quarta-feira, fevereiro 27, 2013

Speechless



“Nos anos 70, Marina Abramovic viveu intensa história de amor com Ulay. Durante 5 anos viveram num furgão realizando performances. Quando sentiram que a relação já não valia, decidiram percorrer a Grande Muralha da China, dar um último grande abraço e nunca mais se ver. 23 anos depois o MoMa de NY dedicou retrospectiva a sua obra. Nela Marina compartilhava 1 minuto de silêncio com cada estranho que sentasse a sua frente. Ullay chegou sem ela saber, e foi assim.”
Maeve Jinkings

Mestre Cruz sempre.



(Nova vénia ao Pedro Lomba)

Paulo Mendes Campos: O amor acaba


[Vórtice, Drácula]

Com a devida vénia ao Pedro Lomba, a quem roubei o texto.

"O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; no andar diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; na epifania da pretensão ridícula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina; no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova York; no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados; e acaba depois que se viu a bruma que veste o mundo; na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba."

"O amor acaba", Editora Civilização Brasileira – Rio de Janeiro, 1999, pág. 21

terça-feira, fevereiro 26, 2013

domingo, fevereiro 24, 2013

Raul Brandão: A pedra ainda espera dar flor



Há pelo menos três ou quatro coisas que se sentem quando se consegue responder com facilidade à pergunta difícil: Qual é o teu escritor preferido? 1) Sentir que seria capaz de dizer de cor páginas inteiras de vários livros, à força de tantas vezes os ter lido (presunção imbecil); 2) que o escritor e a sua obra não são suficientemente reconhecidos e bem tratados, o que se reflecte logo numa procura que passa muito mais por alfarrabistas e bibliotecas do que por livrarias; 3) a angústia de, achando que já se leu tudo, não ter mais nada para ler desse autor; 4) uma alegria gigantesca quando alguém se dedica a vasculhar o baú do dito escritor e publica inéditos.

Raul Brandão (1867-1930) é o meu escritor preferido de sempre. E nunca me conformei com a falta de popularidade dele. Nem sequer a entendo. Por estes dias, Vasco Rato ofereceu-nos, mais uma vez, um presente maravilhoso: "A pedra ainda espera dar flor", uma compilação de textos extraída de quase quarenta publicações de todo o tipo, com cinquenta inéditos. Um milagre.

"E tudo isto cabe dentro de um caixão de pássaro! Cabem os dias e as noites, os monólogos infindáveis; cabe a ternura e a dor, cabem todas as construções imaginárias que nos sustentam. A vida, que é tão grande, não tem peso, o sonho sem limites não tem peso... Cabe ali tudo o que maquinou e remoeu e que é infinito ao pé desse farrapo inútil.

Agora que me vou despedir dela para sempre, tenho de confessar a mim mesmo que sob essa agitação perpétua, sob esse desespero perpétuo, só havia sonho e ternura.  Isto durou um momento, mas durante esse momento, que é a eternidade, arcou com a vida, atreveu-se a disputar à desgraça os últimos restos de ilusão, não se conformou com a desgraça num debate que só terminou quando foi ao fundo, talvez melhor fosse a gente deixar-se ir logo ao fundo... Mas ela não pôde: tinha de defender a vida dos seus e defendeu-a até cair amachucada por aquelas mão de ferro que não perdoam nem quebram. Tinha de defender o seu sonho, e defendeu-o até tombar exausta, combatendo pela vida viva que nos acompanha até ao túmulo.

Talvez o seu sonho fosse inútil. O sonho dos humildes é quase sempre inútil. Talvez. Mas nela entram, como nos sonhos grandiosos, como em todos os dramas da existência, as estrelas, o céu e o inferno. Entra Deus. E isto pesa toneladas. No desta figura que nunca sucumbiu estava também uma ternura extraordinária. Até o seu desespero era ternura. E isto tudo, que exige um tablado desmedido e que liga cada ser ao vasto universo, cabe agora entre quatro tábuas de forro."

(A Morta, Maio de 1924)

sábado, fevereiro 23, 2013

A ballet story by Victor Hugo Pontes



Estranha-se na primeira metade, entranha-se na segunda. Rendição total no fim.

sexta-feira, fevereiro 22, 2013

Viagens ao sofrimento do povo português



Textos dispersos de Raul Brandão são um espelho perfeito da sociedade portuguesa entre finais do século XIX e as primeiras décadas do XX. Fundamental.



