[Edição de 1981 (a primeira é de 1969),
com fotografia de Cartier-Bresson na capa]
"Como era grande a tua solidão. Tão vasta quanto a minha. Mas por razões ocultas, encontrámos vasos comunicantes. Que nos nivelavam o sentir no que me parecia prometida paz. Esquecia-me de um risco que a experiência submarina assinala a todo o mergulhador: a partir de certa fundura, ele fica exposto aos perigos da chamada embriaguês das profundidades.
Espontaneamente, vinham-nos recordações da infância mais remota. Às vezes parecia-me que estávamos tentando remontar aos nossos primeiros anos de vida sobre a terra, para que o encontro começasse nesses tempos e assim crescesse em sintonia. Era como se tudo o que nós os dois tínhamos vivido separadamente exigisse uma qualquer compensação da perda originada por não termos feito o caminho sempre juntos. Resumindo: devíamos ter nascido ao mesmo tempo, brincado juntos, crescido juntos até nos desvirginarmos mutuamente. E termos prosseguido assim. Pelo menos era desta cor que eu sentia as coisas entre nós.
Naquela intimidade eu entendia o alcance da paixão-relâmpago entre adultos: faísca formidável ateando um incêndio que altera tudo. E vinha mais esta descoberta: era como se só agora eu entrevisse a razão de haver uma maneira física intensíssima para relacionar duas pessoas. E - num crescendo desse estar-com - dava comigo, estupefacto, no limiar da invenção do sexo. A partir de tal aprendizagem, tomava consciência horrorizada do que cada ser humano desperdiça (irremediavelmente) na relação sexual à toa.
(...) Tenho passado a vida a tentar despir-me até não ter medo de ficar nu."
[Não parece a partir desde excerto, mas é um livro sobre o fim da ditadura em Portugal. E é uma descoberta maravilhosa. Não conhecia Nuno Bragança (1929-1985), é escritor praticamente apagado da História, vá lá saber-se porquê. E desta vez, a culpa nem é das editoras. A Assírio e Alvim reeditou-lhe a obra completa em 1995, parece que não vendeu mais de seis mil exemplares. Em 2009, a D. Quixote voltou a tentar, compilando as suas cinco obras num único volume. Não terá sido suficiente para que se tornasse, quase trinta anos depois da sua morte, suficientemente conhecido. E que pena. É tão, mas tão bom....]
belíssimo primeiro parágrafo
ResponderEliminarmesmo bom
ResponderEliminarCara Helena, sou fã do Nuno Bragança. Mas a primeira edição deste livro é mesmo de 1981. Em 69 publicou ele o primeiro livro, "A Noite e o Riso". Abraço
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