A capela é fria e sombria como são sempre as capelas todas. O ar pesa sobre a cabeça. Há humidade acumulada do cansaço, da chuva interior e de um vai-e-vém de estranhos e menos estranhos que nunca se inibem de, invisivelmente, esticar o dedo indicador para gritar "presente". Antecâmara de uma tempestade. É sempre assim.
Entro decidida a não cumprir mais do que o mínimo estritamente imposto pelo protocolo da amizade incumprida. Não porque o coração me fale de regras sociais, de condutas e parcimónia; mas porque não quero que penses que só estou aqui por causa da tragédia. Que se a tragédia não tivesse acontecido, nunca iria aparecer. A verdade é que só estou aqui por causa disso. Se isso não tivesse acontecido, talvez nunca caminhasse em direcção a ti. Nunca caminhei. E podia tê-lo feito. Isso, neste preciso instante, envergonha-me. Mais, dói-me.
Entro na capela pela primeira vez desde a vez do avô. Percebo imediatamente que nunca chega a haver tempo para recuperar o prazer de cheirar as flores. As flores trazem sempre perdas agarradas ao cheiro. Não tenciono sequer dar-te os dois beijos com a etiqueta das condolências. Talvez, apenas, piscar-te um olho, soprar-te um sorriso; quando muito, pousar apressadamente a mão no teu ombro. Sim, achava que para quem se perdeu há tanto tempo, isso seria suficiente. Ou, pelo menos, menos embaraçoso. O pudor, às vezes, tem em nós efeitos contraditórios. É difícil saber o que é mais acertado.
Procuro com o olhar alguém em quem possa depositar a dor, funda e genuína, mas infinitamente inferior à tua. Quando o olhar estaciona, já estou a tropeçar nos teus pés como tropeçava, aflita, quando éramos pequenos e, ao domingo à noite, atiravas pedras para a janela do meu quarto para nos despedirmos antes de ires para o seminário. Não sei quem caiu no colo de quem. Mas, às tantas, estamos ali, outra vez, nos braços um do outro. Um abraço apertado, demorado, do coração. A vida inteira dentro desse abraço. Volto a tratar-te pelo diminutivo. Tu, também. Os nomes com diminutivo só são permitidos aos amigos de infância. São os únicos que conhecem a chave de um tesouro a que nunca mais ninguém terá acesso.
Entro decidida a não cumprir mais do que o mínimo estritamente imposto pelo protocolo da amizade incumprida. Não porque o coração me fale de regras sociais, de condutas e parcimónia; mas porque não quero que penses que só estou aqui por causa da tragédia. Que se a tragédia não tivesse acontecido, nunca iria aparecer. A verdade é que só estou aqui por causa disso. Se isso não tivesse acontecido, talvez nunca caminhasse em direcção a ti. Nunca caminhei. E podia tê-lo feito. Isso, neste preciso instante, envergonha-me. Mais, dói-me.
Entro na capela pela primeira vez desde a vez do avô. Percebo imediatamente que nunca chega a haver tempo para recuperar o prazer de cheirar as flores. As flores trazem sempre perdas agarradas ao cheiro. Não tenciono sequer dar-te os dois beijos com a etiqueta das condolências. Talvez, apenas, piscar-te um olho, soprar-te um sorriso; quando muito, pousar apressadamente a mão no teu ombro. Sim, achava que para quem se perdeu há tanto tempo, isso seria suficiente. Ou, pelo menos, menos embaraçoso. O pudor, às vezes, tem em nós efeitos contraditórios. É difícil saber o que é mais acertado.
Procuro com o olhar alguém em quem possa depositar a dor, funda e genuína, mas infinitamente inferior à tua. Quando o olhar estaciona, já estou a tropeçar nos teus pés como tropeçava, aflita, quando éramos pequenos e, ao domingo à noite, atiravas pedras para a janela do meu quarto para nos despedirmos antes de ires para o seminário. Não sei quem caiu no colo de quem. Mas, às tantas, estamos ali, outra vez, nos braços um do outro. Um abraço apertado, demorado, do coração. A vida inteira dentro desse abraço. Volto a tratar-te pelo diminutivo. Tu, também. Os nomes com diminutivo só são permitidos aos amigos de infância. São os únicos que conhecem a chave de um tesouro a que nunca mais ninguém terá acesso.
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