Há páginas inesquecíveis na literatura portuguesa. E algumas delas foram escritas por Raul Brandão, a começar por "Húmus", livro sobre as incertezas da existência e sobre os homens que, olhando para o universo, procuram respostas sobre o mal. Lá se escreve, de forma cortante: "A honradez deste homem assenta sobre uma primitiva infâmia. O interesse e a religião, a ganância e o escrúpulo, a honra e o interesse, podem viver na mesma casa, separados por tabiques. Agora é a vez da honra - agora é a vez do dinheiro - agora é a vez da religião. Tudo se acomoda, outras coisas heterogéneas se acomodam ainda. Com um bocado de jeito arranja-se sempre lugar nas almas bem formadas". Raul Brandão tinha uma pena iluminada: as suas frases são sinais de sol e sombra, de dúvidas e algumas certezas. Mas, sobretudo, conseguiu descreveu o país e o seu povo, os seus sonhos e superstições, como poucos outros. Fala da Decadência e por isso consegue ser tão actual."A Pedra ainda espera dar flor", uma compilação de textos dispersos escritos entre 1891 e 1930, com uma sólida organização de Vasco Rosa, ajuda-nos a conhecer melhor o seu mundo. Os seus textos sobre os ciclos do tempo são de uma beleza estonteante (leia-se "Maio", por exemplo), ou sobre a cultura portuguesa revelam a solidez do seu pensamento (fala-nos de António Nobre, de Eça, de Camilo, de Almeida Garrett, de Teixeira de Pascoaes, de Fialho de Almeida, dos Bordallo Pinheiro, com uma elegância e conhecimento únicos), do teatro ou dos pescadores. Fala da vida e da dor, temas sempre tão presentes em toda a sua obra e isso acaba por nos tornar mais ricos. Está aqui a alma, o sangue e o suor do povo português, a viver sempre entre a pobreza e a decadência, com momentos de euforia porque julgou descobrir o destino.


Há uma lógica de derrocada total nestes textos. E eles são uma boa forma de partirmos para os seus livros (não só "Húmus" mas também "Os Pescadores", "As Ilhas desconhecidas" ou "História de um Palhaço". Em "O Diário de K. Maurício", há uma frase que parece escrita para a história de Portugal e dos portugueses: "Habituou-se a sonhar e a ter medo de viver". Às vezes, ao lê-lo, parecemos estar a ler poesia em forma de prosa, tal a riqueza das imagens que desfilam defronte dos nossos olhos. Este livro agora editado, que nos traz textos de diferentes fases da vida de Raul Brandão, mostra-nos a capacidade que tinha para ver o horizonte sem preocupações de fronteiras no seu afã para desvendar o destino dos homens. Depois há a vertigem da dor sempre presente nas suas palavras: "os mais destemidos pescadores portugueses são os poveiros: quase sempre o seu túmulo é o fundo do mar". Que palavras mais fortes servem para descrever o sofrimento do povo português, o trabalho duro para garantir a fuga ao limiar da pobreza.

É isso que sobretudo fascina na escrita de Raul Brandão: mesmo quando fala da dor e do mal, faz isso de forma poética, como se as palavras pudessem aveludar os sentimentos e estes não fossem espinhos de uma rosa. Bonita mas que pica. "A pedra ainda espera dar flor" é uma forma magnífica de procurarmos descobrir a sua obra.

[Fernando Sobral, hoje, no Jornal de Negócios]

quinta-feira, fevereiro 21, 2013

Afonso Cruz




Obrigada, Afonso Cruz, por este livro, que não é bem só um livro. Não sei o que é, nem a que idade se dirige, mas é maravilhoso. "Estas são as páginas do diário de uma menina que carrega um jardim na cabeça, atira palavras aos pombos e sabe quanto tempo demora uma sombra a ficar madura." Absolutamente irresistível. 

terça-feira, fevereiro 19, 2013

segunda-feira, fevereiro 18, 2013

Justiça possível


Cinco anos após sucessivos adiamentos, estreei-me hoje como arguida num tribunal perto de mim. Bastou para perceber por que razão a justiça, a existir neste país, é tão perra. Gostei muito do exercício retórico. Tirando isso, fiquei apenas com a certeza de que é mais fácil um pulha ficar impune do que um inocente provar a inocência.

domingo, fevereiro 17, 2013

sábado, fevereiro 16, 2013

Crystal Castles, Hard Club


Alice Glass, daquela casta de mulheres a que pertence Alison Mosshart.

sexta-feira, fevereiro 15, 2013

Afectivamente


No dia em que um meteoro se desintegrou na Rússia e um asteróide fez um voo rasante na Terra, os GNR esgotaram o Coliseu do Porto para um concerto acústico, incursão pelos trinta anos da banda de Rui Reininho. A coincidência astronómica fez sentido: Reininho também é um cometa, voa a grande velocidade, deixa um rasto de luz por onde passa, mas não faz feridos, cura feridas. Popless, de 2000, ainda mal tinha dado o tiro de partida para "afectivamente, quando do público alguém gritou: "Porque estás aí a falar de amor comigo?" Reininho não falou só de amor, mas os concertos dos GNR são sempre também uma declaração de amor às pessoas. "Obrigada por vos pertencer", agradeceu o vocalista, depois da maratona de duas horas em que tornou quase irreconhecíveis os clássicos. A banda desligou a ficha, trocou o baixo eléctrico pelo acústico, a guitarra eléctrica pelas cordas do violino da majestosa russa Ianina Khmelika, os teclados pelo piano. A voz de Reininho é sempre a voz de Reininho, seja em que rotação for. Mas o público, se não estranhou, conteve-se. Quase desde o início a pedir "Dunas", recebeu o troféu só no fim da viagem partilhada em palco com Mitó, d'A Naifa, Márcia, Beatbombers (num inesquecível rearranjo de Sangue Oculto) e com Camané, a maior ovação da noite. Em "Dunas", a sala ergueu-se. A vénia devida.

quinta-feira, fevereiro 14, 2013

sábado, fevereiro 09, 2013

Gula


Nunca a portugalidade esteve tão na moda, o que não deixa de ser intrigante, não pela moda em si mas por significar que um país pode de facto abandonar-se, abdicar de si próprio, rejeitar-se. Superada a moda do minimalismo, do clean, do design sueco democrático e da cuisine française, eis o país a reencontrar-se. Para o bem e para o mal. Bela tasquinha na capitalista, bela viagem ao passado.

sexta-feira, fevereiro 08, 2013

Fortunately, you're not dead, Mark!


