Não me lembro de uma campanha política com maior indigência política do que esta. Lá estão eles na televisão, a falar de quê? Cavaco admite que ele e a mulher não passam de dois míseros professores, dois pobres professores, que puseram as suas poupanças, as poupanças de toda uma vida, num banco onde por acaso tinham uns amigos e conhecidos, e por acaso tiveram um lucro de cento e tal por cento sem como nem porquê. Um banco ao qual devemos todos nós, portugueses, milhões de euros. Assim, nem se sabe bem como. É uma daquelas coisas que acontecem a todos, até a nós, portugueses.
Quem ouvir Cavaco acha que o homem esteve estes anos todos exilado, e nunca foi nada, nunca quis ser nada mais do que um pobre professor e um agricultor de anonas, anonas que são todas oferecidas para solidariedade social. O Cavaco primeiro-ministro dez anos, o Cavaco candidato presidencial que perdeu com Jorge Sampaio (sim, perdeu, leram bem) e o Cavco de cinco anos de Presidência da República e de "magistratura passiva" (visto que só agora nos propõe a activa) nunca existiram. E o Cavaco que estes anos todos continuou a usar o controlo remoto para comandar o PSD e os seus líderes também nunca existiu. Resta-nos um professor (e a sua mulher) cheio de indignação existencial perante a legitimidade política da pergunta sobre a sua relação com a quadrilha do BPN.
Um candidato destes, que não se sabe que programa político tem, que convicções tem, deveria ser facilmente derrotado por outro candidato com força e com programa. Certo? O pior é que ouvimos os outros candidatos e parece que chegámos à Disneylância. Mais uma caterva de homens sérios sem uma ideia política dentro da cabeça. O mais penoso é Fernando Nobre, que não se sabe ao que vem nem porque vem e que só diz inanidades. O menos penoso é o do PC, que repete a cassete. Os outros dois não existem nem existe alguém que se preocupe com a sua existência. E Manuel Alegre? Queixa-se do PS e devia queixar-se dele mesmo. A ideia de desafiar Cavaco para interromper a campanha eleitoral e salvar Portugal do FMI é de certeza a ideia mais estúpida de toda a campanha. Alegre não percebe. Nem o que se está a passar com Portugal nem o que compete ao Presidente. O único poder que o Presidente português tem nas mãos chama-se capacidade de dissolução do parlamento, a única razão porque a eleição é importante é esta: quem ganhar terá a possibilidade de fazer cair o Governo. Ou mantê-lo em funções.
As patetices da campanha de amadores são a consequência da falta de visão dos candidatos e também a consequência da falta de exigência do jornalismo português. Nunca foi tão visível o empobrecimento intelectual do jornalismo e da política. O jornalismo tem de fazer as perguntas que ninguém faz e obter as respostas a que o público tem direito. Chegaram à profissão carregamentos de jovens sem preparação, mão de obra barata que exerce a profissão com a leviandade e a ignorância dos maus alunos. Existem colunistas e comentadores de cueiros, ligados a partidos e presumindo de independentes, existem estagiários a cobrir acontecimentos históricos, existem editores que não editam, existem prioridades invertidas. Existem trepadores sociais e velhos do Restelo.
Quando Portugal é falado em todo o mundo por causa da incapacidade de resolver o problema do financiamento externo, analisando friamente o problema (o que em Portugal nunca se faz, apesar de tanto comentador) os jornais e televisões dedicam espaço e atenção ao "modelo" Renato Seabra e ao assassínio de Carlos Castro, subitamente promovido a "jornalista". Destacando repórteres e meios que nunca destacam para cobrir acontecimentos internacionais que nos dizem respeito, o jornalismo tablóide chafurdou neste caso e agarrou-se a ele como a uma tábua de salvação. Dá audiências, as audiências que este jornalismo criou e alimenta. A nossa pouca exigência é o resultado desta indigência. E a nossa complacência para com a má governação é o resultado desta falta de atenção e inversão das prioridades. O país tornou-se como a televisão que tem: um jornaleco de escândalos.
Portugal não quer saber. Venha o FMI, não venha o FMI, tudo lhe é indiferente. O conformismo português, herdado de Salazar mas anterior a ele, atávico, é um conformismo nascido da ignorância e da desqualificação. Do subdesenvolvimento. Neste cenário, fica-se com a impressão de que o único político que se mexe e não se resigna é José Sócrates. O único que trabalha. Como todos os seus defeitos, Sócrates tem-se batido, e tem desempenhado um difícil papel no meio de ministros cansados e governantes exaustos de nada fazer, com excepção de Teixeira dos Santos. O Governo não existe, ele sim. No meio dos patetas, aparece um político. Esperam que ele se demita? Esperarão.
Clara Ferreira Alves, Pluma Caprichosa, revista Única, Expresso
Clara Ferreira Alves, Pluma Caprichosa, revista Única, Expresso
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