quarta-feira, novembro 21, 2012

ATEM le souffle by Josej Nadj


Quando o teatro é bom, há poucas coisas melhores. ATEM é profundamente comovente.


Entrevista com Josef Nadj. Por Renan Beyamina.

Renan Beyamina Pode falar-nos da génese de ATEM?
Josef Nadj O primeiro momento chave dessa história é uma encomenda da Quatrienal de Praga sobre o tema da relação íntima no espetáculo. Foi a primeira vez que o festival dirigiu uma proposta concreta aos artistas: cada um deles deveria ocupar uma caixa de quatro por quatro metros e produzir aí uma forma acessível ao público durante oito horas por dia. Imaginei então uma presença possível dentro desse espaço restrito. Mandámos construir a nossa caixa, dentro da qual os espectadores podiam observar-nos através de um vidro. Desafiei Anne-Sophie Lancelin, que interpretou a minha peça anterior, Cherry-Brandy [2010], a ocupar esse espaço comigo.

O que imaginou no interior da caixa?
Dentro desse dispositivo comecei por refletir e por procurar o estado de espírito mais ajustado a esse lugar tão particular. Senti necessidade de não começar no vazio total. Era necessário encontrar um elemento central entre Anne-Sophie e eu, criar um signo que nos fosse comum. Encontrámos uma vara. Será que já estava ali, perto de nós, ou tivemos de a procurar? Não sei responder. Essa vara constituiu a matriz da peça: coloquei-a verticalmente entre Anne-Sophie e eu. Perguntámo-nos então: como fazer um gesto em direção ao outro, sabendo que existe qualquer coisa entre nós? Pergunta simples e cruel. Impercetivelmente, a vara impôs-se como o resíduo da árvore do bem e do mal, mas também como o eixo do mundo. Esta interpretação resultou da vontade de nos situarmos não só num espaço concreto, como também num espaço e num tempo absolutos. Avançávamos como se fôssemos guiados por esse objeto. Desenvolveu-se então entre nós um diálogo gestual. Sentimos, ao viver essa situação, que tínhamos encontrado um centro de jogo possível.

Portanto, tudo partiu de uma vara. Contudo, o espetáculo evoca também a importância do pintor Albrecht Dürer.
A pouco e pouco, tornou-se-me evidente que o espaço que construíamos tinha a ver com as gravuras de Albrecht Dürer, um artista muito importante para mim. Tinha catorze anos quando descobri a gravura intitulada Melencolia I. Mais tarde, perguntei-me por que razão me fascinava tanto essa obra. Na gravura vemos um anjo, ou melhor, uma mulher alada, envergando um vestido, sentada junto a um homenzinho. As figuras encontram-se diante de uma casa. No espetáculo, foi como se tivéssemos decidido fazer entrar na casa essas duas personagens. Estudámos cuidadosamente essa gravura muito rica em pormenores (os pregos, as correntes, uma balança, etc.), bem como as duas outras gravuras que compõem, com Melencolia I, uma trilogia: São Jerónimo na sua Cela e O Cavaleiro, a Morte e o Diabo. São obras de uma grande multiplicidade de significados. São como um jogo de charadas, de sugestões, que refletem uma visão do mundo. Transcendem as intenções do seu criador e oferecem-nos a possibilidade de abrir, de desdobrar espaços sugeridos, mas não figurados.

Anne-Sophie Lancelin e você são as personagens dessa gravura. Constituem um casal?
Não exatamente. Somos dois seres em busca de uma harmonia que abole o tempo do aqui e agora. Dois seres que criam um tempo absoluto, onde a divisão entre masculino e feminino desaparece. Comunicamos a um nível espiritual; o corpo arde e desaparece na intensidade dessa comunicação. Desenvolvemos uma série de improvisações, imaginando, por exemplo, aonde iria aquela mulher, que circunstâncias ditaram a presença do homenzinho, como ocorreu o encontro de ambos. Assim produzimos um certo número de jogos que funcionavam como um todo.

