sexta-feira, maio 19, 2006

Energúmeno

Nos últimos meses tenho-me debruçado sobre a diferença de significado entre o que o jornalista escreve e o que o leitor lê. Ingenuamente - reconheço agora -, tomei como objecto de estudo para a tese de mestrado - "O impacto do discurso jornalístico nos bairros sociais do Porto. Representações sociais." -, as classes desfavorecidas da cidade, convicta de que seriam essas as pessoas mais susceptíveis de subverter a interpretação do discurso. Nomeadamente, porque denotam genuína dificuldade na distinção entre notícia e crónica.
A sentença hoje proferida pelo juiz Carlos Coutinho, que condenou o cronista do "Público", Augusto M. Seabra, a uma multa de 2140 euros e a uma indemnização de 4000 euros, acrescidos das respectivas custas judiciais, por ter escrito que Rui Rio, autarca portuense, é um energúmeno, devolve-me bruscamente a uma nova realidade, tão ou mais dramática do que a dos ghetos. A de que a liberdade de expressão é um direito adquirido pela metade, e que oscilará de acordo com o estatuto social de cada um.

O caso remonta a Julho de 2003, altura em que Rui Rio exigiu que Pedro Burmester se demitisse da Casa da Música, na sequência de uma entrevista ao JN, na qual o pianista criticara a (ausência de) política cultural da Câmara. Rio exigiu a demissão porque vive num estado de autismo terminal que o leva a ignorar que vivemos, "todos", em democracia, que o impede de tolerar a crítica, inibindo-o de reconhecer as suas próprias deficiências. Pasme-se: a exigência de Rio não foi considerada abuso de poder, nem atentado à honra e bom nome e trabalho de Burmester.
Já sobre o comentário de Augusto M. Seabra considera o tribunal que "não houve por parte do arguido uma preocupação cívica de respeito pelo destinatário". Mais grave: o juiz afirmou ter tido em consideração que o assistente é uma figura pública e que, como tal, está sujeito a um determinado número de situações, críticas e injustiças, mas apesar disso considera que "tem que haver restrições".
Será um prazer integrar Rui Rio e Carlos Coutinho na minha tese de mestrado que, a partir de agora, seguirá outros rumos. (Voltarei ao assunto.)

2 comentários:

  1. Bom, resta o recurso interno e depois para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, daí virá provavelmente mais uma condenação do Estado português...

    ResponderEliminar
  2. "Que o mar não seja a dor que nos deixou o tempo (...)", já dizia Luís de Camões... sõa muitos anos de fascismo ao pé duma liberdade tão pequena, temos de resistir para vencer, como diz o José Mário Branco!

    http://www.aldinaduarte.com/blog/

    esta é a morada paar aceder directamente ao meu Blog sem passar pelo site, além do mais a navegação torna-se mais funcional através das setas avançar/retroceder!

    Obrigada!

    Até Sempre!

    Aldina

    ResponderEliminar