Roubar é feio, mas às vezes a tentação não resiste à moral. Setlist da memorável passagem de Mark Eitzel pelo Lux. 

terça-feira, fevereiro 05, 2013

I´ll be there

Primavera Sound, Porto

segunda-feira, fevereiro 04, 2013

Philip Roth: Engano


- Eu escrevo as respostas. Começa tu.
- Como se chama?
- Não sei. Como vamos chamar-lhe?
- Questionário sobre o sonho de fugirmos juntos.
- Questionário sobre o sonho dos amantes de fugirem juntos.
- Questionário sobre o sonho dos amantes de meia-idade de fugirem juntos.
- Tu não és de meia-idade.
- Ai isso é que sou.
- A mim pareces-me jovem.
- Ai sim? Bem, isso vai ter certamente de ressaltar do questionário. Os dois candidatos têm de responder a todas as perguntas.
- Começa.
- Qual é a primeira coisa a meu respeito que te mexeria com os nervos?
- Quando estás no teu pior, o que é o teu pior?
- Tens mesmo essa vivacidade toda? Os nossos níveis de energia equivalem-se?
- És extrovertida, encantadora e equilibrada, ou és solitária e neurótica?
- Quanto tempo levarias a sentir atracção por outra mulher?
- Ou homem?
Não podes envelhecer nunca. Pensas o mesmo a meu respeito? Costumas pensar no assunto?
- Quantos homens ou mulheres tens de ter em cada momento?
- Quantos filhos queres ter a interferir na tua vida?
- És uma pessoa organizada?
- És completamente heterossexual?
- Tens ideias concretas sobre o que me interessa em ti? Responde com precisão.
- Dizes mentiras? Já alguma vez me mentiste? Achas que mentir é uma coisa normal, ou és contra a mentira?
- Esperarias que te dissessem a verdade se a exigisses?
- Exigirias a verdade?
- Pensas que a generosidade é um sinal de fraqueza?
- Os sinais de força são importantes para ti?
- Quanto dinheiro posso gastar sem tu te zangares? Entregavas-me o teu cartão Visa sem fazer perguntas? Deixavas-me ter poder sobre o teu dinheiro?
- Em que aspectos já sou uma desilusão?
- O que é que te embaraça? Diz-me. Ao menos sabes?
- Quais são os teus verdadeiros sentimentos em relação aos judeus?
- Vais morrer? És mental e fisicamente saudável? Responde com precisão.
- Preferias alguém mais rico?
- Até que ponto iria o teu embaraço de fôssemos descobertos? Que dirias se entrasse alguém por aquela porta? Quem sou eu e por que razão está tudo bem?
- Quantas coisas escondes de mim? Vinte e cinco. Mais alguma?
- Não me ocorre nenhuma.
- Aguardo com ansiedade as tuas respostas.
- E eu as tuas. Tenho uma pergunta.
- Sim.
- Gostas do que eu visto?
- Estás a exagerar.
- Não estou nada. Quanto mais banal é o defeito, mais raiva inspira. É o que me diz a experiência.
- Está bem. Última pergunta.
- Eu faço. Eu faço. A última pergunta. Continuas de algum modo, em algum recanto do teu coração, a alimentar a ilusão de que o casamento é um caso de amor? Se sim, isso pode ser a causa de muitos problemas.

domingo, fevereiro 03, 2013

sexta-feira, fevereiro 01, 2013

Je changerais d'avis



La vie n'est pas un seul garçon
Un seul visage à aimer
La vie n'est pas une seule passion
Pour toujours, allumée

Il faut de tout pour faire un coeur
Et bien peu, pour le défaire
Mais pourtant devant toi, j'ai peur
J'oublie les leçons d'hier

Je changerais d'avis
Ce qu'il faut penser
Au fond je sais, que le l'oublierais

Je changerais de vie
Si tu le voulais
Au fond je sais, que je te suivrais

Je changerais d'amis
Si tu y tenais
Tout mon passé, je le quitterais

Si tu m'aimais aussi
Je sais que je pourrais tout laisser
Et tout recommencer

Je changerais d'avis
Et je me dirais que jusqu'à toi
Je m'étais trompée

Je changerais de vie
Sans me demander où je m'en vais
Si tu m'emmenais

S'il n'y avait qu'une chance
Une sur des milliers pour te garder
Moi je la prendrais

Et tant pis si c'est fou
J'aurais envie de tout avec toi
Si tu pouvais m'aimer.