sábado, março 08, 2014

Alan Bennett: A leitora real


"O apelo da leitura, pensou, vinha da sua indiferença: havia na leitura algo de nobre. Os livros não se importavam com quem os lia, nem se os líamos ou não. Todos os leitores eram iguais, incluindo ela própria. Pensou: a literatura é uma comunidade; as letras uma república.

Se lhe perguntassem se a leitura lhe enriquecera a vida; ela teria de dizer que sim, sem dúvida, embora acrescentasse com igual certeza que, ao mesmo tempo, lha esvaziara de todo o sentido. Fora outrora uma mulher resoluta e segura, conhecedora do seu dever e decidida a cumpri-lo enquanto pudesse. Agora, ficava muitas vezes indecisa. Ler não era fazer, o problema fora sempre esse. E, embora velha, continuava a ser uma pessoa de acção.
Voltou a acender a luz, pegou no caderno e escreveu: "Nos livros não pomos a vida, encontramo-la."
A seguir adormeceu. 

Os livros tornam-nos menos rijos, amaciam-nos (...) Os livros raramente induzem o despoletar da acção. Geralmente só nos confirmam aquilo que , talvez inconscientemente, já decidimos fazer. Vamos a livro para ver corroboradas as nossas crenças. O livro, por assim dizer, encerra a questão".

[A propósito deste conto de Bennet, escreveu Maria José Nogueira Pinto, um ano antes de morrer, no DN: O leitor não erudito, como é o meu caso e o da Rainha, é decerto o mais feliz. Menos crítico e menos selectivo, ele é também menos autodirigido, mais versátil e sempre disposto a abraçar o caos. A nossa viagem torna-se caleidoscópica e sem fim à vista. (...) A leitura é mesmo assim: subversiva e redentora. Só é preciso ler." É isto.]

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