domingo, junho 02, 2013

Um país outro


Não é capricho, felicidade premeditada, verdade inventada, predisposição para a anestesia. É coisa real, viva, de verdade, que acontece quando acontece música. A música provoca sorrisos e desperta paixões, devolve abraços e reaviva memórias, a música salva vidas - e salva-nos da vida. Mesmo. E sim, cura feridas, comove, branqueia a alma, aquece o coração, enternece o olhar. A música embebeda, arrepia até aos músculos, arranca-nos do chão de todos os dias. A música é colo incondicional, recebe-nos, aperta-nos, mima-nos, faz-nos chorar de alegria e explodir de excitação. É antídoto para o que é mau e indutora do que é bom. A música faz das pessoas pessoas melhores, desarma-nos, contagia-nos, incentiva a vontade de beijar, de amar, de fazer bem. De partilhar. De nos darmos por inteiro, de sermos inteiros. A música não separa, aproxima - e equilibra-nos. A música não complica, simplifica - e faz-nos acreditar. A música, se fosse alguém, seria deus. É um milagre. A música convoca as nossas pessoas todas sem dizer. Estamos todos lá, como num acaso que é tudo menos coincidência. Estivemos todos lá, no Primavera Sound. Nunca seríamos capazes de amar alguém que não ouve música, nem alguém que ouvindo música não ama concertos. E é muito difícil explicar, porque não é coisa de aprender, é coisa de sentir. Quem sabe sente, quem sente entende. A música é reconhecimento e exaltação.

O Primavera Sound, dissemo-lo no ano passado, é um caleidoscópio mágico. É um país inteiro, mas um país outro. O da Alice, talvez. Não é só o cartaz que faz parte do cartaz, é o cenário de pradaria, o calor, as pessoas. As nossas pessoas. O Portinho, sempre. Remete-nos imediatamente para uma felicidade da qual não podemos escapar. Parece mentira mas é verdade, o Primavera Sound condena-nos a sermos felizes. Pelo menos, por três dias. E fomos. Tanto. O Primavera Sound é uma comunhão sagrada só comparável a Coura. Não será uma religião, mas é seguramente uma doutrina. 

Houve mais de cinquenta concertos, perdemos inevitavelmente mais de metade, nenhum dos que precisávamos realmente ver. A música é esta necessidade. E este encontro. E deixa raízes. Quando acaba um festival assim é ver um amigo de que gostamos mais do que muito ir embora. Fica um aperto, mesmo com o coração cheio. 

(Obrigada, Esquilo. Os meus festivais já existiam antes de ti, mas sem ti não seriam a mesma coisa.)

Sem comentários:

Enviar um comentário