domingo, janeiro 14, 2007

O Porto visto de Lisboa

"Quem espera quatro horas, ao frio, noite dentro, para ver uma exposição de pintura?", pergunta José Manuel Fernandes (JMF), hoje, no editorial do Público. "Os portugueses", responde. À última hora, deveria ter acrescentado. Há quem só tenha acordado para a retrospectiva de Amadeo de Souza-Cardoso, patente na Fundação Gulbenkian, em Lisboa, desde 14 de Novembro, no último dia e depois de os media terem sucessivas vezes alertado para o acontecimento. Inclusive com aberturas de telejornal. Ainda assim, é um facto: mais de cem mil pessoas em dois meses é, no mínimo, motivador.

"Quem esgota os espectáculos de qualidade, da ópera à dança, que passam pelas nossas grandes cidades? Os portugueses. Quem transformava um longo fim-de-semana numa maratona familiar em que se saltitava de sala de concerto em sala de concerto no Centro Cultural de Belém para não perder pitada da defunta Festa da Música? Ainda os portugueses. Quem torna num sucesso, esgotando sessões, um festival de documentários? De novo os portugueses".

Tal dose de optimismo é quase contagiante! No entanto, é toda relativa à agenda cultural da capital. É lá que se realizam todos os acontecimentos citados por JMF. Agora, atente-se na perigosa diferença quando o olhar do director do Público se inclina sobre o Porto (com excepção da sempre elogiada Serralves).
Depois de afirmar que "o nosso problema não é "criar públicos para a cultura" (...); o nosso problema é responder à solicitação dos públicos que existem e que só não aparecem porque muito do que lhes é oferecido pura e simplesmente não tem qualidade", atira esta pérola: "Protestamos menos pelo desaparecimento de uma Festa da Música (quantos miúdos tiveram naqueles dias, nestes últimos, o seu baptismo da grande música? quantos se começaram a interessar pelo que desprezavam?) do que por um teatro municipal do Porto deixar de acolher espectáculos para 30 pessoas quando tem lugar para centenas.
Pergunto-me quantas vezes JMF esteve no Rivoli e se tem noção de que nos últimos anos (não exactamente nos últimos-últimos) também lá houve meninos "a interessar-se pelo que antes desprezavam". Pela convicção com que escreveu, sou levada a crer que sim, que JMF era um assíduo espectador do Rivoli (apesar de também me considerar e, curiosamente, nunca me ter cruzado com ele). Gostava de saber em que se baseia a afirmação da lotação para 30 pessoas: observação directa? Duvido. Para um líder de um jornal que preza acima de tudo a confirmação e cruzamento de fontes parece-me, no mínimo, um mau exemplo.
Pergunto-me ainda se JMF tenciona vir ao Porto quando Filipe La Féria começar a programar o Teatro Municipal. E finalmente, muito gostava que esclarecesse em que lugar do Porto encontra festivais de documentários, festas da música, arias de ópera e espectáculos de dança... de qualidade.

Fico com a impressão que JMF perdeu uma excelente oportunidade de estar calado.

3 comentários:

  1. Cara Helena

    Concordo 100% com o sua crítica ao texto (que parece encomendado) do JMF.

    Lembrando agora (a propósito disto) uma sua pergunta de há pouco tempo...

    Quando se pega no tão falado exemplo de Serralves (supostamente privado), se compara o valor que o estado (nós, claro) lá "enfia", com o somatório de TODOS os museus da rede nacional (nossa claro) e, de caminho, se averigua da "saude" financeira da instituição?

    Seria um estudo interessante ou "perigoso"?

    AM

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  2. na mouche, aliás como este: http://canhoes.blogspot.com/2007/01/jos-manuel-fernandes-e-cultura.html

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