.

A da Defesa, por causa da questão dos submarinos, onde o presidente tem sido sempre proveniente da mesma sociedade de advogados, a do Rui Pena. Agora é o Matos Correia, que vem daí, antes o José Luís Arnaut, que vem daí, e que foi ministro na altura da compra dos submarinos. 

E temos o José Luís Cnavarro, presidente da Comissão da Segurança Social e ao mesmo tempo consultor do Montepio, que actua na área da solidariedade.

Temos Manuel Isaac e Pedro do Ó Ramos, que estão na comissão da Agricultura e que nas suas empresas recebem subsídios desse ministério. 

A mais escandalosa é a comissão parlamentar eventual do Programa de Assistência Financeira a Portugal, a comissão que acompanha os trabalhos da troika, que tem a presidir o Vieira da Silva e como vice-presidente o Miguel Frasquillho, que além de ser deputado é membro do Grupo Espírito Santo, e ainda por cima trabalha na ESSI, a sociedade que ajudou os chineses a comprar a EDP. 

Como é possível?

E tinha lá o Adolfo Mesquita Nunes, que agora é secretário de Estado do Turismo e trabalhava ao mesmo tempo no escritório Morais Leitão, Galvão Telles, Soares da Silva e Associados. Os grandes escritórios são as grandes irmandades.

Sobre os grupos, parcerias, financiamento dos partidos, transferências dos figurões dos governos para as empresas privadas, e a negociata ANA/Relvas/Costa:
Criou-se a impunidade de alguns grupos económicos. Reorganizaram-se muito rapidamente para tomar conta do Estado português. Estes grupos conseguem resolver problemas insolúveis. 

O grande negócio que a Câmara de Lisboa, o António Costa fez com o Miguel Relvas, para os terrenos do aeroporto, só foi um grande negócio para os compradores da ANA. A partir do momento em que os terrenos deixam de ser da Câmara, passam a estar sob a tutela da ANA durante o período de concessão. Os concessionários podem fazer o que lhes apetecer. A Câmara ganhou o dinheiro.

Como é que a CML anda anos em diferendo com a Administração Central, um problema insolúvel, tantos professores de Direito Administrativo, tantos pareceres, anos e anos de litigância, e de repente tudo se resolve numa semana, ao aparecerem os compradores da ANA?

Eles podem, quando quiserem, fazer o novo projecto imobiliário na Portela e o novo aeroporto de Alcochete e com isso rentabilizam o equipamento da Ponte Vasco da Gama. E o projecto imobiliário da Portela terá uma rentabilidade muito superior ao custo do aeroporto de Alcochete.

A privatização da ANA foi barata e não foi transparente.

CFA - A Oposição nem beliscou.

É a central de negócios. É a história de Portugal nos últimos 25 anos. Pessoas que estão na administração política para captar recursos do Orçamento do Estado para beneficiar os grupos 
económicos para que estão a trabalhar. O seu trabalho é a corrupção. A verdadeira corrupção.

1 comentário:

  1. o engraçado nesta entrevista é a determinado ponto falar de um tipo de quem te falei numa das últimas vezes que nos vimos, como exemplo do que certa malta que ficamos a conhecer quando somos novos e que mais tarde não recomendamos. Precisamente porque os conhecemos.
    E depois não recomendamos. Ou porque escrevem artigos nos jornais e depois recebem cargos públicos. Ou porque fazem "carreira" para chegar a esses mesmos cargos.

    Clap, clap, clap Paulo Morais

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