"Mermaids" entra directamente para o lote de canções mais tristes do ano. Nick Cave acredita em sereias, acredita em Deus, acredita no arrebatamento, mas as sereias pertencem ao mar e Deus sabe-se lá ond...e está quando é preciso. É uma despedida. Terrível, porque insuportavelmente descrente. É uma porrada. "Wide lovely eyes" entra directamente para o lote de canções mais tristes do próprio Cave. Ameaça quebrar-nos os ossos só com uma palavra. E até mete sereias e borboletas, e mitos e lendas, dá quase a ilusão de redenção, mas tudo é já pretérito imperfeito. Ele diz que desmantelaram o parque de diversões, desligaram a máquina e é tarde. É o fim, e o fim é escuro e é definitivo. "Push the sky away", que dá nome ao 15º disco de Cave, entra directamente para o lote de canções mais tristes de sempre. É como estar no corredor da morte, o baixo está ali só para nos esmurrar o coração, o piano para nos estrangular o sonho, e Cave para guiar a procissão, assombração a sussurrar: só tens de continuar a empurrar o céu para longe, empurrar o céu para longe, para longe, longe. "Water's edge" põe-nos de joelhos. Nick Cave tem 55 anos e não grita, antes gritasse, a voz são lâminas invisíveis mas afiadas. Não está aqui para nos salvar nem para ter piedade de nós. Está aqui para nos avisar: quando envelhecemos ficamos frios. E o frio mata o amor. "Jubilee street" pesa dez toneladas, esmaga-nos, deixa-nos a sangrar. A puta da roda do amor é tão difícil de empurrar quando se está no lugar errado à hora errada. As pessoas boas deviam praticar aquilo que pregam. Pois. Voltam os violinos, ele fica sozinho, começa a voar, porque soa então a condenação? A resposta está no lado B da canção, na aranha negra que chora em "Finishing jubilee street", tudo está perdido. "We real cool" parece absolvição, é condenação, claro. É quase humor negro, é libertação desiludida derramada em batimentos cardíacos, em lágrimas, em planetas separados. O passado é passado e está aqui para ficar. E o baixo também. Continua a esmurrar-nos o coração esmurrado. Em "Higgs boson blues" nem Martin Luther King escapa, Cave ressuscita os demónios e as maldições todas, mas o futuro já tanto faz, já não importa o que traz. E se nada há para perdoar (ou nada que possa perdoar-se?), que se cumpra então o que diz em "We no who you are": respirar, respirar profundamente.
"Push the sky away", talvez o disco mais aguardado deste ano, são nove canções de cortar os pulsos. Um livro em que todas as histórias acabam mal. É um manual para aprender a enlouquecer de dor. É isto que Nick Cave (com os Bad Seeds) traz ao Primavera Sound - música para doer. Muito. E para não perder.
"And some people say it's just rock and roll, but it gets you right down to your soul."
Quinta-feira, 30 de Maio, 23h30
Parque da Cidade, Porto
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