Houve um dia em que António Borges sonhou que poderia ser o Príncipe que governaria Portugal. Mas nem ele se enquadrava nos princípios sonhados por Nicolau Maquiavel nem as bases do PSD o levaram a sério. Não desistiu. E, neste Governo, vislumbrou a hipótese de ser o poder sem o parecer. Enrolado nos cortinados das salas do poder, Borges insinua, escreve, elegeu-se guru. No seu ócio como homem da sombra, pensa mandar. Como Passos Coelho o acolheu, julga que é o Hyde de Jekyll. O seu problema é que, muitas vezes, atraído pelo mel dos microfones, aproxima-se destes e fala. Com a impunidade de, sendo consultor, como Mota Soares convenientemente referiu, julgar que é a voz do executivo.
António Borges supõe ser o tambor-mor do Governo. Mas se o julga é porque Passos Coelho e Miguel Relvas o permitem. O grave é que, se fala pelo Governo e este não o manda calar, é porque este tem prazer masoquista em ter Borges como relações públicas. O serviço público de televisão como garante do debate democrático não é algo que se trate com nitroglicerina numa mão e dinamite na outra, como Borges julga que se trata tudo. Não há drama em Borges gostar de se escutar a si próprio. Há quando ele é colocado a falar por outro. É que, ao colocar Borges no altar, Miguel Relvas revela a sua própria fragilidade política. Ao dar corda a quem só causa enfado, Relvas não se resguarda. Abdica de ser ministro. E demonstra que o coração político deste Governo está com arritmia compulsiva.
Quando o ministro político de um Governo tem medo da própria sombra e chama o tambor-mor para falar por si, é altura do primeiro-ministro mudar alguma coisa.
[Hoje, no Jornal de Negócios]
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