terça-feira, junho 20, 2006

Jornalismo

Factos são factos. E os factos cabem em qualquer jornal. As histórias bem contadas, as entrevistas, as reportagens também. E quem não gosta do sabor eléctrico de uma cacha? Depois, haverá publicações com mais espaço para o fait-divers, para a treta, para o people (essa invenção aberrante dos tempos modernos) ou para o que Vasco Pulido Valente designa como "o bebé, o cão e a namorada". Mas o essencial do que define o jornalismo cabe em qualquer jornal. Se a essência cabe lá, por que razão não está lá? Por que razão estão os jornais cada vez piores? Se tudo é possível em todas as publicações, o que move tantos jornalistas a quererem desesperadamente mudar de jornal?
(Vem isto a propósito da notícia publicada na edição de anteontem do Público: O grupo fundador do semanário Sol recebeu 600 currículos, dos quais escolheu cerca de 200 para testes de selecção de jornalistas. Nas centenas de currículos que recebeu, encontrou muitas situações de precariedade, mesmo de pessoas em cargos de chefia, mas também pedidos de emprego de licenciados há muito desempregados...)
Tenho uma teoria para a necessidade de mudança, que não se prende com as situações de escândalo salarial que, obviamente, também existem. E como falo de mudança, excluo desta teoria todos os licenciados desempregados ("Em Portugal há 40 cursos de Comunicação e Jornalismo, nos quais entram anualmente 2500 estudantes. Segundo dados da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, há 6795 jornalistas com título profissional, dos quais 390 são estagiários e 241 estão desempregados.") à procura de exercer, eventualmente pela primeira vez, a profissão.
Não conheço nenhum jornalista que o tenha desejado ser para escrever sobre "o bebé, o cão e a namorada". Não duvido que exista, mas eu não conheço. Também não conheço nenhum jornalista que tenha crescido com a convicção de que o jornalismo seria a melhor profissão para enriquecer, embora haja quem consiga viver refasteladamente no exercício das suas funções jornalísticas. Mas conheço jornalistas (e, felizmente, ainda conheço bastantes assim) que o quiseram ser pela necessidade intrínseca de escrever. Escrever para noticiar; escrever para denunciar; escrever para educar; escrever para divulgar; escrever para partilhar; escrever para ajudar a melhor o estado das coisas. Porque o jornalismo é uma dessas profissões que não existe (ou não deveria existir) sem a absoluta consciência da esfera ética, que nos exige respeito, lealdade, verdade.
Ora, de que vale assinar a mais brilhante manchete de um jornal, denunciar a maior das corrupções, salvar a última das criaturas do mundo, quando não se é capaz de respeitar o colega do lado? É esta gritante falta de respeito, desculpada com o eterno argumento de que "em todo o lado há gente boa e má", e tantas vezes alimentada e protagonizada por direcções demasiado imberbes, que invejam em vez de se regozijarem com o trabalho dos seus jornalistas, que leva ao cansaço e, consequentemente, à desmotivação e à necessidade de procurar noutras paragens o que deveria ser a regra em qualquer redacção.
("Todos procuram um emprego no novo semanário Sol, que estará nas bancas em Setembro. Mas poucos vão conseguir.")
Conheço, infelizmente, demasiados ex-jornalistas que há cinco ou seis anos não imaginavam que pudessem deixar de o ser; que não concebiam ser outra coisa. Hoje são professores, assessores, relações públicas... Perguntem-lhes se deixaram de o ser apenas porque ganhavam menos do que qualquer funcionário de um centro comercial.

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