sábado, janeiro 15, 2011

Clara Ferreira Alves: O político e os patetas

Não me lembro de uma campanha política com maior indigência política do que esta. Lá estão eles na televisão, a falar de quê? Cavaco admite que ele e a mulher não passam de dois míseros professores, dois pobres professores, que puseram as suas poupanças, as poupanças de toda uma vida, num banco onde por acaso tinham uns amigos e conhecidos, e por acaso tiveram um lucro de cento e tal por cento sem como nem porquê. Um banco ao qual devemos todos nós, portugueses, milhões de euros. Assim, nem se sabe bem como. É uma daquelas coisas que acontecem a todos, até a nós, portugueses.

Quem ouvir Cavaco acha que o homem esteve estes anos todos exilado, e nunca foi nada, nunca quis ser nada mais do que um pobre professor e um agricultor de anonas, anonas que são todas oferecidas para solidariedade social. O Cavaco primeiro-ministro dez anos, o Cavaco candidato presidencial que perdeu com Jorge Sampaio (sim, perdeu, leram bem) e o Cavco de cinco anos de Presidência da República e de "magistratura passiva" (visto que só agora nos propõe a activa) nunca existiram. E o Cavaco que estes anos todos continuou a usar o controlo remoto para comandar o PSD e os seus líderes também nunca existiu. Resta-nos um professor (e a sua mulher) cheio de indignação existencial perante a legitimidade política da pergunta sobre a sua relação com a quadrilha do BPN.

Um candidato destes, que não se sabe que programa político tem, que convicções tem, deveria ser facilmente derrotado por outro candidato com força e com programa. Certo? O pior é que ouvimos os outros candidatos e parece que chegámos à Disneylância. Mais uma caterva de homens sérios sem uma ideia política dentro da cabeça. O mais penoso é Fernando Nobre, que não se sabe ao que vem nem porque vem e que só diz inanidades. O menos penoso é o do PC, que repete a cassete. Os outros dois não existem nem existe alguém que se preocupe com a sua existência. E Manuel Alegre? Queixa-se do PS e devia queixar-se dele mesmo. A ideia de desafiar Cavaco para interromper a campanha eleitoral e salvar Portugal do FMI é de certeza a ideia mais estúpida de toda a campanha. Alegre não percebe. Nem o que se está a passar com Portugal nem o que compete ao Presidente. O único poder que o Presidente português tem nas mãos chama-se capacidade de dissolução do parlamento, a única razão porque a eleição é importante é esta: quem ganhar terá a possibilidade de fazer cair o Governo. Ou mantê-lo em funções.

As patetices da campanha de amadores são a consequência da falta de visão dos candidatos e também a consequência da falta de exigência do jornalismo português. Nunca foi tão visível o empobrecimento intelectual do jornalismo e da política. O jornalismo tem de fazer as perguntas que ninguém faz e obter as respostas a que o público tem direito. Chegaram à profissão carregamentos de jovens sem preparação, mão de obra barata que exerce a profissão com a leviandade e a ignorância dos maus alunos. Existem colunistas e comentadores de cueiros, ligados a partidos e presumindo de independentes, existem estagiários a cobrir acontecimentos históricos, existem editores que não editam, existem prioridades invertidas. Existem trepadores sociais e velhos do Restelo.

Quando Portugal é falado em todo o mundo por causa da incapacidade de resolver o problema do financiamento externo, analisando friamente o problema (o que em Portugal nunca se faz, apesar de tanto comentador) os jornais e televisões dedicam espaço e atenção ao "modelo" Renato Seabra e ao assassínio de Carlos Castro, subitamente promovido a "jornalista". Destacando repórteres e meios que nunca destacam para cobrir acontecimentos internacionais que nos dizem respeito, o jornalismo tablóide chafurdou neste caso e agarrou-se a ele como a uma tábua de salvação. Dá audiências, as audiências que este jornalismo criou e alimenta. A nossa pouca exigência é o resultado desta indigência. E a nossa complacência para com a má governação é o resultado desta falta de atenção e inversão das prioridades. O país tornou-se como a televisão que tem: um jornaleco de escândalos.

Portugal não quer saber. Venha o FMI, não venha o FMI, tudo lhe é indiferente. O conformismo português, herdado de Salazar mas anterior a ele, atávico, é um conformismo nascido da ignorância e da desqualificação. Do subdesenvolvimento. Neste cenário, fica-se com a impressão de que o único político que se mexe e não se resigna é José Sócrates. O único que trabalha. Como todos os seus defeitos, Sócrates tem-se batido, e tem desempenhado um difícil papel no meio de ministros cansados e governantes exaustos de nada fazer, com excepção de Teixeira dos Santos. O Governo não existe, ele sim. No meio dos patetas, aparece um político. Esperam que ele se demita? Esperarão.

Clara Ferreira Alves, Pluma Caprichosa, revista Única, Expresso

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