O som é um elemento igualmente importante nesta peça…
Na primeira fase do trabalho, em Praga, senti necessidade de um ambiente sonoro. Tive vontade de trabalhar com o compositor Alain Mahé. Compusemos um espaço sonoro sobretudo com sons da natureza – os sons dos elementos e dos nossos gestos. O ambiente, ou melhor, o interior sonoro e íntimo, foi composto a partir de sons gravados no meio natural: podem ouvir-se, entre outros, o som do mar, do vento, do fogo, do metal ou da cera, através dos quais flutua o som do contrabaixo de Pascal Seixas. Recolhemos esses elementos sonoros para os harmonizar, num trabalho de pesquisa a meias, como já fiz anteriormente, no domínio da dança, com Anne-Sophie Lancelin.

De onde vem o título da peça: ATEM?
Durante a criação do espetáculo, li textos de Celan. Ler poesia favorece esse estado poético necessário à minha pesquisa. É um alimento espiritual essencial, que ajuda à minha busca interior. Ao ler esses poemas, tive uma sensação peculiar, como se Celan os tivesse escrito enquanto assistia ao espetáculo. As suas palavras são, pois, naturalmente acolhidas por nós. A palavra Atem é tirada de um dos seus poemas – significa, em alemão, “respiração”. E impôs-se rapidamente como o título da peça.

Essa respiração é também a das velas, presentes entre os atores e o público.
As velas constituem a única iluminação do espetáculo. Permitem criar uma relação íntima e natural com o público, além de remeterem para o fogo presente na gravura Melencolia I. Trata-se do fogo dos alquimistas, que faz borbulhar a substância até à transformação. Com todas as ressonâncias metafóricas que isso implica para o teatro. Além disso, os olhos adaptam-se muito rapidamente ao bruxulear das velas, de modo que os espectadores podem ver sem dificuldade todos os pormenores cénicos. Essa luz reforça a sensação de se estar num quadro vivo, conferindo ao conjunto um aspeto muito pictórico.

Anteriormente, em Paso Doble [2006] e Les Corbeaux [2010, espetáculo apresentado no Teatro Carlos Alberto, em 2011], e agora em ATEM, a impressão que fica é que o Josef Nadj restringe o espaço, como que à procura de um máximo de intimidade.
É um reflexo de ciclos de vida e de trabalho. A minha companhia completa este ano o seu vigésimo quinto aniversário. Tenho refletido sobre o meu percurso anterior e sobre como me posso lançar a um novo grande ciclo de trabalho. Como se estivesse a meio de uma demanda. Intuitivamente, torno o espaço o mais próximo possível de mim mesmo, de modo a poder sentir a respiração dos meus desejos. Para tanto, sinto necessidade de pequenos espaços e de estar sozinho ou em diálogo com um único parceiro. Trabalho muito sobre a depuração dos meios e do texto, sobre a intensidade de momentos escolhidos que quero tornar o mais evidentes possível. Procuro simplesmente apurar a minha linguagem.

Falou-nos de respiração e da árvore do bem e do mal: trata-se de uma procura de natureza mística?
Diria antes que é uma investigação sobre o sagrado. Uma reflexão global sobre a nossa existência, sobre as nossas relações humanas mediadas pelas leis do universo. Já falámos aqui de alquimia: o teatro é um lugar de transformação, onde se põem à prova as nossas capacidades psíquicas e físicas. Daí extraímos uma substância que tem a ver com a energia do jogo, com a qual criamos novas formas, novos modos de ser. Não é o resultado de um conceito ou de um trabalho cerebral, mas sim de uma sucessão de experiências físicas e espirituais. A cada espetáculo, reinvocamos esse estado obtido através das experiências. A magia do espetáculo nunca produz exatamente a mesma coisa: os nossos corpos transportam a experiência de cada travessia.


Mosteiro de São Bento da Vitória, Porto
21 | 25 novembro 2012
quarta a sexta-feira 21:30 sábado + domingo 16:00 + 21:30

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